Mais de 90% da população brasileira é contra o pagamento de supersalários no serviço público, aponta pesquisa do Movimento Pessoas à Frente. Ainda assim, práticas que burlam o teto constitucional continuam custando caro ao país.
Segundo o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público, do instituto República.org, metade dos servidores públicos brasileiros recebe até R$ 3.391 por mês. No outro extremo, um grupo que representa menos de 1% da força de trabalho concentra rendimentos acima do teto, muitas vezes impulsionados por verbas classificadas como indenizatórias, sem transparência ou justificativa técnica.
Esses excessos corroem a credibilidade do Estado e comprometem o princípio da equidade na gestão pública. Por isso, a República.org se une a outras nove organizações da sociedade civil em um manifesto pelo fim dos supersalários e por uma política remuneratória mais justa e transparente.
Leia o manifesto na íntegra a seguir.
MANIFESTO PELO FIM DOS SUPERSALÁRIOS
As organizações signatárias deste manifesto vêm a público posicionar-se em defesa do fim dos supersalários no serviço público brasileiro e pela construção de uma política remuneratória justa, alinhada aos princípios constitucionais da moralidade, da legalidade e da eficiência na administração pública.
Nesse sentido, expressamos nossa posição contrária à aprovação do Projeto de Lei n.º 2.721/2021, conhecido como PL dos Supersalários. A proposta tende não só a perpetuar, mas também ampliar privilégios e desigualdades, comprometendo assim a boa gestão dos recursos públicos.
A população brasileira (93%) é contra¹ a possibilidade de que servidores recebam acima do teto constitucional, atualmente de R$ 46.366,19. Este é o caso de nove em cada dez magistrados e membros do Ministério Público (MP), uma pequena parcela de 0,3%² do total dos servidores públicos no país. Porém, essas despesas extrateto custaram pelo menos R$ 11,1 bilhões para os cofres públicos em 2023³, livres de incidência de Imposto de Renda.
Com esse valor, é viável construir, a título de comparação, 4.582 Unidades Básicas de Saúde⁴, beneficiar por um ano inteiro 1,36 milhão de famílias no Programa Bolsa Família⁵ e 3,9 milhões de alunos do ensino médio em 2025 no Programa Pé-de-meia, que possui um orçamento próximo ao valor gasto com os adicionais de R$ 13 bilhões⁶. Seria possível, portanto, fortalecer a infraestrutura de atendimento à população em diversos setores e contribuir para a qualificação da força de trabalho e, consequentemente, para o aumento da competitividade brasileira e fortalecimento da economia.
O Projeto de Lei 2.721/2021, aprovado pela Câmara dos Deputados, descaracteriza a proposta original do Senado e, em vez de combater os supersalários, legitima a desigualdade dentro do serviço público e piora o atual cenário. Se aprovado, gerará ainda um impacto adicional estimado em pelo menos R$ 3,4 bilhões em 2025 nas contas públicas, considerando apenas 4 das 32 exceções ao teto previstas pelo Projeto⁷. Além disso, das 32 exceções ao teto constitucional, 14 estão classificadas incorretamente como indenizatórias⁸.
Um em cada quatro brasileiros acredita que todos ou a maioria dos funcionários públicos recebem supersalários⁹. No entanto, essa percepção não reflete a realidade: metade dos servidores públicos recebe salários de até R$ 3.300,00¹⁰, demonstrando que a remuneração da maioria está longe dos valores mais altos frequentemente associados ao setor público.
É fundamental a valorização dos servidores, e isso passa por uma política remuneratória que contemple salários justos, compatíveis com suas responsabilidades e com os resultados entregues à sociedade. Afinal, são esses profissionais o principal ativo para garantir serviços e políticas públicas de qualidade, contribuindo para o fortalecimento do Estado.
Para encarar as desigualdades no funcionalismo público e construir uma solução efetiva aos supersalários, é preciso construir uma alternativa que impeça que os chamados penduricalhos se legitimem.
