Transparência ativa não é só publicar dados: é mudar a cultura da gestão de pessoas
Resumo:
A transparência ativa é essencial para fortalecer a confiança da sociedade na administração pública. No campo da gestão de pessoas, ela exige muito mais do que boa vontade: demanda preparo técnico, governança de dados e servidores capacitados para coletar, tratar, analisar e divulgar informações de forma ética e acessível. Neste artigo, você descobre o caminho para estruturar trilhas formativas, desenvolver competências estratégicas e criar uma cultura organizacional orientada à transparência e à tomada de decisão baseada em evidências.
Índice:
O que é transparência ativa e por que ela é fundamental na gestão de pessoas
Do estratégico ao prático: como implementar a transparência ativa
Competências essenciais para lidar com dados no setor público
Governança, tecnologia e segurança: os pilares da gestão de dados
Da coleta à visualização: o ciclo completo da transparência ativa
Trilhas formativas: como capacitar servidores com foco em resultados
Checklist prático: transformando capacitações em ações concretas
Para além da formação: rumo a uma cultura de aprendizado contínuo e transparência institucional
O que é transparência ativa e por que ela é fundamental na gestão de pessoas
Transparência ativa é o princípio que consiste na divulgação de informações públicas de forma proativa, contínua e acessível, sem que seja necessário que os cidadãos solicitem essas informações às organizações públicas. É uma prática de suma importância para a prestação de contas, o fortalecimento da confiança da sociedade na administração pública e a promoção da participação cidadã. No contexto da gestão de pessoas nas organizações públicas, ser ativamente transparente corresponde a ter a iniciativa de disponibilizar dados sobre a composição de pessoal das organizações públicas.
Do estratégico ao prático: como implementar a transparência ativa
O processo de transparência ativa deve ser estabelecido a partir de uma perspectiva estratégica da organização, sendo desdobrado em diretrizes institucionais e políticas específicas no âmbito da gestão de pessoas. Com base nesse direcionamento, torna-se possível estruturar iniciativas formativas que atuem em dois níveis complementares: no individual, com o incentivo à busca autônoma por aprendizado e identificação de materiais de referência; e no coletivo, por meio da oferta de programas abrangentes de capacitação voltados ao desenvolvimento de gestores e servidores públicos de diferentes órgãos e esferas de governo (federal, estadual e municipal).
Embora possa parecer simples, para que essa transparência seja efetivamente incorporada nas organizações públicas, além do direcionamento estratégico e patrocínio de uma alta gestão comprometida com a transparência, é necessário que os servidores desenvolvam conhecimentos, habilidades e atitudes voltados para a transparência. Ou seja, que fortaleçam as competências-chave necessárias para coleta, tratamento, análise e divulgação dos dados sobre a gestão de pessoas no setor público.
Competências essenciais para lidar com dados no setor público
Em linhas gerais, essas competências correspondem desde os conhecimentos técnicos sobre legislação e padrões de dados abertos vigentes no Brasil; as habilidades no uso de ferramentas de tecnologia da informação necessárias para lidar com dados e informações; as capacidades de comunicação e design para tornar as informações compreensíveis e acessíveis; a aptidão para organização, padronização e análise de dados; até o compromisso com a ética, a transparência e o engajamento cidadão.
Para além disso, quando o assunto é impulsionar a transparência ativa, em especial sobre dados de gestão de pessoas no setor público, faz-se necessário compreender, primeiramente, o caminho a ser trilhado para possuir dados e poder divulgá-los ativamente. E isso envolve, em um momento inicial, garantir que as equipes envolvidas compreendam claramente as legislações e diretrizes estratégicas, os princípios de dados abertos a serem seguidos e as especificidades e boas práticas da gestão de pessoas no setor público. Além disso, é importante definir como se dará a governança de dados, por meio de diretrizes, políticas, definição de papeis e responsabilidades. Esses fundamentos propiciam a base para a continuidade do caminho a ser trilhado.
Governança, tecnologia e segurança: os pilares da gestão de dados
Em seguida, é necessário verificar a disponibilidade de dados na organização, catalogando dados existentes e buscando meios de coletar novos dados necessários e mantê-los atualizados. Esses dados devem ser organizados, tratados, anonimizados e ter sua segurança garantida para que possam, então, ser utilizados na geração de análises e materiais de divulgação. Como exemplos, podemos citar painéis interativos, relatórios com análises, infográficos, boletins informativos ou até mesmo a base de dados pronta para ser utilizada na geração de outras análises específicas que o usuário/cidadão desejar.
Da coleta à visualização: o ciclo completo da transparência ativa
Nesse cenário, o desenvolvimento de competências requer a estruturação de um percurso formativo consistente — uma jornada de aprendizagem planejada por meio de trilhas otimizadas — que vá além dos limites da teoria e avance para a prática. O objetivo é favorecer que conceitos e ideias sejam convertidos em melhorias tangíveis e mensuráveis para o setor público. A proposta de estruturação dessa jornada é apresentada a seguir.

