Índice
O que é tokenismo e como ele é prejudicial ao ambiente de trabalho
Mudanças físicas e emocionais de mulheres gestantes devem ser levadas em consideração
Os efeitos do sentimento de incapacidade no trabalho para a mulher grávida
Posições de liderança ainda são masculinas, e isso impacta inclusão das mulheres grávidas
Resumo
Vanessa Coutinho destaca que a diversidade e inclusão no ambiente de trabalho trazem benefícios que vão além do ético, promovendo maior inovação, produtividade e competitividade organizacional. Contudo, práticas superficiais como o tokenismo e o genderwashing comprometem a efetividade dessas políticas, especialmente no caso das trabalhadoras grávidas. Estudos apontam que políticas voltadas apenas à diversidade não garantem inclusão, deixando de considerar as necessidades físicas e emocionais das gestantes, como alterações na saúde mental e desafios laborais específicos. A ausência de diretrizes claras e lideranças masculinas despreparadas agravam o cenário, levando à discriminação, estresse e impactos negativos na carreira dessas mulheres, perpetuando desigualdades de gênero.
Os benefícios que um ambiente diverso e inclusivo oferece não são mais novidade. Inúmeros estudos1,2 já demonstraram que investir em pautas de equidade no ambiente de trabalho é importante não apenas sob o enfoque ético-moral, mas é um vetor de crescimento econômico e de incremento de competitividade.
Com efeito, indicadores relacionados à elevação do nível de motivação de trabalhadores, redução de rotatividade e aumento de produtividade e inovação, que por sua vez se relacionam diretamente com o crescimento da competitividade organizacional, estão associados a ambientes de trabalho mais diversos e inclusivos. Afinal, a pluralidade é um ativo que contribui para a promoção de estratégias e processos decisórios mais ricos e resilientes, com maior adaptabilidade às mudanças de cenários.
Muitos desafios, no entanto, ainda se encontram presentes na efetiva promoção de ambientes laborais verdadeiramente inclusivos, que não somente possuem um corpo funcional heterogêneo, mas que de fato abraçam as particularidades individuais e as incorporam à cultura da organização. A propósito, eis o ponto que diferencia diversidade de inclusão: enquanto uma se refere à pluralidade atinente ao quadro de trabalhadores de uma organização, a outra se verifica quando os elementos de heterogeneidade do grupo são abraçados pela organização, que remove barreiras para que os indivíduos pertencentes a grupos sub-representados socialmente de fato contribuam para a cultura organizacional, dela fazendo parte e transformando-a.
Nesse contexto, observa-se que a diversidade, quando descolada da pauta da inclusão dentro de um ambiente laboral, é inócua por não promover mudanças na homogeneidade da cultura organizacional, não beneficiando a unidade produtiva com os indicadores positivos de desempenho, que somente se manifestam quando a inclusão é implementada efetivamente.
O que é tokenismo e como ele é prejudicial ao ambiente de trabalho
A partir desta moldura, diversos fenômenos se produzem na arena laboral, merecendo destaque práticas de tokenismo, termo utilizado para designar situações nas quais a diversidade é praticada de maneira superficial e meramente simbólica, tão somente para fins promocionais e publicitários, objetivando a construção e a disseminação de uma imagem organizacional plural que não corresponde à realidade, com o intuito de posicionar uma organização como sendo diversa e, assim, atingir um público que valoriza essa agenda.
Quando falamos sobre diversidade e inclusão, alguns grupos sociais são mais frequentemente referidos, notadamente no que diz respeito às pautas de gênero, raça, idade, orientação sexual e deficiência, as quais, não raro, sofrem efeitos cumulativos pela presença de interseccionalidades que reforçam e agravam a exclusão sofrida por um determinado grupo social não pertencente às estruturas hegemônicas de poder.
Assim é que mulheres negras, por exemplo, sofrem a sobreposição de práticas sociais discriminatórias tanto de gênero como de raça, sendo por isso o grupo social que figura como o de menor participação no mercado de trabalho e ostenta o maior índice de desemprego quando comparado aos grupos compostos por mulheres não negras, homens negros e homens não-negros, conforme demonstrado por estudo realizado pela FGV em 20233.
