“Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática do Rio de Janeiro (PDS)” é um dos finalistas da 6ª edição do Prêmio Espírito Público na categoria Gestão e Planejamento
Por Carina Bacelar — Especial para República.org
Com tragédias climáticas impactando grandes centros urbanos do Brasil e do mundo, a sociedade civil vem questionado o quanto o desenvolvimento sustentável e a resposta à crise climática têm pautado a gestão das cidades brasileiras. Ao menos na perspectiva do planejamento, a cidade do Rio de Janeiro foi pioneira no país. O “Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática do Rio de Janeiro (PDS)”, lançado em 2021, foi criado a partir do trabalho de 300 técnicos da gestão municipal, em colaboração com a população, com centros de excelência em pesquisa e com o terceiro setor.
Resultado de um trabalho de cinco anos, as 537 páginas do plano estruturam uma agenda de planejamento para a cidade, a partir dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e do Acordo de Paris. Uma de suas principais singularidades é integrar diferentes áreas da administração municipal no cumprimento de 134 metas, por meio de 900 ações, a maioria com prazo para até 2030.
A iniciativa é finalista da 6ª edição do Prêmio Espírito Público na categoria Gestão e Planejamento, que tem apoio da Fundação Tide Setubal. “Prontuário Carioca da Saúde Mental” e “Central de Compras do Estado de Santa Catarina” concorrem na mesma categoria. A premiação é realizada pela parceria Vamos.
Plano virou referência por integrar políticas públicas de maneira transversal
Segundo Daniel Gleidson de Araujo, coordenador-geral do Escritório de Planejamento da Secretaria de Fazenda e Planejamento do Rio, e coordenador do processo de elaboração do planejamento, o PDS se tornou referência no Brasil por trabalhar políticas públicas em caráter transversal, integrando áreas. E também pela posição de centralidade que a agenda climática e os ODS ocupam no documento.
“Hoje ele é um case”, afirma. “Mas, na hora de montar o planejamento, a gente olhou para Londres, para Nova Iorque, para Melbourne, cidades que de fato estavam olhando muito para o longo prazo e estabelecendo suas metas, suas ações. Cidades de países que têm um processo de planejamento de longo prazo. E isso no Brasil ainda é paradigmático. A gente tem que mudar o paradigma para que a gente tenha planos de longo prazo”, defende Daniel.
A estrutura do PDS se baseia em cinco temas transversais, eixos definidores das políticas municipais de curto, médio e longo prazos. Cada um desses temas engloba de três a seis grupos de aspirações, totalizando 23 grandes segmentos. O plano traz projeções e cenários para um Rio sustentável em 2050, e a intenção é que ele oriente as políticas públicas em diferentes mandatos.
“Nas cidades em desenvolvimento, a cultura de planejamento ainda não é muito forte. A experiência brasileira é algo que ainda precisa de muitas sementinhas para que floresça, permaneça. Muitas pessoas ainda têm uma visão muito imediatista. Pouquíssimas cidades, por exemplo, têm metas de 10 anos. Mas, se for para outras cidades do mundo, elas estão olhando para daqui a 30 anos. Precisamos de metas de longo prazo para vermos onde a gente quer chegar”, ressalta o coordenador.
A estrutura do plano lembra uma boneca-russa, com uma estrutura englobando várias outras. As visões para 2050 estão distribuídas em cinco grandes temas transversais: “Cooperação e Paz”, “Igualdade e Equidade”, “Longevidade e Bem-estar”, “Mudanças Climáticas” e “Resiliência e Governança”.
No tema “Cooperação e Paz”, por exemplo, há três aspirações, sendo uma delas “Participação Social na Agenda Pública e Pertencimento”. Cada aspiração é dividida em várias estratégias. Dentro de cada estratégia, há metas, com indicadores, ações e marcos temporais para acompanhar o desenrolar dos resultados.
Proposta vê gestão municipal pautada pela cooperação intersetorial
É frequente que uma meta, por exemplo, tenha previstas ações de várias áreas da administração pública. A própria divisão em temas transversais é inovadora e deixa de separar aspirações, metas e ações por secretarias ou órgãos, como aparece, por exemplo, nos planos de governo. Esse trabalho de cooperação transversal, na avaliação de Daniel, ainda é um aprendizado para a gestão municipal.
“A gente estimula muito essa integração entre as áreas, entendendo o planejamento como meio. O desafio é que haja transversalidade. A gente não tem dentro do plano áreas como Saúde, Educação, Transportes. Temos áreas transversais, que congregam diferentes setores. Outra mudança de paradigma é fazer com que a gente saia desses silos inerentes às administrações públicas e privadas, que é o de departamentos não se falarem”, observa.
Algumas das metas estabelecidas pelo “Plano de Desenvolvimento Sustentável”:
— 20% da frota de transporte público por ônibus feita por veículos não emissores em 2030 (ambição de 100% em 2050);
— 100% da iluminação pública em LED até 2030;
— 20% de redução das emissões de gases de efeito estufa até 2030 (aspiração de 100% até 2050);
— Reduzir em 50% o déficit e a inadequação habitacional na cidade até 2030;
— Reduzir a situação de vulnerabilidade de 100% das famílias mapeadas pelo “Programa Territórios Sociais” até 2030;
— Reduzir em 1/3 as taxas de homicídios de jovens, de negros e de mulheres até 2030.
Na esfera técnica, o plano foi subsidiado por diagnósticos – muitos deles constam no documento final do PDS. “A gente organizou workshops com especialistas externos, academia, ONGs, grupos de pesquisa específicos, coletivos, outros grupos de especialistas. Até o Poder Judiciário e o Ministério Público participaram”, conta Daniel. Entre as instituições de referência consultadas estão a C-40, a ONU Habitat, o UNICEF, a República.org e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A participação da população em diversas frentes também cumpriu um papel importante na construção do planejamento. Mais de 35 mil pessoas contribuíram diretamente por meio da plataforma Participa.rio (em que cariocas poderiam deixar sugestões online) e em diversas atividades presenciais.
Lançada em 2018, a plataforma recebeu 2.500 contribuições para o PDS nas quatro etapas abertas ao público. Hoje, ela segue no ar e recebe contribuições para outros planos e iniciativas municipais. Segundo Daniel, o canal foi importante, principalmente durante a pandemia, mas precisou ser conjugado a articulações presenciais.
“É fundamental ter estratégias distintas de participação. A vertente online era muito importante, mas também entendemos que o Rio é muito diverso e que é preciso ir aos territórios ouvir as pessoas”, aponta. Uma das estratégias foi acessar as comunidades a partir da articulação com as mais de 1.500 escolas da rede municipal e os conselhos comunitários.
É justamente das escolas que veio uma frente importante de participação: a das crianças. A iniciativa, chamada de “Mapeamento Afetivo da Cidade”, coletou e analisou mais de 30 mil desenhos e textos de crianças da rede. Os desenhos foram tabulados e analisados em parceria com especialistas da UFRJ. “Uma das coisas que as crianças mais falavam sobre o trajeto delas casa-escola era sobre animais de rua. E, graças a essa visão das crianças, a gente criou uma área dentro do plano para a proteção desses animais”, lembra Daniel.