Plataforma República em Dados mostra desigualdade salarial de gênero e outros números relacionados à administração pública no Brasil
Por Eugênia Lopes, especial para República.org
Seis em cada 10 funcionários públicos civis da ativa no Brasil são mulheres. Embora em maior número, as mulheres sofrem com a desigualdade de gênero em relação à remuneração: elas ganham em média 25% a menos que os homens. A falta de equidade salarial entre homens e mulheres atinge todos os níveis de governo: municipal, estadual e federal.
Um dos motivos para essa desigualdade é a dificuldade de acesso das mulheres a cargos de liderança no setor público. Quanto mais altas são as posições, menos mulheres as ocupam. No Executivo federal, por exemplo, dos 1.296 postos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) de níveis 5 e 6, apenas 323 são ocupados por mulheres. Ou seja, a cada 10 cargos de chefia, apenas dois são preenchidos por mulheres.
Essa discrepância salarial de gênero no serviço público é uma das informações que podem ser consultadas na recém-lançada plataforma online República em Dados. Nela estão organizados dados estratégicos sobre servidores apurados por diferentes fontes oficiais, como o Atlas do Estado Brasileiro do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS) e o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape).
Dados levantados pela República.org, com base na RAIS, de 2021, apontam que as funcionárias públicas mulheres predominam em praticamente todos os níveis e esferas governamentais. Elas são maioria nos serviços públicos dos municípios e dos estados e também nos poderes Executivo e Judiciário dos três níveis federativos. Já no governo federal a maior parte dos servidores é do sexo masculino, assim como no Poder Legislativo.
Em relação à média salarial, os funcionários públicos homens saem na frente. Enquanto eles ganham R$ 6.207,72 (hoje, o equivalente a 4,7 salários mínimos), as mulheres recebem R$ 4.610,95 (3,4 salários mínimos), segundo dados da RAIS, de 2021. Ou seja, as mulheres recebem 74,28% da remuneração paga aos servidores do sexo masculino.
Para chegar a essa média salarial, foram consideradas todas as esferas, poderes e administração direta e indireta. As altas remunerações presentes nos poderes Judiciário e Legislativo e no Executivo Federal elevam essa média de remuneração. Importante lembrar que no nível municipal, onde há a maior quantidade de profissionais públicos, a mediana (tendo como base a RAIS, de 2020) é de R$ 2.616, enquanto no nível Federal a mediana atinge R$ 10.029.
Segregação
A forma de ingresso na administração pública por concurso e a existência de critérios impessoais de progressão nas carreiras não impedem a desigualdade de gênero no serviço público brasileiro. O acesso de homens e mulheres a áreas mais valorizadas ainda é bastante desigual, com as mulheres ocupando cargos considerados tipicamente femininos e de pior remuneração, como professoras, enfermeiras e assistentes.
Além disso, a baixa representação das mulheres em cargos melhor remunerados e em espaços de liderança afeta a equidade salarial de gênero. Essa discriminação salarial fica evidente nos tipos de cargos ocupados pelas mulheres e na dificuldade delas chegarem a postos de liderança. Esses fatores podem ser separados em duas formas de segregação: vertical e horizontal.
“A segregação vertical e horizontal vale tanto para o setor privado quanto para o público. No setor público, o concurso público até corrige isso um pouco na entrada porque, no momento da admissão, não há diferença salarial entre homens e mulheres para ocuparem os mesmos cargos. Mas essas discrepâncias vão sendo criadas ao longo do tempo”, afirma Helena Wajnman, diretora-executiva da República.org.
Na segregação vertical, as mulheres estão em desvantagem no acesso aos salários mais altos, o chamado “teto de vidro” — elas enfrentam obstáculos muitas vezes invisíveis que impedem a ascensão a cargos que pagam mais. Já a segregação horizontal é a diferença na distribuição de gênero em algumas carreiras específicas, como as das áreas de assistência social, educação e saúde. São profissões histórica e estruturalmente pior remuneradas, com salários menores, e exercidas majoritariamente por mulheres.