Genderswashing: trabalhadoras grávidas estão de fato incluídas nas culturas organizacionais públicas e privadas?
Muito se tem discutido acerca da promoção de ambientes laborais com diversidade de gênero no intuito de reduzir as lacunas remuneratórias entre homens e mulheres. Nada obstante, assim como a interseccionalidade representa um recorte específico no campo da diversidade e inclusão, a situação laboral da trabalhadora gestante, em razão das peculiaridades que este grupo alberga, também oferece desafios específicos, dentro da agenda de gênero, muito embora pouca atenção de pesquisadores, estudiosos e gestores públicos em todo o mundo tenha sido dada a esta pauta.
Após uma sólida revisão de literatura, observou-se que as políticas destinadas à empregabilidade da mulher gestante atêm-se ao viés da diversidade organizacional (dentro da agenda de gênero), não havendo políticas substanciais de inclusão efetiva deste segmento de trabalhadores. Esse quadro de diversidade que se mantém alheio à inclusão se assemelha às práticas de tokenismo, sendo um exemplo de prática de genderwashing.
Mudanças físicas e emocionais de mulheres gestantes devem ser levadas em consideração
As mudanças físicas e emocionais experimentadas por grande parte das mulheres gestantes são de conhecimento notório. Estudos ao redor do mundo demonstram que, durante o primeiro trimestre de gestação, os desconfortos voltam-se mais às mudanças fisiológicas pelas quais passam as gestantes, tais como enjoo, vômito, enxaqueca, tontura, falta de apetite e repulsa alimentar e olfativa, ao passo que, no último trimestre de gestação, predominam desconfortos de aspecto psicológico/emocional, ocasionados por medos relacionados à chegada da criança, os quais variam de acordo com a experiência prévia de outros partos e com o nível socioeconômico da gestante (Rofé et al., 1993)4.
Além disso, está comprovado que mulheres grávidas sofrem de estresse laboral em adição ao estresse relacionado ao estado gravídico (David & Tiwari, 2023)5, pois sentem, com frequência, que não conseguem atender às demandas de trabalho da mesma maneira que faziam antes da ocorrência da gestação, e esse estresse se materializa em alterações comportamentais e psicológicas (Ruiz & Fullerton, 1999, citado por Shishehgar et al., 2014, p. 254)6.
Aspectos relacionados ao trabalho, tais como postura laboral, jornada de trabalho, realização de horas extras, esforço ocupacional, jornada de trabalho alternada (diurna e noturna), temperatura elevada no ambiente de trabalho e ausência ou insuficiência de rede de apoio nas atividades domésticas, promovem uma sobrecarga às demandas laborais. Além disso, trabalhos que requerem caminhadas, permanência prolongada em pé ou carregamento de itens pesados foram associados a efeitos gestacionais indesejados (Kordsmeyer et al., 2022, p. 896)7 e ao aumento de afastamentos de mulheres grávidas do trabalho por motivos de saúde (M. Backhausen et al., 2018)8.
Há também uma correlação entre a percepção de tratamento injusto no trabalho e a ocorrência de parto prematuro, baixo peso fetal, enjoo, fadiga ou exaustão, sangramentos, hospitalizações, hipertensão ou hipotensão, problemas de coluna, estresse, ansiedade e sintomas depressivos. Estudos conduzidos na Alemanha observaram que cerca de três quartos das mulheres grávidas sofrem efeitos adversos em sua saúde mental relacionados à perda de autoconfiança e de motivação no trabalho. (Kordsmeyer et al., 2022, p. 896)9.
A conjuntura de aspectos físicos e psicológicos que afetam grande parte das gestantes no ambiente de trabalho são suficientes para situar este grupo como um segmento social específico, com demandas próprias de trabalho, revelando-se como um sub-segmento de gênero merecedor de políticas específicas de acolhimento e inclusão organizacional.
