Por Luiz Alberto dos Santos

Índice
Cláusula Pétrea
Percurso da Pec

Ao examinarmos o processo legislativo no Brasil, é preciso, inicialmente, compreender as regras gerais que o definem, para, então, examinar os diferentes tipos de normas legais que requerem a aprovação do Congresso Nacional, e o que ocorre após essa aprovação pelo Legislativo.

Abordaremos, em duas partes, o processo legislativo relativo às emendas à Constituição, iniciando pela tramitação inicial na Câmara dos Deputados, que antecede a apreciação pelo Plenário da Casa e a sua remessa ao Senado Federal.

Inicialmente, há que se considerar que existem, basicamente, dois conjuntos de regras a serem observadas: as que a Constituição define, nos arts. 59 a 69, e, ainda, nos arts. 44 a 52 e no art. 84, quando aborda as competências dos órgãos do Legislativo e do presidente da República; e as regras definidas nos regimentos internos das casas do Congresso Nacional.

No ápice do sistema normativo do país, está a Constituição. Ela é suprema e foi instituída pelo poder constituinte originário, que foi exercido pela Assembleia Nacional Constituinte (ANC) eleita em 1986.

Apesar de ela resultar do processo de redemocratização do país, consolidado após a eleição, ainda indireta, de Tancredo Neves e José Sarney para o mandato presidencial iniciado em 1985, a convocação da Constituinte não foi o fruto de um movimento de massas, de uma revolução ou golpe de Estado. A ANC foi convocada por uma emenda constitucional, a EC n° 26, de 27 de novembro de 1985, que previu a sua reunião a partir de 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional e que a nova Constituição seria promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembleia Nacional Constituinte.

Foi uma solução anômala, pois os então detentores do poder político fixaram regras que, em tese, somente poderiam ser editadas a partir de um poder maior – o povo. Ao estabelecer o rito de aprovação da nova Carta Magna, os constituintes derivados de 1985, eleitos sob o pálio da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, que reformou a Constituição de 1967 – ambas emanadas do poder da ditadura militar instalada em 1964 –, romperam a regra então vigente, que previa que a Constituição, para ser emendada, dependeria da aprovação, em dois turnos de votação, por dois terços dos votos dos membros da Câmara e do Senado.

Aprovada após um amplo debate, em que todos os segmentos da sociedade apresentaram suas demandas, e promulgada em 5 de outubro de 1988, a nova Constituição definiu, no art. 59, o processo legislativo, compreendendo a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.

De todas as espécies normativas, apenas as emendas constitucionais não têm uma definição, na constituição de temas que sejam a ela reservados. Em tese, tudo pode ser objeto de emenda à Constituição, e, uma vez aprovada pelo Congresso, o que vier a ser aprovado assume um “status” mais elevado – e só pode ser modificado por outra emenda constitucional.

Cláusula pétrea

Mas assim como ocorre com outras espécies normativas, a Constituição define que alguns temas não podem ser objeto de emenda. São as chamadas “cláusulas pétreas”, protegidas pela própria Constituição de alteração ou supressão pelo poder constituinte derivado. Também há limites ao processo de emenda, que impedem que, na sua ocorrência, mesmo emendas não vedadas em face de seu conteúdo possam ser apreciadas.

Segundo o § 1º do art. 60, a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de sítio. Isso significa que, para ser votada, o país deve estar em situação de normalidade, ou seja, não sujeito a fatos ou circunstâncias que possam constranger o Legislativo a adotar medidas por eles direcionadas.

No art. 60, §4º, temos as regras para esse fim. Segundo esse dispositivo, não pode ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.

Além disso, o § 5º estabelece que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

A extensão das “cláusulas pétreas” do art. 60, § 4º, demanda interpretações quanto ao seu alcance. O inciso IV, em particular, é complexo, pois remete ao conteúdo do art. 5º, que estabelece os direitos individuais e coletivos, divididos em 79 incisos, mas também repercute em outras normas constitucionais. Uma delas está no art. 150, que disciplina as limitações ao poder de tributar, entre as quais a necessidade de lei para exigir ou aumentar tributo, a vedação de instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos, cobrar tributos sem observância da anterioridade e anualidade, e utilizar tributo com efeito de confisco.

Respeitados esses limites, as propostas de emenda à Constituição podem ser apresentadas por um terço dos membros da Câmara ou do Senado, ou pelo presidente da República. Esse requisito visa impedir, por exemplo, o excesso de propostas de emendas, e que proposições que não contem com um apoiamento mínimo sejam colocadas em discussão.

