Por Isabela Gomes Gebrim, Andréa Heloisa da Silva Soares e Virgínia Bracarense Lopes

Índice
Um passo atrás para avançar
Transparência, diálogo e confiança

Realidade: um belo dia, tomamos posse para ocupar um cargo público, entramos em exercício e vem uma pessoa do Recursos Humanos (sim, ainda na velha lógica do RH) do órgão e diz que o nosso local de lotação é na área de compras e te deseja boa sorte. Se pudessem fotografar este momento, temos certeza de que as caras seriam de assustadas ou de desespero, porque tudo o que ouvimos falar desse mundo, em algum momento, nos remete a medo. Ou, então, já fomos picados, em alguma experiência anterior, pela mosquinha azul do mundo de compras e decidimos nos aventurar novamente! Ou ainda, aquele indivíduo inocente, com a famosa síndrome do Rambo ou do Buzz Lightyear, que acha que vai salvar a humanidade, no caso o Estado, de todas as mazelas e malfeitores.

Após caminhar pelos corredores e chegar na nova sala, nos deparamos com a realidade paralela (meio Stranger Things) das compras públicas. Sentamos à nossa nova mesa e nos entregam um arcabouço de leis, normas, compêndios, livros (e acreditem que podem ser todos físicos e muitos desatualizados, ainda), processos de contratação já realizados (às vezes digitais) e umas dicas de quem podemos procurar em caso de dúvidas. Afinal, pedir fluxogramas com áreas, atividades e responsáveis é muita ousadia ou inocência (oi? Tenho que ler e saber isso tudo até quando? – gritam as vozes já desesperadas aqui dentro, bem numa cena de Divertidamente, mas só com a Alegria perdida em algum lugar nessa altura do campeonato).

Isso para não falar quando são publicadas inúmeras normas novas que mudam em absoluto processos em andamento, e ninguém sabe o que fazer ou a quem recorrer. E quando temos contratos paralisados, obras abandonadas, funcionários em greve e os gestores e fiscais de contratos sendo taxados de dificultadores da lei ou burocratas em potencial ou mero executores do que já está feito (tipo cara e crachá). Não, não estamos mais no diário do comprador que você leu no artigo anterior, mas é importante mostrar novamente essa realidade. Por anos a área-meio dos órgãos, em que se encontra a nossa menina dos olhos das compras públicas (pelo menos de nós, autoras), foi negligenciada ou então vista como aquela em que é melhor deixar quietinha, porque, se mexer muito, pode piorar ou aparecer o que não querem que seja mostrado. Síndrome de Gabriela clássico (eu nasci assim, eu cresci assim…)

A simples alocação de pessoas na unidade, sem avaliar as competências requeridas para o desempenho das funções, sem verificar se esse ou aquele servidor atende aos requisitos mínimos, sem dedicar tempo à construção de planos de capacitação coerentes com o que é preciso para vencer lacunas de conhecimentos, habilidades e atitudes (sim, hoje há planos preenchidos, mas muitas vezes pro forma e raramente executados), compromete diretamente o êxito das contratações realizadas e demonstra que estamos longe de ter “gestão de pessoas” em sentido efetivo.

A atividade de compradores públicos requer um olhar muito mais dedicado, uma discussão em nível estratégico do que pode ser feito, para que as pessoas que ali trabalham possam desempenhar seus papéis da melhor forma possível. Ora, é dessa área que sairão contratações que impactarão direta ou indiretamente a vida de cada um de nós, dos nossos filhos e das gerações futuras. 

UM PASSO ATRÁS PARA AVANÇAR

Pois bem, por essas e outras questões (e ainda bem que discussões assim foram iniciadas) é que se tem falado tanto em carreira para comprador público (lato sensu), em desenvolvimento de trilhas de aprendizagem para essa área, em processos de capacitação inovadores. É momento de ressignificar. É momento de trazer para o centro do debate como e o que pode ser feito para reter talentos nessa área, como fazer para replicar boas práticas, criar redes, compartilhar conhecimento, promover o crescimento e a melhoria contínuos das contratações.

Mapeamento de processos, gestão do conhecimento, desenvolvimento de habilidades, internalização da cultura organizacional, alinhamento aos objetivos estratégicos do órgão são todas questões imprescindíveis à gestão de pessoas e de compras públicas.

