Reforma administrativa: agora vai?

Publicado em: 4 de novembro de 2025

Índice:
O que propõe o novo relatório e por que ele é decisivo para o futuro da gestão pública
Os desafios políticos e institucionais para aprovar a reforma administrativa
Da teoria à prática: como transformar propostas em resultados concretos
Gestão por resultados: o elo entre eficiência e legitimidade democrática
O papel do Parlamento e da sociedade na continuidade da reforma

A Câmara dos Deputados retomou a discussão sobre a reforma administrativa, recolocando, assim, o tema no debate público. Em pouco tempo, o grupo de trabalho, coordenado pelo deputado Pedro Paulo, do Rio de Janeiro, apresentou seu relatório para avaliação dos deputados e da sociedade.

O que propõe o novo relatório e por que ele é decisivo para o futuro da gestão pública

O relatório apresenta setenta medidas que alteram e inovam várias regras de gestão do setor público em todos os poderes e níveis de governo. O grupo de trabalho foi ambicioso nas suas proposições. Aliás, é como deve ser em se tratando de uma reforma tão importante para a sociedade brasileira, com potencial de melhorar a qualidade do gasto público, ou seja, de cumprir a função social ao menor custo possível. Além disso, tem como consequência, o fortalecimento da legitimidade do Estado e da democracia, o que reforça a sua urgência. Nas próximas semanas, saberemos, também, se as propostas foram realistas no que diz respeito  ao apoio dos deputados.

Os desafios políticos e institucionais para aprovar a reforma administrativa

Devido à amplitude das mudanças propostas, a rapidez na elaboração do relatório, a inércia legislativa em relação ao temae  a existência de grupos organizados contrariados com as proposições, surgiram dúvidas em relação à real possibilidade de sua aprovação pelos deputados e, também, da sua implementação. São dúvidas consistentes em se tratando de tema tão controverso e com tantos interesses em disputa. 

Todavia, o presidente da Câmara tem reiterado que a aprovação dessa reforma é prioridade da sua gestão. Como sabemos, a dinâmica política de funcionamento do Congresso Nacional às vezes surpreende, e decisões são tomadas com muita rapidez quando há interesse. As reformas previdenciária e tributária são dois exemplos desse processo decisório, assim como a regulamentação da reforma administrativa de 1998 (Emenda 19), que não foi feita até hoje.

Da teoria à prática: como transformar propostas em resultados concretos

Aprovado o relatório pelo Congresso Nacional, passaremos à crítica etapa de implementação, onde enfrentaremos o desafio de superar as dificuldades da administração pública de entregar resultados, Justamente uma das deficiências que a reforma pretende corrigir. O não cumprimento, reiteradamente, das metas do Plano Nacional de Educação, a implantação incompleta do SUS e o fracasso para colocar em operação o Sistema Único de Segurança Pública evidenciam essa dificuldade. Esse é um desafio que precisa ser melhor enfrentado no debate sobre a reforma administrativa.

Este artigo pretende contribuir para o debate, partindo do princípio que a reforma administrativa deve ser entendida como um processo contínuo de aperfeiçoamento da gestão pública, em função das demandas da população e das mudanças culturais, políticas e tecnológicas ocorridas na sociedade. E, também, que ela se  desenvolve dentro de um ambiente de disputa política em relação ao  seu orçamento e pela direção das políticas públicas, por interesses políticos, corporativos e econômicos. 

Portanto, o ambiente de gestão do setor público tem dimensões políticas, culturais, legais e técnicas que precisam ser levadas em consideração nas propostas de reforma que pretendam realmente melhorar a prestação de serviços públicos à população.

Gestão por resultados: o elo entre eficiência e legitimidade democrática

Uma reforma como essa deve ter como objetivo melhorar a eficiência, eficácia e efetividade das políticas públicas através do  fortalecimento das capacidades de formulação, monitoramento, controle, inovação, avaliação e execução das políticas públicas. Isso pressupõe mudanças relevantes nas atuais regras de gestão e controle do setor público.  

A proposta em debate contempla mudanças apenas nas regras de gestão, ignorando a necessidade de reformular as de controle. A melhoria da prestação dos serviços públicos pressupõe, também, rever as atuais regras de controle, que priorizam mais os processos do que os resultados. 

O controle dos recursos disponíveis à administração pública tem por objetivo garantir que eles sejam efetivamente utilizados na prestação de  serviços públicos à população, e não desviados para outras finalidades ou para criar dificuldades excessivas na prestação de serviços.

Alcançar resultados com as limitações impostas à gestão com as regras atuais de controle impõe um custo alto para a administração pública, reduze a quantidade de serviços entregues à população, retarda o processo decisório, criansegurança jurídica para o gestor e aumenta o prazo de execução. Como inovar ou entregar resultados nesse ambiente de gestão restritivo à iniciativa gerencial? Incompetência gerencial não pode ser tratada da mesma forma de ações que desviam a aplicação de recursos públicos de suas finalidades. Entretanto, no setor público, questões de gestão são tratadas de forma muito restritiva pela legislação, fragilizando o processo de tomada de decisão e execução e expondo o gestor perante os órgãos de controle. Portanto, a proposta de reforma ora em debate deveria definir um processo de revisão das regras de controle a partir de ênfase em resultados, invertendo a lógica atual.

Essa revisão deve passar por aumentar a discricionariedade do gestor, dando mais liberdade de decisão e execução, e inovando nas formas de controle. Por óbvio, mantendo a vigilância com a má utilização dos recursos públicos. Isso pode ser conseguido aumentando a transparência dos processos de tomada de decisão e de execução, fortalecendo o controle social e a prestação de contas, e profissionalizando a administração pública. Em curto prazo, a proposta atual de reforma poderia recuperar os pontos vetados pelo presidente Michel Temer na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro-LINDB. Já seria um avanço imediato nas regras de controle, no sentido de facilitar a prestação de serviços.

