Manifesto pelo fim dos supersalários no serviço público

Publicado em: 9 de abril de 2025

Mais de 90% da população brasileira é contra o pagamento de supersalários no serviço público, aponta pesquisa do Movimento Pessoas à Frente. Ainda assim, práticas que burlam o teto constitucional continuam custando caro ao país.

Segundo o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público, do instituto República.org, metade dos servidores públicos brasileiros recebe até R$ 3.391 por mês. No outro extremo, um grupo que representa menos de 1% da força de trabalho concentra rendimentos acima do teto, muitas vezes impulsionados por verbas classificadas como indenizatórias, sem transparência ou justificativa técnica.

Esses excessos corroem a credibilidade do Estado e comprometem o princípio da equidade na gestão pública. Por isso, a República.org se une a outras nove organizações da sociedade civil em um manifesto pelo fim dos supersalários e por uma política remuneratória mais justa e transparente.

Leia o manifesto na íntegra a seguir.

MANIFESTO PELO FIM DOS SUPERSALÁRIOS

As organizações signatárias deste manifesto vêm a público posicionar-se em defesa do fim dos supersalários no serviço público brasileiro e pela construção de uma política remuneratória justa, alinhada aos princípios constitucionais da moralidade, da legalidade e da eficiência na administração pública.

Nesse sentido, expressamos nossa posição contrária à aprovação do Projeto de Lei n.º 2.721/2021, conhecido como PL dos Supersalários. A proposta tende não só a perpetuar, mas também ampliar privilégios e desigualdades, comprometendo assim a boa gestão dos recursos públicos.

A população brasileira (93%) é contra¹ a possibilidade de que servidores recebam acima do teto constitucional, atualmente de R$ 46.366,19. Este é o caso de nove em cada dez magistrados e membros do Ministério Público (MP), uma pequena parcela de 0,3%² do total dos servidores públicos no país. Porém, essas despesas extrateto custaram pelo menos R$ 11,1 bilhões para os cofres públicos em 2023³, livres de incidência de Imposto de Renda.

Com esse valor, é viável construir, a título de comparação, 4.582 Unidades Básicas de Saúde, beneficiar por um ano inteiro 1,36 milhão de famílias no Programa Bolsa Família e 3,9 milhões de alunos do ensino médio em 2025 no Programa Pé-de-meia, que possui um orçamento próximo ao valor gasto com os adicionais de R$ 13 bilhões. Seria possível, portanto, fortalecer a infraestrutura de atendimento à população em diversos setores e contribuir para a qualificação da força de trabalho e, consequentemente, para o aumento da competitividade brasileira e fortalecimento da economia.

O Projeto de Lei 2.721/2021, aprovado pela Câmara dos Deputados, descaracteriza a proposta original do Senado e, em vez de combater os supersalários, legitima a desigualdade dentro do serviço público e piora o atual cenário. Se aprovado, gerará ainda um impacto adicional estimado em pelo menos R$ 3,4 bilhões em 2025 nas contas públicas, considerando apenas 4 das 32 exceções ao teto previstas pelo Projeto. Além disso, das 32 exceções ao teto constitucional, 14 estão classificadas incorretamente como indenizatórias.

Um em cada quatro brasileiros acredita que todos ou a maioria dos funcionários públicos recebem supersalários. No entanto, essa percepção não reflete a realidade: metade dos servidores públicos recebe salários de até R$ 3.300,00¹⁰, demonstrando que a remuneração da maioria está longe dos valores mais altos frequentemente associados ao setor público.

É fundamental a valorização dos servidores, e isso passa por uma política remuneratória que contemple salários justos, compatíveis com suas responsabilidades e com os resultados entregues à sociedade. Afinal, são esses profissionais o principal ativo para garantir serviços e políticas públicas de qualidade, contribuindo para o fortalecimento do Estado.

Para encarar as desigualdades no funcionalismo público e construir uma solução efetiva aos supersalários, é preciso construir uma alternativa que impeça que os chamados penduricalhos se legitimem.