Tendo em vista que, historicamente, mulheres gestantes vêm sofrendo processos discriminatórios no que tange a sua empregabilidade, fenômeno este que alarga as discrepâncias de gênero na sociedade, aspectos atinentes à inclusão deste grupo social têm, em regra, sido menosprezados, havendo espaço nas agendas políticas tão somente para garantia da diversidade no ambiente laboral a partir, por exemplo, da garantia de estabilidade à gestante até cinco meses após o parto.
Verifica-se ainda, que organizações mais comprometidas com pautas de relevância social, notadamente pautas de diversidade e inclusão, buscam abraçar a gestante ao admitir trabalhadoras nesta condição e proporcionar-lhes possibilidades de ascensão profissional.
Os efeitos do sentimento de incapacidade no trabalho para a mulher grávida
Entretanto, é preciso perceber que todos esses instrumentos, de inegável relevância, se voltam à promoção da diversidade organizacional, ao incluir ou manter uma minoria (grupo social não pertencente à estrutura hegemônica de poder) em seus quadros funcionais. Mas será que poderíamos afirmar que esse segmento de trabalhadoras participa efetivamente na modulação das diretrizes organizacionais, influenciando-as e transformando-as? São as inúmeras peculiaridades físicas e psicológicas das trabalhadoras gestantes incorporadas à cultura organizacional para que esse grupo sinta que suas demandas são verdadeiramente consideradas e respeitadas? Estudos realizados em diversos países no mundo apontam que não.
Neste sentido, M. Backhausen et al. descreve que sentir-se incapaz de cumprir uma demanda de trabalho pode gerar sentimento de culpa, vergonha e frustração, e que muitas mulheres se preocupam com a reação de suas chefias diante da redução de sua produtividade, sentindo-se frequentemente como um peso para sua equipe de trabalho. Estudos qualitativos baseados em entrevistas com trabalhadoras gestantes demonstraram que atitudes negativas de suas chefias quanto à gravidez foi considerada como fator principal de estresse laboral. (M. G. Backhausen et al., 2021)10.
Chefias masculinas entrevistadas relataram dificuldade em lidar com questões específicas de trabalhadoras grávidas, ante sua falta de conhecimento sobre o assunto, tendo sido apontado nos estudos que tais chefias pareciam não compreender as condições laborais de mulheres gestantes e a correlação existente entre sua produtividade e o momento da gestação. (Nakamura et al., 2022)11.
Dentre os desafios relatados pelas chefias masculinas entrevistadas, foi apontada a dificuldade na distribuição da carga de trabalho e na organização de atividades, bem como na aceitação, por partes dos colegas, de uma distribuição reduzida da carga de trabalho para as gestantes.
Um estudo americano, a seu turno, revelou que o receio de confirmar estereótipos relacionados à gestação (sendo os principais deles incompetência, falta de comprometimento, inflexibilidade e necessidade de ajustes faz com que muitas gestantes trabalhem ainda mais do que o usual, aumentando os riscos de comprometimento de sua saúde e de complicações na gestação. (Lavaysse & Probst, 2021)12.
Posições de liderança ainda são masculinas, e isso impacta inclusão das mulheres grávidas
Todo esse cenário revela um predominante despreparo organizacional para lidar com a inclusão de trabalhadoras gestantes, seja porque as posições de liderança nos ambientes de trabalho ainda são majoritariamente ocupadas por homens, que via de regra ignoram os efeitos físicos e mentais advindos do estado gravídico, seja porque as culturas organizacionais de modo geral não abraçam esta agenda e não definem diretrizes claras a serem seguidas, cingindo-se a implementar, quando muito, uma política pseudo-diversa de mera oferta de emprego, ou mesmo de ascensão profissional, sem o correlato oferecimento de condições de trabalho compatíveis com a gestação.