Considerando a amplitude e profundidade das mudanças necessárias  nas regras de gestão e controle da administração pública, não parece ser possível fazer todas as mudanças em um único projeto e de uma única vez. Temos que ser seletivos e realistas em função das condições políticas e técnicas existentes para sustentar as mudanças. E, também, ousados e firmes na defesa dos interesses da população brasileira, que tem direito a um serviço público eficiente e de qualidade, o que o ex-inistro Bresser Pereira chamou de direito republicano. 

A criação dessas condições pressupõe um debate público regular, envolvendo todos os atores interessados, e a aprovação de propostas que tenham a capacidade de induzir a melhoria da gestão pública de forma contínua, como a gestão por resultados, além de promover um maior envolvimento do parlamento e da sociedade nesse debate. 

O debate público, particularmente desse tema,  é muito dependente da liderança do poder executivo, e esse tem sido um problema de difícil superação desde a reforma Bresser de quase 30 anos atrás. Os sucessivos governos, de diferentes perfis ideológicos, não colocaram no centro da sua agenda política a reforma da gestão pública. Infelizmente, um dos fatores dessa falta de interesse dos governos provém do fato de a população não perceber essa reforma como capaz de melhorar a sua qualidade de vida e não cobrar dos seus representantes o comprometimento com ela. A população cobra os resultados, mas não entende o papel importante de uma boa gestão para atender às suas demandas. Como sabemos, os governos funcionam melhor com pressão social.

Uma maneira de enfrentar esse desafio é ampliar e facilitar o controle social e a transparência dos governos.Para isso, é preciso comprometê-los com planejamento, metas, indicadorese prestação de contas, tendo em vista criar condições para uma maior cobrança da sociedade por resultados, o que levará os governos a investir na melhoria de gestão, pois não há outro jeito de atender à demanda com recursos escassos. A alternativa é passar uma imagem à sociedade de governo inepto e comprometer seu desempenho eleitoral futuro. Ao longo do tempo, a criação de uma cultura de gestão por resultados induzirá a melhoria na prestação de serviços e a valorização das políticas públicas de gestão. 

O papel do Parlamento e da sociedade na continuidade da reforma

Outra medida necessária é garantir a continuidade administrativa quando da troca de governo. Políticas públicas precisam de visão de longo prazo para darem resultados efetivos. Os resultados alcançados em um período de governo são importantes para que a população possa acompanhar o desempenho dos governos na direção dos objetivos de longo prazo. Uma forma de incentivar esse comportamento é estabelecer em lei indicadores estratégicos das políticas públicas e tornar obrigatório que os governos estabeleçam metas em relação a eles no seu período de governo, e, também, que mudanças de projetos em curso devem passar por uma avaliação pública de custo/benefício, e os resultados alcançados por cada governo devem ser amplamente divulgados tendo como referência os mesmos indicadores e as metas de longo prazo definidas para as políticas públicas. Esse processo deve ser feito de forma incremental, iniciando-se com as principais políticas e evoluindo na medida do interesse da sociedade. Os governos, por óbvio, devem ter a possibilidade de corrigirem projetos  que considerem equivocados, mas isso precisa ser feito dentro de parâmetros que preservem o interesse público e com ampla divulgação das justificativas que embasam as mudanças.  Esse tema merece uma maior atenção do Parlamento nesse projeto de reforma.

É preciso, também, definir como envolver o parlamento de forma contínua nesse debate. Não podemos esperar, apenas, que o Poder Executivo tome as iniciativas sobre reformas da gestão. Isso não tem sido suficiente. 

Para isso, deveríamos criar no parlamento uma organização com responsabilidade de acompanhar a implementação da reforma, assim como assessorar os parlamentares nos debates sobre a gestão. O Congresso Nacional já dispõe de uma entidade semelhante a essa, o IFI (Instituição Fiscal Independente), mas que só trata da questão fiscal. Portanto,urge que o parlamento se aproprie dos outros temas que envolvem a gestão pública, devido à sua importância para a vida em sociedade. 

Em síntese, há quatro dimensões que precisam ser consideradas para que uma reforma administrativa produza os resultados esperados pela sociedade: a cultural, a legal, a política e a técnica. 

A cultural tem a ver com a criação de uma cultura de resultados na administração pública. A técnica diz respeito ao desenvolvimento de competências organizacionais com foco na gestão por resultados e no aprendizado a partir das várias soluções de políticas públicas que funcionam em todo o país. A legal diz respeito às mudanças na legislação de gestão e controle. A política tem a ver com as resistências de grupos interessados na manutenção das regras atuais da administração pública, por interesses políticos, corporativos ou econômicos.

Há desafios nessas quatro dimensões tanto para a aprovação da reforma quanto para a implementação. Por isso, é necessário que as propostas para reforma da gestão pública sejam construídas a partir de um amplo debate na sociedade. É preciso de tempo para convencer a população e os parlamentares e, também, para produzir os efeitos desejados na prestação dos serviços públicos.

Não há tempo a perder.

Ricardo de Oliveira: Engenheiro de produção, foi secretário estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo (ES) entre 2005 e 2010 e secretário estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. É autor dos livros "Gestão Pública: Democracia e Eficiência" (2012) e "Gestão Pública e Saúde" (2020), publicados pela editora da FGV. Também é conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e membro do comitê de filantropia da UMANE.

A nota é de responsabilidade dos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais eles estão vinculados.

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