Estamos falando em uso de ferramentas colaborativas, que permitam com que várias unidades, de diversos órgãos e entes, de diferentes localidades do país e do mundo possam trabalhar ao mesmo tempo, aperfeiçoando ideias, refutando outras e chegando ao senso, que muitas vezes não é o comum a todos, mas o melhor à sociedade.

Vamos dar um passo atrás. Como montamos equipes de compras públicas? Que análise é feita sobre o perfil desses servidores? Que “caixinhas” (organogramas são desenhos ainda muito usados na nossa vida de burocratas) eles irão ocupar? Qual parte do todo irão entregar? Qual conhecimento devem ter ou ser oportunizado a aprender durante sua jornada? De tão compartimentados, dificilmente enxergamos que a nossa contribuição em parte da complexa cadeia logística foi relevante à entrega final. É aí que mora o perigo… e também é onde alguns caem lindo (a música cai como uma luva aqui), ao serem indicados a chefes, gestores, líderes das áreas de compras. Se há dificuldade em preparar os técnicos, que dirá quem será responsável por conduzi-los, orientá-los e orquestrar todos esses esforços!

E como esses líderes ou gestores de pessoas podem agir para que a rotina, o apagar incêndio, o esgotamento mental pelos problemas que teimam em aparecer, não façam entrar em um círculo vicioso? Devem se preocupar em garantir que as equipes tenham senso de pertencimento e que os processos não sejam um fim em si mesmo. Tentar (porque, de fato, a realidade não permite, por vezes) com que os servidores atuem de forma colaborativa e matricial, envolvendo quem atuará com gestão e fiscalização dos contratos e quem instruirá o processo de licitação desde o início dos estudos técnicos preliminares, que culminarão com a elaboração de um termo de referência e com a efetivação da contratação. Isso faz com que as equipes enxerguem a importância do papel de cada um na entrega final e como seu trabalho está alinhado aos objetivos estratégicos do órgão. E que a entrega final seja comemorada como uma realização de toda a equipe, e não de uma área somente ou de uma “autoridade”.

O ambiente das compras públicas é revestido de pressão, minuto a minuto, dia após dia. Quando a contratação é finalizada (apesar de somente alguns se preocuparem com o que vem na exaustiva fiscalização das empresas contratadas), poucos se lembram do esforço hercúleo que foi para colocar “de pé” aquele projeto. Todavia, se a contratação teve algum problema, atraso, falência de empresa, qualidade ruim na entrega, foi a área demandante que não soube especificar, ou a área de licitação que não soube escolher corretamente o vencedor, ou a área de fiscalização que foi negligente. Somos lembrados somente quando as coisas não vão bem, infelizmente. Ter patrocínio da alta gestão, transparência e confiança são imprescindíveis para que nos sintamos acolhidos em momentos ruins e difíceis, e motivados a entregar mais ainda, quando tudo vai bem.

TRANSPARÊNCIA, DIÁLOGO E CONFIANÇA

Construir um ambiente onde os erros não sejam escondidos, ao contrário, sejam aceitos e entendidos como parte do processo e corrigidos rapidamente é um dos pilares de algumas metodologias ágeis que ajudam no processo de gestão de pessoas. Realizar reuniões rápidas de acompanhamento de projetos ou durante etapas mais importantes dos processos, ter conversas para alinhamento entre as equipes do que está sendo realizado, dos pontos de atenção, do que é prioritário, ter atuação mais transversal entre as áreas fazem com que haja maior colaboração entre as pessoas, aumentando o nível de motivação e de produtividade da equipe. Oportunizar espaço de fala para o time que atua no processo – tanto para dentro da organização, seus pares e superiores, quanto para fora – é atitude que demonstra confiança de quem está acima e reconhecimento do trabalho desenvolvido.

Saber dar e receber feedbacks é outro ponto importante e difícil de ser realizado (falemos a verdade, quem sabe ou está aberto a receber crítica, mesmo que construtiva?). Não temos essa cultura e nem ferramentas, ou mesmo estratégias no serviço público para fazer rodadas de análise sobre as entregas e as equipes sem o receio de ser taxado de intransigente ou de estar assediando um subordinado. Isso quando a avaliação não impacta no financeiro do servidor, e lá vamos nós para mais um processo pro forma, desacreditado, mas fundamental para a evolução tanto individual quanto institucional. 

