Pessoas são o recurso mais valioso, raro, difícil de imitar e de substituir em uma organização. Por mais que tradicionalmente as organizações tenham maior facilidade de investir em tecnologias, processos e infraestrutura, o que garante resultados corporativos diferenciados é o investimento multinível em pessoas. Essa lógica se aplica levando em consideração, principalmente, a natureza do vínculo dos servidores com o serviço público, já que a imensa maioria tem estabilidade e o investimento nessas pessoas tem potencial escalável em termos de aprendizados e resultados.
Entretanto, historicamente, a gestão de pessoas, por ter baixa maturidade estratégica e analítica, implementa ações que são fragmentadas em amplitude e em profundidade: as práticas de gestão de pessoas no Brasil ainda estão defasadas quando consideramos os avanços mundiais na área. Majoritariamente, as unidades de Recursos Humanos no nosso país dedicam-se às atividades de manutenção de funções básicas de pessoal, tais como pagamento, aposentadoria, contratação, férias e outros direitos trabalhistas. Mas, infelizmente, esse foco estritamente operacional negligencia demandas tão importantes quanto a saúde mental, a realização profissional, a retenção de talentos e a segurança psicológica.
No cenário mundial, o RH estratégico já se encontra ultrapassado, e a gestão de pessoas vem sendo orientada por evidências científicas por meio da implementação da moderna abordagem de People Analytics. Essa abordagem tem sido adotada porque comprova que investir em pessoas traz resultados sustentáveis às organizações e alavanca a promoção de uma cultura organizacional que toma decisões com base em evidências, centrada nas vocações e necessidades das pessoas.
Assim, a organização se torna, ao mesmo tempo, mais analítica e mais humana. O aumento do interesse em People Analytics marca um ponto de amadurecimento da gestão de pessoas para além do RH estratégico, na medida em que trabalha para aumentar os resultados finalísticos das organizações, ao mesmo tempo que a qualidade de vida no trabalho dos seus servidores. Deste modo, essa abordagem fundamenta-se no desenvolvimento de uma mentalidade sistêmica, integrada, estratégica e analítica que propulsiona mudanças culturais e organizacionais intencionais nos locais de trabalho.
Essa é uma abordagem científica aplicada, que reconhece o valor único dos empregados e seu valor estratégico, adotando uma lógica relacional e uma orientação de gestão de pessoas que se compromete, simultaneamente, com os servidores e com os resultados institucionais.
Figura 1- Capital Humano, tipos de vínculo, relacionamentos e configurações de RH.
Fonte: (Lepak & Snell, 1999 – adaptado)1
Desta maneira, uma das contribuições da abordagem centrada em People Analytics, quando aplicada transversalmente na organização, é o aumento da maturidade analítica e um fortalecimento da cultura organizacional orientada para pessoas a partir de uma visão que considera todas as fases do ciclo de vida laboral do empregado e sua conexão integrada com os diversos níveis que com ele se conectam e que o influenciam. A aplicação dessa abordagem de maneira ampliada permite diminuir a fragmentação vertical e a fragmentação horizontal comumente observadas na gestão de pessoas tradicional. A partir de uma visão sistêmica e integrada podemos entender que cada função da gestão de pessoas está associada a uma parte do ciclo de vida laboral do servidor.
Para tanto, People Analytics tem por base o uso sistemático de dados coletados por meio de metodologias científicas em modelos de análise que relacionam indicadores de pessoas (engajamento, saúde mental, liderança) e indicadores oriundos de uma variedade de dados coletados e arquivados por organizações. Fornece subsídio estratégico para a tomada de decisões e para a implementação de planos de ação de alto impacto e de alto valor para servidores, líderes e a própria sociedade. Com a implementação da abordagem People Analytics, a maturidade da gestão de pessoas apresenta um salto significativo e rompe a barreira que a mantinha presa a ações meramente burocráticas ou rotineiras com baixo impacto percebido por pares, líderes e servidores. O amadurecimento contínuo, colaborativo e cumulativo da mentalidade analítica permite o desenvolvimento mais robusto de medidas e de análises, propiciando impacto estratégico, mudança cultural organizacional, identificação e acompanhamento de indicadores-chaves para a proposição mais assertiva de ações de melhoria no ambiente de trabalho e na própria gestão de pessoas.
Mas quais são os pilares para atingir esse resultado?
‣ 1) Desenvolvimento de mentalidade orientada por evidências e centrada nas pessoas;
‣ 2) Uso do método científico para indicadores e análise dos dados;
‣ 3) Desenho de estratégias alinhadas à cultura;
‣ 4) Resultados acessíveis a todos os stakeholders independentemente do nível hierárquico e função de atuação; e
‣ 5) Implementação continuada com monitoramento de resultados das ações.