Mas não se aplica às Propostas de Emendas à Constituição (PECs) o impedimento a que parlamentares apresentem propostas que sejam reservadas à iniciativa privativa de outros Poderes, como ocorre nas demais proposições legislativas. Porém, quaisquer propostas, sejam do Executivo ou dos parlamentares, devem observar as cláusulas pétreas.

Percurso da Pec

Uma vez apresentada, uma PEC inicia a sua tramitação na Casa em que for apresentada, e só será apreciada pela outra Casa se aprovada por três quintos de votos (308 votos na Câmara, e 49 votos no Senado). As PECs apresentadas pelo presidente da República têm tramitação inicial na Câmara dos Deputados, obrigatoriamente.

Na Câmara, as PECs devem ser, inicialmente, apreciadas pela Comissão de Constituição,  Justiça e Cidadania (CCJC), onde é designado um relator para proferir parecer sobre a sua admissibilidade, ou seja, se o seu conteúdo respeita os limites do art. 60, e se não há impedimentos à sua tramitação. Nessa fase, a PEC não pode ser emendada, exceto para que sejam excluídas ou sanadas inconstitucionalidades. Esse juízo de admissibilidade deve ser aprovado pela Comissão, pela maioria dos seus membros. O regimento prevê que essa deliberação deve ocorrer no prazo de cinco sessões mas, com frequência, esse prazo não é respeitado.

Admitida a PEC pela CCJC, com ou sem modificações, ela é remetida a uma Comissão Especial, composta de forma proporcional pelos partidos políticos. É uma comissão temporária, criada para esse fim específico e, uma vez instalada, com a indicação de seus membros pelos partidos políticos, são escolhidos o seu presidente e o relator, e é aberto prazo para a apresentação de emendas pelos parlamentares. Todos os parlamentares, membros ou não da comissão, podem apresentar emendas, mas que devem contar com o mesmo apoio de uma PEC: um terço dos membros da Casa. O prazo para tanto é de dez sessões do Plenário da Câmara, o que visa assegurar tempo hábil para que sejam obtidos os apoios necessários. Com frequência, porém, esse prazo, fixado no regimento da Câmara, é estendido por ato do seu presidente, como ocorreu com a PEC n° 287/2016[1] e a PEC n° 32/2020[2].

Apresentadas as emendas, o relator passa a promover o seu exame, e com frequência, são realizadas sessões de debates e audiências públicas, onde representantes da sociedade civil, acadêmicos, juristas e representantes do governo são ouvidos e defendem suas posições.

O relator e a Comissão, porém, têm um prazo regimental de quarenta sessões para que seja apresentado e votado o parecer sobre a PEC. Esse parecer pode concluir pela aprovação, pela rejeição ou por alterações à PEC original, seja com base em emendas de parlamentares, seja com base em propostas do próprio relator. Há divergências, entre constitucionalistas, sobre essa possibilidade de o relator “inovar”, apresentando propostas de alteração que não foram apoiadas por um terço dos deputados. Mas, na prática, os relatores exercem a sua capacidade de forma ampla, sem se preocupar com essa necessidade.

Durante as votações, os parlamentares podem apresentar requerimentos diversos, para obstruir a apreciação da matéria, ou atrasar a sua apreciação, quando o tema é controverso. Se, ao final do prazo, a PEC não houver sido apreciada, o presidente da Câmara pode, em tese, dar por encerrados os trabalhos da Comissão e remetê-la diretamente à apreciação do Plenário.

Apenas após a conclusão dessas etapas é que a PEC pode, então, ser submetida à votação. Contudo, isso nem sempre acontece e, mesmo emitido o parecer pela Comissão, são necessárias condições de caráter político para que o processo se conclua.

Examinaremos, na sequência, a conclusão do processo legislativo pela Câmara dos Deputados e seu prosseguimento no Senado Federal.

[1]  Proposta de alteração dos arts. 37, 40, 109, 149, 167, 195, 201 e 203 da Constituição, acerca do tema da seguridade social.
[2]  Proposta de alteração de disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa.

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculados.

Luiz Alberto dos Santos
Advogado, mestre em Administração e doutor em Ciências Sociais. Consultor Legislativo do Senado Federal. Ex-subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República (2013-2014). Professor colaborador da EBAPE/FGV.

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