Por isso, defendemos:
1. Um projeto de lei que classifique, de maneira adequada, verbas remuneratórias, indenizatórias e outras vantagens eventualmente recebidas;
2. Para as verbas indenizatórias, cujo ordenamento jurídico permite que ultrapassem o teto, é essencial que a classificação atenda a três critérios básicos:
(i) devem ter natureza reparatória, ressarcindo o servidor de despesas incorridas no exercício da função pública;
(ii) devem ter caráter eventual e transitório, não sendo incorporadas em bases mensais, devendo possuir um horizonte temporal limitado, e requerendo uma análise caso a caso;
(iii) devem ser expressamente criadas em lei, não podendo ser instituídas por ato administrativo.
3. Aplicação correta das hipóteses de incidência de imposto de renda de pessoa física, reduzindo a elisão fiscal e aumentando a arrecadação federal;
4. O estabelecimento de mecanismos robustos de governança e transparência, ativa e passiva, sobre a remuneração no serviço público¹¹;
5. A imposição legislativa à criação e gestão de qualquer adicional ao salário, seja remuneratório ou indenizatório, a partir do estabelecimento por lei ordinária aprovada no Congresso Nacional;
6. A extinção das verbas indevidamente classificadas como indenizatórias e sua automática transformação em remuneratórias;
7. A vedação da vinculação remuneratória automática entre subsídios de agentes públicos, congelando o atual efeito cascata;
8. O enquadramento da autorização de pagamento de verbas remuneratórias acima do teto, sem amparo legislativo expresso, como improbidade administrativa;
9. A criação de um mecanismo de barreira, com critérios razoáveis e transparentes, para o pagamento de verbas retroativas, incluindo um limite temporal, para não permitir pagamentos retroativos a longos períodos.
Organizações signatárias do manifesto:
República.org
Movimento Pessoas à Frente
Fundação Tide Setubal
Transparência Brasil
Plataforma Justa
Instituto Democracia e Sustentabilidade
Movimento Brasil Competitivo
Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades
Associação Livres
Centro de Liderança Pública
Fontes e notas
² No agregado em 2023, conforme nota técnica Além do teto: análises e contribuições para o fim dos supersalários (2024). Disponível em: https://movimentopessoasafrente.org.br/materiais/alem-do-teto. Outras pesquisas também reforçam esses achados, como o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público (2024), da República.org, e o relatório Tribunais estaduais pagaram ao menos R$ 4,5 acima do teto constitucional em 2023. O dado do total de servidores é da PNADc 2023.
³ Idem.
⁴ Média a partir da Portaria GM/MS nº. 3.689, de 2 de maio de 2024, que destinou recursos para a construção de 293 UBS em municípios.
⁷ São elas: o pagamento em dobro do adicional de 1⁄3 de férias; gratificação por exercício cumulativo de ofícios, auxílio-alimentação e auxílio-saúde na forma de ressarcimento de despesas com plano de saúde. Conforme nota técnica Além do teto: Análises e contribuições para o fim dos supersalários (2024). Disponível em: https://movimentopessoasafrente.org.br/materiais/alem-do-teto.
⁸ https://movimentopessoasafrente.org.br/materiais/supersalarios-e-o-teto-constitucional
⁹ Conforme a pesquisa Opinião dos brasileiros sobre funcionalismo público e lideranças (2023). Disponível em: https://movimentopessoasafrente.org.br/materiais/opiniao-dos-brasileiros-sobre-funcionalismo-publico -e-liderancas.
¹⁰ Segundo a República.org, com dados da RAIS 2022. Disponível em: https://republica.org/2023/09/06/metade-dos-servidores-publicos-recebe-salario-menor-ou-igual-a-33 91-no-brasil.
¹¹ É importante ressaltar que 38% das rubricas da base do CNJ e CNMP sobre remunerações de magistrados e procuradores não são identificáveis por conta da falta de padronização, segundo o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público (2024), da República.org.