É importante frisar a relevância de centrar a abordagem em pessoas para respeitar a ética, a confidencialidade e o bem-estar, porque a abordagem que propomos aqui se opõe veementemente ao uso mercadológico direcionado ao monitoramento detalhado de empregados (quantidade de cliques no teclado, tempo de bloqueio de tela, tempo no cafezinho, quantidade de e-mails enviados), estratégias essas que na verdade suprimem a autonomia das pessoas e impacta negativamente no aumento de adoecimento e turnover.
De modo oposto, a abordagem People Analytics se tornou ainda mais relevante principalmente no pós-pandemia, pois as questões mais desafiadoras do contexto organizacional estão relacionadas às pessoas, por exemplo: como responder ao aumento de casos de burnout? Qual o melhor modelo e como gerir o trabalho remoto? A liderança que temos hoje está adequada para promover resultados sustentáveis, ou seja, servidores sãos, saudáveis e produtivos? A força de trabalho está adequada para os desafios atuais e vindouros? Como trabalhar os valores para promover uma cultura no serviço público que seja sustentável para o servidor e efetiva para gestores e na percepção da sociedade?
Por um lado, a gestão de pessoas que temos hoje não está preparada para responder a esses desafios de maneira efetiva. Assim, faz-se necessária uma compreensão mais acurada acerca das variáveis centradas nas pessoas, assim como a melhor forma de medi-las. Por mais que pensemos que fenômenos como liderança ou clima organizacional sejam auto evidentes, basta ver uma discussão sobre como liderar ou o que é clima organizacional para entender que não o são.
Por outro lado, é importante desenvolver líderes estrategicamente com People Analytics. Bons técnicos são alçados à liderança com pouco ou nenhum desenvolvimento de suas competências com pessoas (soft-skills). E líderes formam a cultura, pois na alta liderança decidem quais as prioridades organizacionais, guiando a percepção de quais comportamentos são desejáveis e premiados e quais não são. Além disso, junto à equipe, determinam a orientação do que é visto como relevante e qual a forma de atingir os resultados desejados.
Assim, People Analytics lança mão de conhecimentos e métodos científicos que promovem o alinhamento do entendimento que temos dos fenômenos organizacionais, como mensurá-los e que ações podemos implementar a partir das análises realizadas e do acompanhamento dos dados. A mensuração de fenômenos psicológicos deve ocorrer por meio de questionários desenvolvidos e validados psicometricamente para garantir precisão e confiabilidade. Quanto aos dados, eles devem ser analisados de maneira agregada para identificar tendências e padrões relevantes, e nunca para apontar respostas ou análises individualizadas, cuja consequência seria a promoção do monitoramento e do controle bio/psíquico/social, que na realidade faz diminuir as capacidades das pessoas e afeta a sua segurança psicológica, autonomia, bem-estar, confiança, engajamento, aumentando efeitos indesejados como turnover, burnout etc.
Em suma, a abordagem People Analytics fornece orientações para estruturar políticas e práticas confiáveis, para conectar e alinhar diferentes projetos estratégicos, garantindo sustentabilidade e maior retorno sobre os investimentos públicos, com métricas para acompanhar seus resultados com indicadores e para gerar resultados duradouros – tanto corporativos como de bem-estar laboral e psíquico-social aos servidores. Assim, é possível conectar ações para alcançar um impacto mais profundo e é possível também ter um elemento de conexão comum para diferentes projetos, conferindo maiores chances de continuidade e mudança permanente no amadurecimento da mentalidade e engajamento das pessoas.
Esse futuro já chegou, mas não está homogeneamente distribuído. Além disso, o mercado se aproveita dessa inovação para oferecer ferramentas rasas (como dashboards, cursos de linguagens de programação e inteligência artificial). Investir em ações a partir da lógica da fragmentação (que aqui propomos superar com educação, aplicação sistêmica de amadurecimento de mentalidade e cultura, e desenho de uma visão sistêmica, integrada e estratégica de gestão de pessoas para a organização como um todo) está fadada a repetir erros estratégicos ao acreditar que modismos gerencialistas vão consolidar as mudanças de modo rápido, fácil ou barato. São novos tempos que precisam de um alinhamento profundo e ações consistentes em multiáreas para se estabelecer com excelência.
Referência Bibliográfica
1David P. Lepak and Scott A. Snell. The Human Resource Architecture: Toward a Theory of Human Capital Allocation and Development. In: The Academy of Management Review, Vol. 24, No. 1 (Jan., 1999), pp. 31-48 Published by: Academy of Management. Stable URL: http://www.jstor.org/stable/259035.
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