Por Aline Iglez

Apesar dos inúmeros avanços observados em nossa sociedade, o mundo do trabalho, de uma maneira geral, ainda é bastante desigual para homens e mulheres. Assim como também percebemos desvantagens relacionadas à questão racial e pela população LGBT, que não podem ser esquecidas. No entanto, considerando que falar de tudo isso é muita coisa, a ideia do artigo é estabelecer algumas discussões e reflexões sobre os desafios e vitórias experimentados por servidoras públicas brasileiras, especialmente as que optaram pela maternidade. 

Em tempos de Covid-19, difícil começar o texto sem abrir um breve parágrafo quanto ao que estamos vivenciando em nosso país e no mundo. A imposição do isolamento social e o fechamento das escolas, em especial, acabou acalorando algumas questões de longa data. Um dado que pode ser observado nas redes e que tem sido abordado pela mídia, sobre a nova situação, ao menos para o extrato privilegiado da sociedade (e muitos servidores públicos estão aqui incluídos), que pode trabalhar em regime de home office, diz respeito ao fato de homens e mulheres estarem, circunstancialmente, no mesmo barco. Muitas famílias estão confinadas, em tempo integral, com a presença de suas crianças, também impedidas de frequentar as escolas. Não sabemos os efeitos desse experimento forçado, mas é indiscutível que se trata de um fenômeno social, com potencial para provocar mudanças na forma de divisão do trabalho doméstico e do cuidado com as crianças. Essa emergência sanitária, além de impactos para a saúde e economia, também pode impactar nossa sociedade de outras maneiras. 

Mas, voltando ao ponto, pensando em quanto esforço adicional, mulheres que optaram pela maternidade precisam fazer para vislumbrar uma carreira de sucesso, não é a intenção discorrer sobre receitas mágicas ou generalizar situações. Até porque, cada mulher tem particularidades em sua vida: redes de apoio (ou a falta dela), prioridades, situação socioeconômica, presença ou ausência de parceiro (a), entre outros aspectos. Mas, em comum, todas sofrem com questões relativas à auto-cobrança e ao dilema quanto à melhor maneira de conciliar filhos com uma carreira satisfatória. 

No Brasil, os primeiros normativos trabalhistas que conferiam proteção à maternidade, datam de 1932, quando foi garantido a mulheres dos setores público e privado quatro semanas de descanso, antes do parto, e outras quatro semanas de descanso, após o parto. Nesse período, era garantida metade do salário às mulheres. Embora o setor público brasileiro ainda demande avanços, quanto às condições de trabalho e benefícios oferecidos, em apoio à parentalidade, é possível observar vantagens para homens e mulheres, em relação à iniciativa privada. Um exemplo dessa diferença diz respeito às licenças maternidade e paternidade. A licença-maternidade é garantida pela Carta Constitucional de 1988, a todas as mulheres que efetuam contribuição previdenciária, seja ela para o regime geral de previdência, ou para o regime único, no caso das servidoras. No caso da iniciativa privada, a licença garantida é de 120 dias para as mães e de 5 dias para os pais. 

Em 2008, por meio da promulgação de um Decreto Federal, ambas as licenças são estendidas por até 180 e 20 dias, respectivamente, no caso dos servidores públicos e das empresas que decidem aderir ao Programa Empresa Cidadã. Esse é um bom exemplo de política iniciada por governos estaduais e municipais e que, de forma discricionária e fomentada por incentivos, tem sido seguida por parte da iniciativa privada. 

Em entrevista recente à Folha de São Paulo, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, sugeriu a extensão da licença-maternidade pelo período de um ano, o que garantiria a prolongação do tempo de amamentação. No entanto, especialistas afirmam que mudanças como essa, podem acabar tendo um impacto negativo nas oportunidades de trabalho para as mulheres. Uma das alternativas, nesse sentido, seria a adoção de uma modelo semelhante ao praticado na Suécia, por exemplo, em que pais e mães contam com a possibilidade de compartilhar parte do benefício. Na realidade, já existe um Projeto de Emenda Constitucional, de autoria da senadora Eliziane Gama (Cidadania- MA), que tramita com a proposta da substituição da licença-gestante por uma licença parental compartilhada, que teria a duração de 180 dias. Essa medida seria mais um passo importante da sociedade brasileira, na busca por maior igualdade de gênero nas relações de trabalho. 