Por isso, defendemos:

1. Um projeto de lei que classifique, de maneira adequada, verbas remuneratórias, indenizatórias e outras vantagens eventualmente recebidas;

2. Para as verbas indenizatórias, cujo ordenamento jurídico permite que ultrapassem o teto, é essencial que a classificação atenda a três critérios básicos:

(i) devem ter natureza reparatória, ressarcindo o servidor de despesas incorridas no exercício da função pública;
(ii) devem ter caráter eventual e transitório, não sendo incorporadas em bases mensais, devendo possuir um horizonte temporal limitado, e requerendo uma análise caso a caso;
(iii) devem ser expressamente criadas em lei, não podendo ser instituídas por ato administrativo.

3. Aplicação correta das hipóteses de incidência de imposto de renda de pessoa física, reduzindo a elisão fiscal e aumentando a arrecadação federal;

4. O estabelecimento de mecanismos robustos de governança e transparência, ativa e passiva, sobre a remuneração no serviço público¹¹;

5. A imposição legislativa à criação e gestão de qualquer adicional ao salário, seja remuneratório ou indenizatório, a partir do estabelecimento por lei ordinária aprovada no Congresso Nacional;

6. A extinção das verbas indevidamente classificadas como indenizatórias e sua automática transformação em remuneratórias;

7. A vedação da vinculação remuneratória automática entre subsídios de agentes públicos, congelando o atual efeito cascata;

8. O enquadramento da autorização de pagamento de verbas remuneratórias acima do teto, sem amparo legislativo expresso, como improbidade administrativa;

9. A criação de um mecanismo de barreira, com critérios razoáveis e transparentes, para o pagamento de verbas retroativas, incluindo um limite temporal, para não permitir pagamentos retroativos a longos períodos.

Organizações signatárias do manifesto:

República.org
Movimento Pessoas à Frente
Fundação Tide Setubal
Transparência Brasil
Plataforma Justa
Instituto Democracia e Sustentabilidade
Movimento Brasil Competitivo
Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades
Associação Livres
Centro de Liderança Pública

Fontes e notas

¹ https://movimentopessoasafrente.org.br/pesquisa-mostra-que-93-dos-brasileiros-sao-contra-supers
alarios-ex-servidores

² No agregado em 2023, conforme nota técnica Além do teto: análises e contribuições para o fim dos supersalários (2024). Disponível em: https://movimentopessoasafrente.org.br/materiais/alem-do-teto. Outras pesquisas também reforçam esses achados, como o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público (2024), da República.org, e o relatório Tribunais estaduais pagaram ao menos R$ 4,5 acima do teto constitucional em 2023. O dado do total de servidores é da PNADc 2023.

³ Idem.

⁴ Média a partir da Portaria GM/MS nº. 3.689, de 2 de maio de 2024, que destinou recursos para a construção de 293 UBS em municípios.

https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202412/bolsa-familia-chega-a-20-81-milhoes-de-lares-a-partir-desta-terca-feira-10-12

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/02/14/pe-de-meia-decisao-do-tcu-pode-ajudar-a-destravar-votacao-do-orcamento

⁷ São elas: o pagamento em dobro do adicional de 1⁄3 de férias; gratificação por exercício cumulativo de ofícios, auxílio-alimentação e auxílio-saúde na forma de ressarcimento de despesas com plano de saúde. Conforme nota técnica Além do teto: Análises e contribuições para o fim dos supersalários (2024). Disponível em: https://movimentopessoasafrente.org.br/materiais/alem-do-teto.

https://movimentopessoasafrente.org.br/materiais/supersalarios-e-o-teto-constitucional

⁹ Conforme a pesquisa Opinião dos brasileiros sobre funcionalismo público e lideranças (2023). Disponível em: https://movimentopessoasafrente.org.br/materiais/opiniao-dos-brasileiros-sobre-funcionalismo-publico -e-liderancas.

¹⁰ Segundo a República.org, com dados da RAIS 2022. Disponível em: https://republica.org/2023/09/06/metade-dos-servidores-publicos-recebe-salario-menor-ou-igual-a-33 91-no-brasil.

¹¹ É importante ressaltar que 38% das rubricas da base do CNJ e CNMP sobre remunerações de magistrados e procuradores não são identificáveis por conta da falta de padronização, segundo o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público (2024), da República.org.

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