1. Fundamentos |
Legislação e normas relacionadas: | • Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011): definição de quais informações devem ser publicadas e limites para dados sensíveis; • Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018): aplicação específica para proteção de dados de servidores; • Decretos e portarias locais: normativas específicas sobre transparência e gestão de pessoas (variam por ente federativo); • Lei nº 8.112/1990: regime jurídico dos servidores públicos federais (para órgãos federais) e legislações estaduais/municipais equivalentes. |
Princípios de dados abertos: | • Os 8 princípios fundamentais de dados abertos e como aplicá-los: completos, primários, atuais, acessíveis, processáveis por máquina, acesso não discriminatório, formatos não proprietários e livres de licenças; • Importância dos dados abertos para a sociedade e para a gestão pública. |
Alinhamento estratégico e Governança de dados: | • Alinhamento com os referenciais estratégicos institucionais; • Definição de atores, papéis e responsabilidades na gestão de informações dentro de cada etapa da utilização dos dados; • Definição de padrões de coleta, tratamento, análise, divulgação, armazenamento e descarte de dados; • Organização e gestão de bases de dados; • Ética no uso de dados. |
Conhecimentos específicos sobre gestão de pessoas: | ➤ Indicadores: • Definição e monitoramento de KPIs de gestão de pessoas; • Uso de dados para planejar treinamentos e estratégias de retenção. • Planejamento de força de trabalho: • Métodos para prever aposentadorias, lacunas de competências e necessidades de contratação; • Planejamento estratégico de pessoal baseado em dados. • Promoção da diversidade e inclusão: • Monitoramento e divulgação de indicadores de diversidade no quadro de servidores; • Uso de dados para promover políticas inclusivas e equitativas. • Compliance em gestão de pessoas: • Como garantir a conformidade com leis e regulamentos internos. • Auditorias e controle interno em dados de pessoal. |
2. Coleta |
Mapeamento e catalogação de dados existentes e coleta de novos dados: | • Identificação das fontes de dados e dados disponível na organização, por exemplo: ⊙ Estrutura organizacional: organogramas e divisões de cargos e funções; ⊙ Dados de pessoal: número de servidores, cargos ocupados, vagas em aberto, aposentadorias, e contratações temporárias; ⊙ Dados financeiros: despesas com folha de pagamento, benefícios e encargos; ⊙ Diversidade e inclusão: perfis demográficos de servidores (respeitando a LGPD); ⊙ Indicadores de desempenho: absenteísmo, turnover e avaliações de desempenho. • Catalogação de dados primários e sua relevância para o interesse público; • Identificação da necessidade de coletas de novos dados. |
Ferramentas tecnológicas: | • Sistemas de Recursos Humanos utilizados no setor público; • Sistemas de informação para coleta e armazenamento de dados; • Ferramentas para integrar dados de diferentes setores; • Conhecimentos sobre o uso das ferramentas de tratamento de dados como Excel, Power BI, SQL. |
3. Padronização e tratamento |
Padronização: | • Noções de como estruturar dados para facilitar a comparação entre períodos ou com outras organizações públicas; • Criação de tabelas e relatórios que atendam a padrões abertos (CSV, JSON, XML). |
Qualidade e limpeza dos dados: | • Verificação de consistência e precisão; • Técnicas de limpeza e tratamento de dados para evitar redundâncias e erros; • Validação e verificação de informações, como cruzamento de dados de folha de pagamento e benefícios. |
Anonimização e segurança da informação: | • Métodos de anonimização de dados sensíveis; • Técnicas para proteger informações pessoais e sigilosas. |
4. Análise e visualização |
Ferramentas: | • Ferramentas para visualização (Tableau, Power BI, Looker Studio); • Criação de gráficos e tabelas claras e acessíveis. |
Análise de dados: | • Introdução a estatística básica para análise de dados; • Interpretação de dados e identificação de padrões relevantes. |
Design da informação: | • Apresentação de dados de forma compreensível para públicos variados; • Técnicas de storytelling para dados; • Boas práticas para portais de transparência e relatórios públicos. |
5. Divulgação |
Estratégias de comunicação: | • Compreensão dos públicos que irão consumir a informação e como atendê-los (linguagem, formatos etc.); • Geração de produtos de dados que atendam às necessidades desses diferentes públicos: painéis de dados interativos, relatórios, infográficos, newsletters, bases de dados; • Técnicas de comunicação clara e objetiva; • Uso de plataformas digitais e redes sociais para ampliação do alcance; • Criação e manutenção de portais de transparência. |
Acessibilidade: | • Conhecimento das diretrizes de acessibilidade (WCAG); • Adaptação de informações para públicos com necessidades especiais; |
6. Monitoramento |
Acompanhamento (feedback): | • Definição e monitoramento de KPIs para transparência e acesso à informação; • Avaliação da efetividade das políticas de transparência; • Medição da utilização e impacto dos dados divulgados; • Coleta de feedback sobre a usabilidade dos dados e informações públicas; • Ferramentas para monitorar o uso de dados abertos. |
Melhoria contínua: | • Monitoramento de inovações tecnológicas e melhores práticas; • Participação em cursos e eventos sobre transparência e governança; • Atualizações periódicas sobre novas legislações e tecnologias; • Compartilhamento de aprendizados intraorganizacional e com organizações similares. |
A realização deste trabalho exige que as equipes envolvidas possuam as competências necessárias. Entretanto, um servidor pode ficar responsável por apenas parte das atividades envolvidas nesse processo de geração, análise e divulgação de dados, não sendo obrigatório dominar todas essas competências. Para abordar as principais competências que podem ser desenvolvidas, considere três perfis distintos que podem se envolver nessas atividades.
