Em novembro, mês em que coletivos, organizações e movimentos sociais celebram a Consciência Negra, feriado que homenageia Zumbi dos Palmares, pernambucano que nasceu livre, mas foi escravizado aos seis anos de idade. A Republica.org, instituição que investe e apoia projetos sobre gestão de pessoas no serviço público, celebrou, entre vitórias e desafios, a vida e trabalho de profissionais públicos negros. Em diversos setores, como administração, engenharia química e limpeza urbana, a campanha "Onde estão os negros no serviço público?" apresentou 10 profissionais públicos, suas trajetórias públicas e sonhos para o serviço público numa iniciativa de comunicação.
"A motivação da campanha veio do estudo do IPEA de 2012 que mostrou que, apesar de negros ocuparem quase metade dos empregos no setor público, estão ausentes nas carreiras e cargos mais prestigiados. O estudo também revelou que os salários médios de negros são inferiores aos dos brancos. É importante levar esse debate para pressionar por novos dados. " disse Joyce Trindade, estudante de Gestão Pública da UFRJ e uma das idealizadoras da campanha.
RACISMO INSTITUCIONAL
O Brasil é um país que sofreu, ao longo da maior parte de sua história, como um sistema escravocrata. Foi fundado no escravagismo: primeiro indígena, depois com povos africanos. No Brasil, a escravidão negra durou mais de 300 anos. Segundo especialistas, o abismo social que ainda existe entre negros e brancos é eco desse sistema, mesmo após mais de 130 anos desde a Lei Áurea. Isso também tem sido pautado, incansavelmente, por movimentos negros.
As relações desiguais de vida da população negra ainda são uma realidade. O trabalhador branco, por exemplo, ganha 68% a mais que pretos e pardos (dados do IBGE). Levantamento do G1, em 2018, também mostra, com base nos dados do Ministério do Trabalho, que brancos são maioria em empregos de elite, como em algumas áreas de engenharia, enquanto negros, ocupam vagas sem qualificação, como na lavoura e, nas grandes cidades, como operadores de telemarketing.
CAMPANHA "Onde estão os negros no serviço público?"
A iniciativa contou histórias como a de Paola Belchior, administradora apaixonada por transformação social, que aos 11 já sonhava em ser presidente. A profissional pública trabalha no Centro de Pesquisas do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPERJ). Histórias como a de Felipe Luther, estudante de ciências sociais da PUC-Rio, gari da Companhia de Limpeza Urbana (COMLURB). Um profissional público preocupado com a saúde ambiental da cidade do Rio de Janeiro. A de Aline, engenheira química formada pela UERJ e ouvidora da Empresa de Pesquisa Energética, uma profissional pública que acredita na participação social para a melhoria dos serviços públicos. Outra história contada pela República.org foi a de Jorge Amaro, secretário Municipal de Saúde de Mostardas, no Rio Grande do Sul, profissional premiado pelo Prêmio Espírito Público em 2019. A campanha também contou a história de Rafaela Bastos, da prefeitura do Rio, Claudio Vega, da Secretaria de Estado de Fazenda; Alessandro Passos, da Agência Nacional do Petróleo; Giovana Xavier, pesquisadora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e, ainda, de Helena Rezende, Delegada da Polícia Federal.
FÓRUM: DEBATER E CRIAR REDES
A campanha também impulsionou um Fórum com profissionais públicos e outros pensadores negros para debater esse assunto tão urgente Os convidados, Wania Sant'anna, Nilcemar Nogueira, Diogo Lima, e a mediadora Carolina Lourenço, falaram sobre suas experiências no setor público e responderam a pergunta “Onde estão os negros no setor público?”
"Os negros estão ainda no elevador, ainda estão servindo café, fazendo a limpeza. Nestes lugares você vai encontrar. Raramente você vai encontrar um negro num lugar de gestão efetivamente." respondeu Nilcemar Nogueira, ex-secretária de Cultura do Rio de Janeiro.
Diogo Lima, Diretor de projetos na Superintendência de Igualdade Racial na prefeitura de Campos dos Goytacazes (interior do estado do Rio) também respondeu:
"Estão forçando a sua ocupação no estado e fazendo a roda girar a favor dos seus."
"Nós, negros, talvez nós tenhamos sido os primeiros servidores públicos forçados", disse Wânia Sant'ana, referindo-se à escravidão negra e o trabalho forçado.
Wânia é historiadora e pesquisadora das relações de raça e gênero e também celebrou o fórum, pontuando que o debate é novo:
"Quando recebi esse convite, embora a vida esteja muito atribulada, pensei: vou ter que arranjar um jeito de ir. Vocês podem ver que não se fala sobre esse assunto. Para mim todos os assuntos relacionados a discriminação racial são importantes, no entanto, a luta por trabalho, por ter alguma coisa que dê sustentabilidade à sua vida no aspecto físico, à sua família e à sua comunidade passa pelo trabalho. Então, o trabalho ocupa uma centralidade muito forte no combate ao racismo. Quando veio o convite eu aceitei de pronto pra gente refletir sobre o lugar de trabalho quando se está no Estado."
Para a República.org a representatividade e diversidade importam e geram impactos diretos na qualidade e no acesso aos serviços públicos prestado às pessoas que mais precisam. Acredita que só é possível trabalhar pela melhoria do serviço público brasileiro reservando prioridade para o debate racial. Afinal, como reforçou o fundador e conselheiro Guilherme Coelho:
"Numa sociedade racista, não basta não ser racista. A hora é de ser antirracista".