Encontro de especialistas, jornalistas e servidores públicos em Paraty recebe convidados como o economista Armínio Fraga, o neurocientista Sidarta Ribeiro e a pesquisadora Bianca Tavolari
Por Carla Nascimento
Última atualização: 22h27
O terceiro e último dia da Casa República.org na Feira Literária Internacional de Paraty (Flip) teve início com um debate sobre a liberdade de expressão e a censura na Cultura. Mediada pela pesquisadora Bianca Tavolari e o professor da UFRJ, Paulo Roberto Pires, a mesa contou com a participação da gestora cultural e coordenadora da 342 Artes, Mari Stockler, e do professor de direito da USP, Pierpaolo Bottini.
A censura na atualidade
Bottini ressaltou que o direito e a arte frequentemente entram em conflito devido às suas naturezas. “O direito não gosta da transgressão, é reacionário, já a arte é transgressora, a arte tem que transgredir”, disse. “O direito busca a ordem, por mais injusta que ela seja, e a arte busca transgredir. Então, a arte trata o direito sempre com ironia, e o direito trata a arte com repressão.”
O professor também abordou a importância de realizar um debate aprofundado sobre os limites da liberdade de expressão em contraste com a censura: “não podemos deixar que a pretensa liberdade de expressão seja usada para propagar discursos racistas, antissemitas etc. Porque, se não estabelecermos critérios, a insegurança jurídica vai predominar. Precisamos fazer esse debate de maneira profunda”, acrescentou.
Stockler, integrante da rede Mobile (Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Expressão Artística), coalizão de entidades dedicadas à defesa e promoção da liberdade artística e cultural no Brasil, destacou que “hoje em dia, a censura é muito mais sofisticada, é muito diferente da época da ditadura”. “Ela pode estar dentro de editais públicos e até em instituições privadas, mas também no judiciário. São novas maneiras de censura”, afirmou.
Reflexões sobre o Brasil
A segunda mesa da Casa República.org trouxe um debate sobre o desafio do Brasil em impulsionar o desenvolvimento econômico enquanto enfrenta questões de desigualdade e a urgência climática.
Diante de uma plateia atenta e lotada, o economista e ex-presidente do Banco Central (BC), Armínio Fraga, juntamente com o cientista político e professor Celso Rocha de Barros, compartilharam suas perspectivas sobre o panorama brasileiro.
Ao iniciar a conversa, Barros expressou a sua impressão sobre o Brasil, comentando que “não aprendemos com nossos erros”.
Por sua vez, o ex-presidente do Banco Central defendeu a necessidade de uma “boa reforma do Estado”. Ele enfatizou: “esse tema, em geral, é mal entendido. Acho que é preciso que se entenda que a ideia não é criar um modelo de empresa eficiente para o Estado. O que se quer é um modelo em que o Estado tenha avaliação, não um modelo de meritocracia, que sabemos que não é um jeito bom de desenhar o Estado”.
Fraga considerou essa “rejeição” ao tema como uma miopia. “Não há como o país se desenvolver se continuar sofrendo colapsos a cada dez anos”, enfatizou o economista, defendendo maior investimento por parte do Estado brasileiro para acelerar o progresso do país.
Descomplicando a Reforma Tributária
Mesmo com a chuva, o público não deixou de acompanhar a conversa entre o pesquisador da UnB e FGV, Manoel Pires, e o advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara, com mediação da economista Ana Landim.
Landim começou desafiando a dupla: explicar a Reforma Tributária de forma simples. Bichara iniciou destacando que a Reforma Tributária, focada no consumo, é crucial para o país, mas sublinhou a necessidade de um debate futuro sobre uma reforma voltada para a renda. “Ela já deveria ter acontecido”, reforçou.
Pires acrescentou que vê a Reforma Tributária de forma positiva, porém fez um alerta: “Ela [a reforma] será implementada ao longo de dez anos, então é preciso ter convicção política para que o retorno positivo chegue”, explicou.
Psicodélicos
Na última mesa da Casa República.org na Flip, um debate singular uniu cultura, cinema e psicodelia. A conversa entre o neurocientista da UFRN, Sidarta Ribeiro, o escritor Antonio Prata e o jornalista e escritor Michel Laub, mediada pelo também jornalista Ruan de Sousa Gabriel, atraiu uma plateia de quase 300 pessoas.
O ponto de partida foi a experiência proporcionada pelo filme Neuros, recentemente produzido pela Matizar Filmes e dirigido por Guilherme Coelho, fundador da República.org.
Neuros narra a história da neurocientista Adyr, que confronta pressões políticas e da indústria farmacêutica devido às descobertas de sua pesquisa sobre a ayahuasca no tratamento do alcoolismo.
Ribeiro, consultor de roteiro, contou sobre a produção do longa-metragem, ainda sem data de lançamento definida. “Fui consultor, mas acabei sendo convidado também para participar como ator do filme. Por fim, foi uma experiência muito louca, muito linda”, disse o cientista, cujas pesquisas se concentram nos efeitos terapêuticos dos psicodélicos na saúde mental.
“Existe uma tentativa do mercado capitalista de monetizar os psicodélicos, e essa tentativa tem a ingenuidade de pensar que a cura é simplesmente o remédio”, Ribeiro prosseguiu. “Na nossa sociedade, o sofrimento tem que ser evitado a todo custo, e isso colide diretamente com a terapêutica originária, indígena, que faz uso de ayahuasca, por exemplo.”
Contribuiu Pamela Leme.
Saiba como foi a abertura da Casa República.org na Flip na quinta-feira (23) e leia também a cobertura do segundo dia de evento, na sexta-feira (24).