Se, de um lado, as tecnologias podem ser aliadas, do outro demandam novas habilidades dos servidores públicos
Índice
O futuro do servidor público ou o servidor público do futuro?
A tecnologia tem avançado a passos largos nos últimos anos, revolucionando diversos setores da sociedade, e o funcionalismo público não é exceção. Com novas soluções cada vez mais eficientes e automatizadas, muitas pessoas se perguntam se o trabalho no funcionalismo público será substituído.
Sistemas de informação, softwares de gestão e aplicativos móveis que provocaram uma intensa transformação digital na gestão pública estão agregando funcionalidades e recursos baseados em Inteligência Artificial e automações poderosas para melhorar o atendimento ao cidadão e agilizar demandas internas.
Para o fundador da govtech Aprova – startup especialista em soluções para gestão pública – Marco Antonio Zanatta, à medida que mais usuários experimentam e compreendem essas tecnologias, aumenta a oportunidade para o setor público usar ferramentas para beneficiar seus cidadãos.
“A tecnologia está mudando a forma como trabalhamos e é emocionante ver aonde isso nos levará”, ressalta Marco.
Uma das ferramentas disponíveis hoje é o ChatGPT (Generative Pre-trained Transformer), uma aplicação específica da IA (Inteligência Artificial) que utiliza técnicas de NLP (sigla em inglês para Processamento Natural de Linguagem).
Na prática, o assistente de IA estuda tudo o que alguém escreve e responde a qualquer solicitação por escrito. É essencialmente uma versão mais produtiva do Google e pode fazer de tudo, desde escrever um poema ou carta até codificação básica e algoritmos.
Existem muitas oportunidades para otimizar informações e fluxos de trabalho para um sistema artificialmente inteligente. Alguns exemplos que os líderes municipais podem usar para tornar a rotina de trabalho mais eficiente:
- Treinar um modelo de geração de linguagem, como ChatGPT, combinado com um chatbot integrado no site da prefeitura, é possível responder automaticamente a perguntas comuns repetitivas.
- Gerar relatórios e outros documentos escritos. Por exemplo, uma secretaria municipal pode usar o ChatGPT para gerar atas automáticas, com citações, links para tópicos e documentos citados durante a reunião. Isso pode economizar tempo da equipe e garantir que as informações sejam apresentadas de forma consistente e precisa.
- Automatizar mensagens que podem ser facilmente programadas e escritas com IA, incluindo comunicados de imprensa básicos, e-mails e outros itens promocionais sobre eventos e reuniões, mantendo a população atualizada sobre questões e tópicos atuais quase em tempo real, em vez de depender da equipe para redigir e distribuir informação. Também é possível atualizar automaticamente as contas de mídia social, proporcionando mais transparência e responsabilidade.
- Criar relatórios com informações precisas e atualizadas aos funcionários para melhorar a eficiência e a eficácia das operações de RH. Ao analisar dados sobre produtividade, atendimento e feedback dos funcionários, a IA pode ajudar os gerentes de RH a identificar padrões e tendências que podem informar a tomada de decisões e melhorar o desempenho.
- Garantir a conformidade com as leis e regulamentos de compras pelos responsáveis pelo setor de compras do governo. Ao automatizar tarefas como rastrear contratos e garantir a conformidade com as regras, a IA pode ajudar a reduzir o risco de não-conformidade e proteger a organização de questões legais.
A IA e outras ferramentas poderosas como automações e internet das coisas (iOT) ajudam a melhorar o atendimento ao cidadão, resolver problemas e engajar os cidadãos.
“A tecnologia possibilita aos servidores se concentrarem em tarefas que exigem habilidades humanas únicas, como tomada de decisão, comunicação interpessoal e resolução de problemas complexos”, afirma Marco.
Assim, as atividades repetitivas, que hoje dominam a pauta do servidor – como preenchimento de formulários, processamento de documentos e atualização de registros – são realizadas por um sistema capaz de realizar tarefas operacionais de forma mais eficiente e precisa, menos suscetível a erros e corrupção.
O futuro do servidor público ou o servidor público do futuro?
