O que é uma boa gestão pública?

Publicado em: 17 de setembro de 2024

Índice
Como a boa gestão pública deve atuar?
Fatores que influenciam o desempenho da gestão pública
Desafios para uma boa gestão pública 

A gestão pública tem grande importância para a sociedade, uma vez que seus resultados proporcionam qualidade de vida para a população, promovem o desenvolvimento econômico sustentável, combatem as desigualdades e fortalecem a democracia, a legitimidade do Estado e a coesão social. 

Portanto, o debate sobre seus resultados, qualidade e eficiência devem fazer parte da agenda política prioritária do país. A efetividade desse debate depende da realização de um diagnóstico consistente sobre as condições existentes para o seu exercício (meios, leis, apoio político, organizacionais) e do ambiente político- institucional onde ela se desenvolve.

Atualmente, não há no país um debate organizado sobre gestão pública com visão holística e que permita um diagnóstico consistente. Os temas surgem no debate de uma forma fragmentada, simplista, em função de algum escândalo (corrupção, nepotismo, altos salários etc.), de posicionamento ideológico (redução do tamanho do estado) e, algumas vezes, com interesse demagógico (lembrem-se dos marajás na campanha presidencial de 1989). Há, também, um argumento importante sobre o volume de impostos pagos e o retorno em serviços públicos aquém do esperado pela população. Esses temas surgem como se fossem problemas independentes, sem considerar a relação entre eles e o ambiente político, institucional, administrativo e de controle que condicionam a produção de resultados na gestão pública. 

Esse artigo pretende contribuir para qualificar esse debate. 

Há duas políticas que organizam a gestão pública: as políticas públicas de gestão (PPG) e as finalísticas (PPF). As PPGs são horizontais e tratam do desenvolvimento das capacidades organizacionais dos órgãos públicos e as PPFs tratam dos objetivos específicos de cada política setorial. 

Em geral, quando nos referimos às políticas públicas, nos referimos às políticas finalísticas como educação, saúde ou segurança pública. Não há entendimento de que o conjunto dos instrumentos de gestão constituem, também, uma política pública e que precisam ser articulados e coordenados para promover a melhoria da gestão pública. A falta dessa visão tem levado áreas da administração pública responsáveis pelas políticas de gestão (planejamento, orçamento, finanças, pessoal, compras, tecnologia de informação, modelos organizacionais, e outros) a atuarem de forma isolada, sem articulação entre si, como se fosse possível fragmentar os instrumentos de gestão sem comprometer a entrega de resultados para a sociedade. 

Como a boa gestão pública deve atuar?

A boa gestão pública, por exemplo, deve alinhar os interesses dos seus servidores com os interesses institucionais do seu órgão e com as prioridades do governo. Para alcançar esse objetivo, é preciso um conjunto amplo de políticas de gestão articuladas entre si como planejamento, seleção e desenvolvimento de pessoas, gestão de desempenho, entre outras. 

Além disso, ela deve articular as políticas públicas de gestão com as políticas finalísticas. Uma não tem sentido sem a outra, e, sem essa articulação, a administração pública não consegue entregar resultados eficientes e de qualidade para a população. Elas são dois lados da mesma moeda. Após estabelecer os objetivos e metas a serem alcançados, é preciso definir os instrumentos gerenciais capazes de transformar o planejamento em resultados para a população.

A PPG deve ter como objetivo aprimorar continuamente as condições organizacionais, normativas, políticas e jurídicas necessárias para o bom desempenho das políticas públicas em todos os órgãos públicos e níveis de governos. Isso porque muitos serviços que interessam diretamente à população são prestados pelos níveis subnacionais, como educação, saúde, segurança e mobilidade urbana, por exemplo. Por isso, é fundamental que o governo federal enfrente os desafios do federalismo brasileiro – dificuldades de articulação e construção de arranjos institucionais envolvendo União, estados e Municípios.  Além disso, a legislação sobre administração pública é de competência federal, cabendo aos estados e municípios fazerem legislação complementar. 

Além disso, a PPG precisa dispor de uma estrutura central de formulação e coordenação, vinculada ao centro de governo, devido à necessidade de envolvimento dos ministérios que têm responsabilidades nas áreas de gestão e para a coordenação de todos os órgãos governamentais no desenvolvimento das ações de melhoria da gestão e entrega de resultados.

Um aspecto relevante no debate sobre como melhorar a prestação de serviços públicos é reconhecer que a gestão pública se desenvolve dentro de um ambiente caracterizado pela participação de múltiplos atores (públicos e privados) com interesses políticos, econômicos ou institucionais nas políticas públicas; por tratar de questões complexas da sociedade; pelo risco da descontinuidade administrativa quando da troca de governos; e por ter uma legislação de controle que valoriza mais os processos do que os resultados. Esse ambiente indica que a gestão pública tem que superar desafios políticos e técnicos para entregar os resultados esperados pela sociedade.

O não entendimento desse ambiente específico leva a avaliações equivocadas sobre a realidade da gestão pública no país e a propostas inconsistentes de melhoria da sua prestação de serviços. 