O Estado deve estar permanentemente comprometido na promoção de uma sociedade mais justa e igualitária, tendo assim a missão de implementar políticas públicas com esse objetivo. Nesse sentido, o setor público tem a missão de se apresentar como o maior exemplo a ser seguido pelo restante da sociedade, tomando a dianteira em ações afirmativas e garantindo a diversidade e a representatividade nos cargos públicos. O concurso público também pode ser considerado um instrumento a esse serviço, já que viabiliza o ingresso de servidores sem distinção de raça, credo, gênero, ou qualquer outro fator além do conhecimento e capacidade técnica. Ou seja, não oferece qualquer espaço para a discriminação – embora as oportunidades educacionais e de capacitação profissional que antecederam a aprovação possam permanecer objeto de discussão. 

Mas, para além disso, nós, servidoras públicas, devemos ter clareza quanto ao papel e à importância de todo o espaço conquistado, considerando que sua ampliação tem o potencial de refletir no restante da sociedade. Não é o objetivo dos órgãos governamentais a obtenção do lucro, por isso mesmo, o setor público pode (e deve) ser um espaço privilegiado para a experimentação e o desenvolvimento de novas políticas de promoção de um ambiente de trabalho mais equânime, para homens e mulheres, levando em conta também a parentalidade como um aspecto natural da vida e da sociedade. 

A possibilidade do compartilhamento de uma licença parental parece ser um grande sol, brilhando no final do túnel. Assim como já existe um Projeto de Lei proposto pelo Ministério Público do Trabalho, governos estaduais e municipais poderiam tomar a dianteira em proposições relativas a esse modelo de licença. Casos exitosos tendem a ser seguidos e podem influenciar a aprovação da legislação no âmbito federal e sua adoção pelo restante da sociedade. O mundo do trabalho precisa enxergar a parentalidade de uma outra forma e o setor público pode assumir o protagonismo, nessa direção. Inclusive, é importante lembrar aqui que a parentalidade, por meio da adoção e de novas tecnologias em reprodução humana, pode ser exercida, nos dias de hoje, em múltiplos formatos – e não apenas por casais heteroafetivos, exigindo a respectiva evolução normativa 

No entanto, ressalto aqui a importância do envolvimento das mulheres nessa luta, que deve ser nossa, em primeiro lugar. As mulheres devem apoiar umas às outras nesse processo de conscientização e mudança de toda uma cultura, da compreensão que que um filho pode ser ou não uma escolha, mas que não signifique renúncias ou sobrecarga para elas. Tomando a licença, aqui, de mencionar situações particulares, mas que, certamente, podem refletir a realidade de muitas de nós, compartilho duas experiências que me marcaram irremediavelmente. A primeira, logo no início de minha carreira no serviço público estadual, aconteceu quando ouvi de outra mulher, que era mãe (assim como eu) e a superintendente do setor, que filho não era problema, era solução. Não entendi muito bem, à época, o significado daquela afirmação. Anos mais tarde, já ocupando uma função de liderança, me deparei com a mesma situação, em papéis invertidos. Não hesitei em apoiar a seleção de uma servidora muito capacitada, mãe de duas crianças pequenas e já afastada do mercado havia algum tempo. O resultado não poderia ter sido melhor, para ela, para a equipe e para a população atendida. 

Não deve haver dúvidas quanto ao poder que uma mulher tem de influenciar a vida de outras mulheres e que ações individuais podem, sim, contribuir para a mudança de toda uma cultura. Nesse sentido, a discussão quanto à necessidade de mais mulheres em postos de liderança deve ser permanente, pois a tendência é que essa ampliação de espaço promova também um ambiente de trabalho mais igualitário. E, como já colocado, o setor público deve dar o exemplo, ampliando a ocupação de cargos de chefia e de funções estratégicas por mulheres, de forma institucional e sistêmica. Mais mulheres em posições da alta gestão tendem a afetar positivamente na formulação de políticas de promoção de um ambiente mais igualitário e mais justo, no setor público e fora dele.

 

Aline Inglez é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, tendo ingressado na gestão estadual do Rio de Janeiro, por concurso público, no ano de 2012. Possui graduação em psicologia e pós-graduação em psicologia jurídica, ambas pela UERJ, e mestrado e doutorado na área de políticas públicas, pela ENSP/FIOCRUZ. Atuou na Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Políticas para Mulheres e Idosos/RJ como Superintendente de Promoção dos Direitos Humanos e como Subsecretária de Direitos Humanos, Justiça e Cidadania, entre 2016 e 2018. Mais recentemente, foi Assessora Especial, na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos/RJ, e Assessora de Assuntos Estratégicos, na Secretaria de Estado da Casa Civil e Governança/RJ. Fez parte da primeira coorte do Programa Columbia Women’s Leadership Network in Brazil, como bolsista do Instituto República e, atualmente, é estagiária do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia, da Escola Superior de Guerra. Aline também é líder da Rede República.

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