Perfis profissionais e suas competências na gestão de dados públicos:
A) Equipes técnicas que atuam na operacionalização: semelhantes aos engenheiros e cientistas de dados, são profissionais com visão técnica aprofundada, principalmente de elementos mais próximos da Tecnologia da Informação (TI), focados no uso de ferramentas mais complexas, programação, segurança da informação, entre outros;
B) Equipes técnicas que auxiliam na análise dos dados com a visão de negócio: são profissionais que trazem para os dados uma visão estratégica da gestão de pessoas, aprofundando a compreensão dos dados com base nas melhores práticas de gestão de pessoas e no contexto organizacional;
C) Gestores e servidores que consomem os dados: profissionais que compõem principalmente a alta gestão, mas não se limitando apenas a esse grupo, que observam os dados e análises com vistas a subsidiar uma tomada de decisão organizacional mais assertiva e para a formulação de melhoria da gestão de pessoas do órgão.
Considerando que o objetivo no uso dos dados para cada um desses perfis é diferente, da mesma maneira são distintas as competências a serem desenvolvidas por cada um deles para alcançar esses objetivos.
Trilhas formativas: como capacitar servidores com foco em resultados

A promoção do desenvolvimento de competências voltadas à transparência ativa configura-se como uma agenda de grande relevância, cuja efetiva implementação demanda preparo técnico, visão estratégica e fortalecimento institucional. Trata-se de um processo que requer direcionamento claro para a formação de pessoas, com foco na construção de capacidades internas alinhadas aos desafios presentes e futuros.
Nesse contexto, o propósito é orientar as organizações públicas a refletir estrategicamente sobre como gerar e fortalecer capacidades institucionais, capazes de fomentar soluções sustentáveis e efetivas. A partir da proposta de trilhas de desenvolvimento apresentada, é fundamental traduzir as competências-chave identificadas em ações concretas que garantam o aproveitamento pleno das formações.
As trilhas sugeridas, estruturadas conforme diferentes perfis profissionais, possibilitam o enfrentamento de desafios atuais — respondendo às necessidades imediatas —, ao mesmo tempo em que preparam os indivíduos e as instituições para lidar com cenários futuros. Esse enfoque contribui para a construção de uma cultura organizacional orientada à aprendizagem contínua e à antecipação de demandas. A certeza de que estamos permanentemente fortalecendo competências é, sem dúvida, um aliado essencial para o desenvolvimento institucional.
A seguir, apresentam-se cinco etapas fundamentais para a aplicação do desenvolvimento de competências com foco na geração de resultados:
i) Definir os temas prioritários: identificar os assuntos que merecem atenção imediata;
ii) Estabelecer os conteúdos essenciais: compreender os fundamentos indispensáveis para atuação qualificada;
iii) Construir uma trilha formativa customizada: adaptar os percursos de aprendizagem conforme o perfil e a necessidade mais prementes;
iv) Aprofundar os estudos com foco na aplicação prática: transformar conceitos em ações concretas no dia a dia organizacional;
v) Integrar a capacitação às atividades do trabalho: planejar a formação de forma conciliadora com as atividades profissionais.
Checklist prático: transformando capacitações em ações concretas
Como proposta complementar, sugere-se a criação de um checklist prático, que permita às organizações testarem, de forma ágil e simples, os aprendizados adquiridos nas capacitações. Esses testes devem ser aplicados preferencialmente antes de iniciar novos conteúdos ou etapas formativas, funcionando como instrumento de consolidação do conhecimento. É fundamental que essa lista de verificação seja seletiva, enxuta, acessível e evolutiva, priorizando ações de alto valor agregado e impacto real no desempenho institucional.
Para além da formação: rumo a uma cultura de aprendizado contínuo e transparência institucional
Em síntese, a simplicidade é um fator determinante para a efetividade na implementação das trilhas de desenvolvimento e, por conseguinte, a aplicação dos aprendizados. Seguindo essa lógica, ao adotar uma jornada formativa estruturada — ou personalizá-la conforme as necessidades da organização —, caminhamos rumo a instituições públicas mais transparentes, efetivas e orientadas por evidências.