Por que só recentemente passamos a ouvir falar das emendas do relator do Orçamento?

Publicado em: 14 de dezembro de 2022

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Poder de influenciar decisões 

Cada matéria que tramita no Congresso Nacional (CN) tem um relator designado para sintetizar as discussões e proposições, as chamadas emendas, inclusive as de sua autoria, num documento final a ser apreciado e votado nas várias instâncias de tramitação: comitês, comissão e plenário do Congresso. O relator é um ator muito importante, pois a forma como ele elabora o seu voto sobre a matéria em análise pauta a votação. No caso do orçamento, esse parlamentar assume um protagonismo ainda mais marcante, como veremos a seguir. 

Tudo o que se refere ao orçamento público no CN, desde a tramitação do Projeto de Lei do Orçamento Anual (PLOA), enviado a cada 31 de agosto pelo Poder Executivo, acontece na maior parte do tempo na Comissão Mista de Planos (CMO), composta por 40 titulares: 30 deputados e 10 senadores, cada um com o respectivo suplente. O número de parlamentares que cada partido pode indicar para a CMO é proporcional ao tamanho das suas bancadas no Congresso e de acordos entre os líderes partidários. 

A presidência da CMO é exercida alternadamente, a cada ano, por senador(a) ou deputada(o) titular na comissão, escolhido(a) pelas presidências da Câmara e do Senado e sem a possibilidade de reeleição. Após essa escolha, ela(e) faz as indicações para as demais funções do colegiado, seguindo os acordos entre os partidos.

O relator do orçamento sempre foi uma função importante no Congresso Nacional e, por isso, muito disputada. Na verdade, o seu exercício é de um agente político coletivo, pois foi escolhido após a costura de acordos e assunção de compromissos com as forças políticas, envolvendo as relações entre os poderes Legislativo e Executivo. Portanto, a sua atuação é a expressão de consenso da força política majoritária.

Tradicionalmente, entre as principais atribuições do relator do orçamento estava a avaliação da compatibilidade das receitas com as despesas da proposta. Isso era fundamental para abrir espaço fiscal que permitisse os parlamentares fazerem as suas emendas ao orçamento. Por isso, ele tendia a aumentar a projeção de receitas. Ele também se incumbia de fazer correções de erros e omissões do PLOA, em geral a pedido do Poder Executivo, quando se detectava a necessidade de retificações durante a tramitação no Congresso.

Poder de influenciar decisões 

Nos últimos três anos, no entanto, a função de relator do orçamento ganhou ainda mais importância, porque passou a ser o lócus decisório da alocação de bilhões de reais para programações de interesse do grupo político suprapartidário com poder de influenciar as principais decisões do Congresso e no Poder Executivo, tornando as emendas de relator um fenômeno totalmente diferente do que ocorria até 2019. 

Um símbolo disso é que a partir de 2020, essas emendas passaram a ter um classificador próprio: RP9, que identifica no orçamento quais são as programações introduzidas pelo relator no orçamento. É como se fosse um marcador de território, que somaram um montante de: R$ 20,1; 16,8 e 16,5 bilhões, respectivamente, nos anos de 2020, 2021 e 2022. 

Inicialmente, nessa nova configuração, o relator do orçamento cancelava dotações das programações do PLOA enviadas pelo Poder Executivo, inclusive de despesas obrigatórias – o que é vedado pela Constituição Federal –, para abrir espaço fiscal e fazer as suas emendas. Isso mudou. Seguindo o disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o PLOA 2023 já foi elaborado pelo Ministério da Economia com R$ 19,4 bilhões a serem usados para as emendas do relator e terão a classificação RP9. Esse valor já é uma quantia livre para o relator fazer a destinação que o comando político quiser, distribuindo por programações e órgãos, que executarão o orçamento para cumprir os acordos firmados.

Ocorre que esse mecanismo, as emendas RP9, permite que os agentes políticos que realmente definem as alocações no orçamento não sejam identificados como os interessados das emendas, pois todas têm a assinatura somente do agente oficial que as faz: o relator. Mas isso não significa que seja uma ação individual, ao contrário, é coletiva. Porque, desde a inserção por parte do relator, a aprovação pelo plenário do Congresso, a sanção e execução pelos órgãos federais, nos quais os recursos são alocados, a vontade do grupo político com poder de decisão se impõe. Sem essa ação coordenada não haveria o uso desses recursos.

No orçamento de 2022, R$ 16,5 bilhões das emendas do relator foram direcionados para 16 órgãos, 88,9% desse valor está alocado em cinco. Só o Fundo Nacional de Saúde, operado diretamente pelo Ministério da Saúde, tem 49,2% dessas dotações e a administração direta do Ministério do Desenvolvimento Regional, outros 19,2%. Em conjunto, esses dois representam mais de 68%. Se por um lado, a verdadeira autoria está oculta, por outro, as emendas RP9 seguem as mesmas regras e usam os instrumentos de execução orçamentária das demais programações não obrigatória e não impositiva. Ou seja, formalmente o executor tem a discricionariedade de executar ou não. 

Como não são os dirigentes dos órgãos executores que fazem as escolhas finais sobre a aplicação dos recursos, pois quem decide são as cúpulas dos dois poderes que administram os acordos pactuados, é necessária uma estrutura de gestão dos montantes classificados com RP9 para informar a quem os órgãos do Poder Executivo vão repassar esses recursos – estados, municípios, organizações da sociedade civil – e quais projetos ou atividades serão financiados. Tudo isso requer procedimentos administrativos em várias instâncias, envolvendo decisões organizacionais muito mais complexas do que é a atuação individual do relator do orçamento. Assim, apenas uma pessoa leva a fama, mas há muitas outras, inclusive algumas com mais poder, participando das várias fases deste macroprocesso, que vai desde a indicação do relator até o dinheiro sair dos cofres públicos. Nada disso é secreto, é público. Fica a dica: follow the money.


Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculados.

Cilair Abreu: Doutor em Administração Pública, atual secretário de Gestão Corporativa do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e servidor desde 2000 da carreira de Analista de Planejamento e Orçamento do Ministério do Planejamento e Orçamento.

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