Ora, ainda bem que isso tem mudado. Sem feedback não é possível ter melhoria contínua, nem do ponto de vista pessoal, para crescimento profissional, nem do ponto de vista dos processos. É preciso ter análise crítica sobre o que não está tão bom e que pode ser aperfeiçoado, e o que está bom, mas pode ser melhor ainda. De novo, confiança e transparência, meus caros, são as chaves para ter um ambiente propício a isso.

Na era em que estamos, desenvolver equipes que tenham autonomia de tomar decisões, para que a contratação alcance melhores resultados, que vejam propósito no que está sendo feito, que sejam desafiadas a fazer melhor todo dia, que tenham segurança no ambiente e nas pessoas com quem trabalha, que se sintam reconhecidas parece difícil ou distante de nós e da nossa realidade. Contudo, dar um passo em direção a cada uma dessas atitudes já terá feito diferença a curto e médio prazos.

Gerir pessoas é complexo. Gerir pessoas em um ambiente árido e dinâmico como o das compras públicas é complexo. Porém, só podemos ter entregas consistentes, de qualidade, inovadoras e que agreguem valor, de fato, se soubermos aliar pessoas ao propósito maior do motivo pelo qual estamos desempenhando nosso papel como compradores públicos, gestores e líderes. As realidades das duas áreas são convergentes e intrínsecas, e é aqui que reside a beleza do desafio. E agora, com uma nova Lei de Licitações, que traz a governança, especialmente a gestão de competências – um de seus componentes – para o centro da discussão, fica a questão: o que precisa e pode ser feito e o quão mais fácil ou difícil está realizar essa tarefa?!

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculados.

Isabela Gomes Gebrim
Graduada em Administração (UnB), pós-graduada em Gestão Pública (UPIS) e cursando MBA Executivo em Economia e Gestão: Planejamento, Financiamento e Governança Pública (FGV). Ganhadora do prêmio Mérito Acadêmico em Administração (CRA/DF). Premiada no 22° Concurso de Inovação (ENAP). Possui mais de 15 anos de experiência nas áreas de logística, contratações públicas e centralização de compras. Atuou como professora colaboradora na Universidade de Brasília, ministra cursos na ENAP e palestras e eventos de capacitação e possui artigos publicados nos livros Inteligência e Inovação em Contratação Pública e Terceirização na Administração Pública, da Editora Fórum. Foi finalista no prêmio Desafios da ENAP e participou como palestrante na Semana de Inovação (ENAP) em 2020 e 2021.

Andréa Heloisa Da Silva Soares
Especialista em Direito Público (Unipac), bacharel em Direito (UFMG) e em Administração (UFMG), sendo premiada como melhor desempenho da turma pelo CRA/MG. Com 27 anos na área pública; 18 na área administrativa, sendo 6 anos como superintendente de compras, contratos, logística e patrimônio. Atuação também em implementação da LGPD. Atualmente é Gerente Administrativo Financeiro da Conexis Brasil Digital e cursa Formação de Líderes em Cibersegurança (FIA). Palestrante e autora de artigo no livro Terceirização na Administração Pública, da Editora Fórum.

Virgínia Bracarense Lopes
Especialista em Direito Público (PUC-MG), bacharel em Direito (UFMG) e Administração Pública (Fundação João Pinheiro). Cursando o Master em Liderança e Gestão Pública, do CLP (turma 7). Com mais de 15 anos de atuação no setor público, concentra sua experiência em compras públicas, com foco em centralização e inovação, tendo participando de projetos premiados. Foi ganhadora do Prêmio Espírito Público 2019 na categoria Gente, Gestão e Finanças Públicas. Membra da Rede de Líderes MLG. É da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo Federal. Professora na Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, palestrante e autora de artigos nos livros Inteligência e Inovação em Contratação Pública e Terceirização na Administração Pública, da Editora Fórum. Membra efetiva do Instituto Nacional da Contratação Pública (INCP).

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