“São áreas ligadas a ofícios de cuidado, que pagam menos e geralmente ocupadas por mulheres”, resume Paula Frias, analista de dados da República.org. Um exemplo clássico é o ensino básico no Brasil, que concentra grande contingente de servidoras do sexo feminino: 78,8% dos professores, no país, são mulheres, segundo dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), de 2020.
“A presença de mulheres no serviço público reflete a forma como elas são socializadas. Normalmente, vinculamos às mulheres uma vocação natural que as leva a cuidar das pessoas, mesmo que não sejam mães. Esperamos que elas forneçam seu tempo e atenção para outros de graça, em troca de amor”, argumenta Clara Marinho, analista de Planejamento e Orçamento do governo federal e conselheira da República.org. “Esse lugar social condiciona a uma maior presença feminina nas carreiras associadas ao cuidado, como assistência social, saúde e educação, as quais são tradicionalmente pior remuneradas que aquelas associadas ao universo masculino, como áreas de finanças públicas e segurança”, explica.
Estados
A falta de equidade salarial entre homens e mulheres permeia todos os níveis de governo. Assim como no governo federal, a desigualdade salarial por gênero se repete nos estados, onde os homens são maioria na faixa acima de cinco salários mínimos (R$ 6,6 mil). Apenas o Amapá, Mato Grosso do Sul, Pará e Roraima têm mais mulheres que homens ganhando salários superiores a cinco mínimos.
Nos estados é onde encontramos a pior desigualdade salarial: mulheres recebem em média 71% do salário médio de homens. No governo federal, mulheres ganham em média 92% da remuneração média dos homens. Nos municípios, as mulheres têm em média 93% dos salários dos homens.
Essas desigualdades se manifestam de forma diferente dependendo da cor/raça da mulher. Mesmo ganhando menos que os homens brancos, mulheres brancas têm média salarial maior que a de homens negros. Já as mulheres negras sempre têm médias salariais mais baixas.
Políticas para cargos de direção
Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), de 2018, apenas 152 dos 5.565 municípios brasileiros têm política de priorização de cargos de chefia e assessoramento para mulheres. No Rio de Janeiro, só Niterói informou ter essa política; e em São Paulo foram seis cidades: Praia Grande, Piracaia, Júlio Mesquita, Itaoca, Botucatu e Bebedouro. Na época, nenhum estado tinha política de priorização de mulheres para cargos de liderança.
Para Clara Marinho, os governos precisam desenvolver instrumentos de ações afirmativas para as mulheres. “Se num futuro não muito distante quisermos ter ministras da Fazenda, da Justiça e das Relações Exteriores, por exemplo, temos que ter esses instrumentos. Se quisermos normalizar a presença de nosso maior contingente demográfico na vida pública, é preciso fazer mais e melhor”, defende a analista.
Ela observa, no entanto, que as ações afirmativas têm um limite, apesar de serem importantes para a absorção dos melhores quadros de mulheres e pessoas negras na burocracia. “As ações afirmativas passam ao largo da evasão escolar, democratização do cuidado, da discriminação, do assassinato em massa de jovens negros. Não alteram os condicionantes. Problemas sociais que, enfim, dificultam que mulheres e pessoas negras possam participar de processos seletivos públicos em sua plenitude. É uma ótima solução temporária. Mas precisamos de mais”, afirma Clara.
Setor privado
Enquanto as mulheres predominam no setor público, os homens são maioria no setor privado, representando 60% do total de vínculos formais, segundo o Ilostat, da Organização Internacional do Trabalho, de 2020. A desigualdade salarial também está presente, mas num percentual um pouco menor: a diferença salarial entre homens e mulheres é 0,77 no setor privado e 0,72 no setor público, de acordo com dados do Worldwide Bureaucracy Indicators (WWBI), de 2017. Ou seja, o salário médio de mulheres no setor privado equivale a 77% do salário médio de homens. No setor público, corresponde a 72%.