A prática de genderwashing, portanto, se manifesta exatamente nesta nuance de diversidade desgarrada de inclusão, o que contribui para os alarmantes dados obtidos em diversos países, segundo os quais cerca de 32% das mulheres que vivenciaram discriminação no trabalho decorrente da gravidez mudaram de emprego após a licença maternidade ou ficaram fora do mercado de trabalho; na Irlanda, cerca de metade das mães relataram um impacto negativo da gravidez em suas carreiras profissionais; cerca de 46.9% das mulheres no Japão deixam o mercado de trabalho em virtude do nascimento de seu primeiro filho (Nakamura et al., 2022)13.
Existe, portanto, uma nítida relação entre a falta de inclusão de trabalhadoras gestantes e sua reinserção no mercado de trabalho após o nascimento de seu filho, impactando negativamente nos índices de empregabilidade feminina e de equidade de gênero, uma vez que, fora do mercado de trabalho ou exercendo funções laborais atípicas (trabalho parcial, etc), a discrepância patrimonial existente entre homens e mulheres aumenta, o que reforça a manutenção das estruturas patriarcais de poder na sociedade.
Referência Bibliográfica
1,2 Economic Benefits of Gender Equality in the European Union | European Institute for Gender Equality. (2023, November 29). Eige.europa.eu. https://eige.europa.eu/newsroom/economic-benefits-genderequality?language_content_entity=en#:~:text=GDP%20Per%20capita&text=B y%202050%2C%20improving%20gender%20equality
3Crescimento da População em Idade Ativa é Maior Entre Mulheres Negras, que Mais Desafios Enfrentam no Mercado de Trabalho (2023, Julho 31) https://portalibre.fgv.br/noticias/crescimento-da-populacao-em-idade-ativa-e-maior-entre-mulheres-negras-que-mais-desafios
4 Shishehgar, S., Dolatian, M., Majd, H. A., & Bakhtiary, M. (2014). Socioeconomic Status and Stress Rate during Pregnancy in Iran. Global Journal of Health Science, 6(4), p254. https://doi.org/10.5539/gjhs.v6n4p254
5 David, H. S., & Tiwari, R. R. (2023). A Comparative Study of Work Stress among Working Females Getting Paid and Working Women Unpaid (Housewives) During Pregnancy. Indian Journal of Occupational and Environmental Medicine, 27(1), 73–78. https://doi.org/10.4103/ijoem.ijoem_179_22
6 Rofé, Y., Blittner, M., & Lewin, I. (1993). Emotional experiences during the three trimesters of pregnancy. Journal of Clinical Psychology, 49(1), 3-12.
7Kordsmeyer, A.-C., Mette, J., Harth, V., & Mache, S. (2022). Work stressors and coping strategies of expecting and employed women in Germany: A cross-sectional study. Work, 73(3), 895–906. https://doi.org/10.3233/WOR-205212
8 Backhausen M. The prevalence of sick leave: Reasons and associated predictors—A survey among employed pregnant women.—PubMed—NCBI. [cited 16 May 2018]. Available: https://www.ncbi.nlm. nih.gov/pubmed/29389502
9 Kordsmeyer, A.-C., Mette, J., Harth, V., & Mache, S. (2022). Work stressors and coping strategies of expecting and employed women in Germany: A cross-sectional study. Work, 73(3), 895–906. https://doi.org/10.3233/WOR-205212
10 Backhausen MG, Iversen ML, Sko¨ld MB, Thomsen TG, Begtrup LM (2021) Experiences managing pregnant hospital staff members using an active management policy—A qualitative study. PLoS ONE 16(2): e0247547. https://doi.org/ 10.1371/journal.pone.0247547
11 Nakamura et al. BMC Pregnancy and Childbirth (2022) 22:749 https://doi.org/10.1186/s12884-022-05082-3
12 Lavaysse, L. M., & Probst, T. M. (2021). Pregnancy and workplace accidents: The impact of stereotype threat. Work & Stress, 35(1), 93–109. https://doi.org/10.1080/02678373.2020.1774937
13 Nakamura et al. BMC Pregnancy and Childbirth (2022) 22:749 https://doi.org/10.1186/s12884-022-05082-3
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