Fatores que influenciam o desempenho da gestão pública

Há seis fatores que condicionam o desempenho da gestão pública: as capacidades organizacionais dos órgãos públicos; as regras de gestão e controle; a qualidade das decisões das instituições intervenientes na gestão pública (executivo, parlamento, judiciário, ministério público e tribunal de contas); a participação da sociedade na formulação das políticas públicas  e na cobrança de resultados; a descontinuidade administrativa; e a disputa política pela orientação das políticas públicas e dos seus orçamentos.

Em função da nossa cultura da relação do estado com a sociedade, essa disputa política é marcada por práticas como patrimonialismo, clientelismo e corporativismo, as quais dificultam a tomada de decisão e a execução das políticas públicas no sentido de ampliar o acesso do cidadão a serviços eficientes e de qualidade. 

Para enfrentar esse desafio político é preciso um maior envolvimento do Parlamento nesse debate, porque faz-se necessária uma discussão mais aprofundada que relacione a qualidade da prática política com melhor desempenho da gestão pública. Além disso, a melhoria da gestão demanda uma atenção permanente do Poder Legislativo, uma vez que ela é de longo curso, envolve todos os poderes e níveis de governo e vai demandar aprovação de leis. 

Um outro desafio é modificar as regras de gestão e controle para priorizar o alcance de resultados (eficientes, eficazes e efetivos). Essa mudança de prioridade só será possível com um entendimento institucional entre os três poderes e os dois órgãos intervenientes na gestão pública (Ministério Público e Tribunal de Contas).

Desafios para uma boa gestão pública 

Esse entendimento, que pressupõe a manutenção de um diálogo permanente entre todos os órgãos públicos intervenientes na gestão, é um grande desafio a ser superado para o desenvolvimento de uma gestão pública de qualidade. Esse diálogo deve ter como premissa a construção das melhores condições possíveis para que a gestão pública entregue os resultados esperados pela sociedade. Hoje, a insegurança jurídica do gestor público decorrente da legislação de controle e do entendimento da legislação pelos órgãos controladores são, por exemplo, fatores importantes para limitar a entrega desses resultados. Um outro tema de interesse de todos é a definição de critérios para nomeação nos cargos públicos e para a elaboração do orçamento. Essas e outras questões devem ser enfrentadas através de uma cooperação institucional entre os órgãos responsáveis pela gestão e controle, com diálogo no parlamento e apoio da população.

A iniciativa desse amplo diálogo deve ser do Poder Executivo pela sua responsabilidade direta na prestação dos serviços e pela experiência concreta das dificuldades enfrentadas pelos gestores no dia a dia da gestão pública. 

Um desafio crucial é construir as capacidades organizacionais necessárias para formulação, execução, inovação e avaliação das políticas públicas no âmbito do Poder Executivo. Essas capacidades devem ser construídas levando em consideração a necessidade de interlocução com o ambiente político institucional que envolve a gestão pública e com foco em resultados para a sociedade.

Portanto, podemos considerar que uma organização pública tem uma boa gestão quando ela tem capacidade para propor e negociar com a sociedade os objetivos e as metas das políticas públicas sob sua responsabilidade; possibilidade de alcançá-los, ao menor custo possível; de se aprimorar e inovar continuamente, de forma que ao término de cada ciclo de governo as suas capacidades organizacionais sejam melhores do que eram no início; de garantir a transparência e a legalidade dos seus atos de gestão; de incentivar a participação da sociedade; de conseguir apoio político das instituições públicas e das organizações da sociedade para o cumprimento da sua missão; e de fortalecer a continuidade das suas políticas quando da troca de governos. 

Para alcançar esses objetivos, é condição necessária construir uma burocracia pública competente, profissional e comprometida com o interesse público, capaz de fornecer as soluções possíveis aos tomadores de decisão, evitando erros já cometidos, seja respeitosa com o poder político e tenha capacidade de articulação política com os setores da sociedade interessados nas políticas públicas e com os órgãos públicos intervenientes na gestão. Essa articulação tem por objetivo garantir o interesse público e a entrega de resultados para a sociedade.

A melhoria da gestão pública implica em uma profunda mudança cultural no setor público e deve impactar nas práticas sociais do relacionamento da classe política com o Estado, na relação institucional entre os Poderes e entre os níveis de governo e, também, na cultura de controle e gestão da administração pública. Sendo assim, ela precisa ser entendida como um processo contínuo, com mudanças graduais sendo implementadas ao longo do tempo, fruto de uma ampla interlocução com a sociedade, judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas, Congresso Nacional e, particularmente, com os servidores públicos, uma vez que eles conduzem a gestão no dia a dia.

Ricardo de Oliveira: Engenheiro de produção, foi secretário estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo (ES) entre 2005 e 2010 e secretário estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. É autor dos livros "Gestão Pública: Democracia e Eficiência" (2012) e "Gestão Pública e Saúde" (2020), publicados pela editora da FGV. Também é conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e membro do comitê de filantropia da UMANE.

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