A coordenadora-geral de Serviços de Transformação Governamental da Diretoria de Inovação da Enap, Adriana Phillips Ligiero, não acredita que haverá substituição da mão-de-obra. Mas considera fundamental que os servidores públicos se adaptem às novas tecnologias e aprendam a utilizá-las de maneira estratégica.
“O conjunto de competências necessárias é muito maior do que apenas saber usar as tecnologias. Porém, estar capacitado sobre as possibilidades de aplicação é indispensável para que ele possa pensar em estratégias para resolver os problemas dos cidadãos”, explica.
Nesse contexto, Adriana considera necessário um grau mínimo de alfabetização digital e entendimento básico sobre padrões e lógica de programação. Além de estarem predispostos a se adaptar às mudanças, desenvolvendo novas habilidades e competências que os tornem relevantes em um mundo cada vez mais digital.
E já que a transformação digital é uma realidade, todos os profissionais, bem como o próprio Estado, precisam acompanhar essa revolução. “Não é uma responsabilidade apenas do servidor, mas um papel crucial dos órgãos governamentais promover essa capacitação”, comenta a diretora.
Segundo ela, é imprescindível rever os processos atuais e pensar em arranjos para ajudar, principalmente, os municípios nessa transformação, que funcionam como o primeiro ponto de conexão com os cidadãos. E proporcionar aos servidores a percepção de que não devem temer a chegada das tecnologias, mas que podem usufruir de todos os benefícios que surgem com elas.
Para além das capacidades técnicas, as competências humanas continuam essenciais. A coordenadora da Enap destaca que nos próximos anos, o servidor público deverá atuar mais como solucionador de problemas, em atividades político-estratégicas – onde há um componente de cultura, de contato, de relações pessoais – que não podem ser feitas por máquinas.
“É necessário que o servidor desenvolva um olhar transversal e entenda os problemas em diferentes perspectivas, especialmente pelo viés do cidadão. Os conhecimentos técnicos continuam sendo relevantes, mas as competências socioemocionais e humanas passam a ser centrais”, reforça.
Apenas 20% são habilidades técnicas para atuar com as ferramentas tecnológicas. Os 80% das competências são dedicadas à liderança de projetos, ao relacionamento com a rede de parceiros e à atuação, com sensibilidade, para entender a realidade das pessoas que buscam e dependem dos serviços públicos.
“As tecnologias não irão acabar com o funcionalismo público. Os trabalhos manuais e repetitivos, a análises de dados e outras atividades podem deixar de ser feitas pelos servidores, mas o contato humano nunca será completamente substituído”, finaliza Adriana.
Fontes
Marco Antonio Zanatta
Arquiteto, fundador e CEO da Aprova Digital, uma suíte de soluções para órgãos públicos. Lidera uma equipe com mais de 80 colaboradores que ampliou a eficiência governamental e já ancorou a economia de R$ 50 milhões dos cofres públicos em 70 cidades brasileiras. UX, especialista em Processos Industriais e Regulamentos, gerencia Estratégia, Vendas e Relações com Investidores. Atualmente é presidente do Comitê de Desburocratização do Sinduscon Paraná-Oeste e atuou como arquiteto Sênior na Aba Arquitetura e Construções por quase cinco anos. Possui MBA em Construções Sustentáveis, Ciência e Tecnologia da Arquitetura na Universidade Cidade de São Paulo, foi aluno no programa de extensão em Arquitetura da Temple University na Filadélfia e graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade Assis Gurgacz, em Cascavel (PR).
Adriana Phillips Ligiero
Servidora da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental desde 2004, atua liderando a equipe da GNova Transforma, na Diretoria de Inovação da Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Formada em Administração de Empresas, começou sua trajetória profissional no setor privado, e desde que ingressou no serviço público trabalhou com temas ambientais, políticas públicas de emprego, gestão de convênios, desburocratização de serviços públicos, elaboração normativa, serviços públicos digitais e inovação. Atua como facilitadora de processos de construção colaborativa de soluções para problemas e desafios públicos desde 2013.
A nota é de responsabilidade dos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais eles estão vinculados.