Por João Modena – Analista de Projetos e Relações Institucionais na República.org
A diversidade e a inclusão no ambiente de trabalho têm sido pautas cada vez mais discutidas, principalmente no setor privado. Mais de 50% das grandes empresas e organizações (+1000 funcionários), em todo o mundo, possuem um grupo ou comitê interno de diversidade.
E há diversas razões para isso: pesquisas internacionais mostram que, na comunidade LGBTI+, 85% das pessoas enxergam a inclusão como o fator mais importante do trabalho, 25% permaneceram em um emprego especificamente porque era um ambiente inclusivo, e 20% procuraram um novo emprego porque não se sentiram acolhidas. Além disso, há uma redução de 30% na produtividade em empresas ou instituições cujos funcionários sentem que precisam esconder sua orientação sexual ou identidade de gênero.
No entanto, no setor público, em geral, esse debate não tem sido tão ampliado como deveria. Para além da atenção ao bem estar dos próprios profissionais públicos em seu ambiente de trabalho, em todos os níveis de hierarquia, é preciso também pensar nos impactos que a diversidade em governos possui nos receptores finais dos seus serviços: a população. Todos os dias, funcionários públicos ao redor do país fazem um trabalho brilhante para formular políticas que afetam diretamente a vida de todos os brasileiros e brasileiras. Para realizar isso de forma mais eficaz e justa, o serviço público deve representar o Brasil de hoje, com todas as suas diferenças.
Evidências mostram que a diversidade – seja de gênero, orientação sexual, identidade de gênero, etnia, religião, idade, fatores socioeconômicos ou até mesmo de experiência de vida – traz visões diferentes, cria desafios e incentiva mudanças e inovações no ambiente de trabalho. Isso produz governos mais responsáveis e confiáveis, mas também melhores políticas públicas, justamente pois elas estão mais alinhadas às necessidades, realidades e interesses de toda a população, principalmente das minorias – ou melhor, maiorias minorizadas – sociais e econômicas do país.
Além disso, há um consenso crescente entre os países membros da OCDE de que a diversidade também pode ajudar a preservar os principais valores do serviço público, como imparcialidade, justiça, representatividade e transparência. Por isso, ao prestar seus serviços e desempenhar suas outras funções, os órgãos públicos também devem levar em consideração a necessidade de eliminar totalmente a discriminação, promover a equidade e criar um ambiente em que as diferenças não sejam apenas respeitadas, mas celebradas. É preciso que todos os funcionários públicos se sintam valorizados pelas visões e experiências de vida distintas que trazem, e também capazes de chegar onde suas habilidades e esforços os levarem.
Para que isso seja uma realidade, em meio à imensidão do Brasil, são necessárias práticas mais justas de recrutamento de servidores, medidas de atração de grupos sub-representados, treinamentos de neutralização de vieses, além de políticas claras de retenção e desenvolvimento de talentos, em toda a sua diversidade, criando um ambiente de trabalho acolhedor e inclusivo.
João Modena, autor do artigo
Durante os anos em que trabalhei no Foreign and Commonwealth Office, o Ministério de Relações Exteriores do governo do Reino Unido, pude ter, na prática, a experiência de ser um funcionário bissexual no setor público. O Reino Unido possui legislações específicas e estratégias que fomentam a diversidade em todo o serviço público britânico. No Comitê de Diversidade interno, do qual fiz parte, tive a oportunidade de organizar e participar de reuniões, encontros, eventos, campanhas e ações, tanto internas quanto externas, que promoviam a diversidade de etnia, gênero, sexualidade e deficiências entre os funcionários. Isso fez com que eu me sentisse muito confortável com a minha própria pele no ambiente de trabalho.
E, agora, na República.org, em minhas diversas tarefas e atribuições, sigo trabalhando com a crença de que os governos no Brasil podem (e devem) replicar essas boas práticas. Apesar dos recentes avanços, incluindo a criminalização da LGBTfobia pelo Supremo Tribunal Federal, em 2019, a cada 26 horas, uma pessoa LGBTI+ é assassinada ou se suicida vítima da LGBTfobia no Brasil. Sendo assim, o país se consolida como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais e, portanto, ainda tem muito a fazer para superar essa situação.
Por isso, é essencial não somente falar sobre diversidade LGBTI+ em governos, mas criar medidas que, de fato, façam do setor público um ambiente no qual as e os profissionais se sintam seguros, valorizados e apoiados para trazer todo o seu eu para o trabalho, sem medo de serem quem realmente são. Deste modo, também poderão formular políticas públicas e oferecer serviços que melhor atendam às necessidades de toda a população, principalmente das comunidades mais vulneráveis.
Assim como a República.org, que está promovendo uma série de debates e conteúdos sobre diversidade LGBTI+ no serviço público neste mês de junho, eu acredito, com muito orgulho, que governos importam – e pessoas, também.
João Modena
Bacharel em Relações Internacionais pela UFRRJ/UFRJ. Tem experiência no terceiro setor e em governo. É designer gráfico, tem paixão por gestão pública e estuda gênero e sexualidade como temas transversais nas relações internacionais. Compartilha com a República.org a crença de que governos e profissionais públicos são fundamentais na promoção da igualdade de oportunidades e prestação de serviços de qualidade para a população. Acredita na educação pública como uma poderosa ferramenta de transformação social e luta por uma sociedade menos desigual, mais inclusiva, livre e democrática.
Referências:
PRICEWATERHOUSECOOPERS. LGBTI Perspectives on Workplace Inclusion. Disponível em: <https://www.pwc.com.au/publications/pdf/workplace-inclusion-survey-jun16.pdf> Acesso em 23 de jun. de 2020.
HUMAN RIGHTS CAMPAING. The Cost of the Closet and the Rewards of Inclusion: Why the workplace environment for LGBT people matters to employers. Disponível em: <https://www.hrc.org/resources/the-cost-of-the-closet-and-the-rewards-of-inclusion> Acesso em 24 de jun. de 2020.
OCDE. Fostering Diversity in the Public Service. Disponível em: <https://www.oecd.org/gov/pem/paper-fostering-diversity-public-service.pdf> Acesso em 24 de jun. de 2020.
GRUPO GAY DA BAHIA. Mortes violentas de LGBT+ no Brasil (2019). Disponível em: <https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2020/04/relatc3b3rio-ggb-mortes-violentas-de-lgbt-2019-1.doc> Acesso em 23 de jun. de 2020.