República.org, Transparência Brasil, Associação Fiquem Sabendo, CLP – Centro de Liderança Pública, Movimento Pessoas à Frente, Livres, Plataforma JUSTA e Transparência Internacional – Brasil solicitam ao Presidente da República o veto ao artigo 17 do PL 2.829/2025, que cria a licença compensatória no TCU. O dispositivo legaliza, em âmbito federal, um penduricalho já usado por Judiciário e Ministério Público, até hoje amparado apenas por atos administrativos.
O texto aponta risco de efeito cascata, elevação dos supersalários e baixa transparência. Trata-se de um adicional de alto impacto fiscal e pouca racionalidade, cuja aprovação reduziria a chance de revisão futura. O ofício reúne dados e argumentos técnicos que demonstram por que a medida contraria o interesse público e requer veto imediato.
Brasília, 09 de dezembro de 2025
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Assunto: Solicitação de veto presidencial ao art. 17 do Projeto de Lei n.º 2.829/2025 (alterações à Lei n.º 10.356/2001 – Plano de Carreira do TCU), que institui a licença-compensatória.
Excelentíssimo Senhor Presidente,
Cumprimentando-o cordialmente, as organizações signatárias dirigem-se respeitosamente a Vossa Excelência para solicitar o veto integral ao art. 17 do Projeto de Lei n.º 2.829/2025, aprovado pelo Congresso, que dispõe sobre o quadro de pessoal e o plano de carreira do Tribunal de Contas da União. O referido dispositivo cria a “licença-compensatória”, concedendo dias de folga em razão do exercício de funções relevantes e acúmulo de atividades, com possibilidade de conversão dessa licença em indenização pecuniária, nos seguintes termos:
Art. 17-A. Sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens pecuniárias, os servidores da Carreira de Especialista do Tribunal de Contas da União que exercem função de confiança serão obrigatoriamente enquadrados em regime especial de dedicação ao Tribunal de Contas da União e terão direito à licença compensatória em virtude do exercício de função relevante singular e do acúmulo de atividades extraordinárias.
§ 1º A licença compensatória a que se refere o caput deste artigo será regulamentada pelo Tribunal de Contas da União, observadas as seguintes regras:
I – será concedido, no mínimo, 1 (um) dia de licença para cada 10 (dez) dias de efetivo exercício e, no máximo, 1 (um) dia de licença para cada 3 (três) dias de efetivo exercício, vedada qualquer diferenciação entre os titulares de funções comissionadas de mesmo nível de retribuição;
II – serão considerados como de efetivo exercício, para todos os efeitos deste artigo, os dias de disponibilidade em finais de semana, em feriados e em outros intervalos de folga e as situações previstas no art. 77, nos incisos I, II e V do caput do art. 81, nos incisos I, II e III do caput do art. 97 e nos arts. 207, 208 e 210 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990;
III – estará condicionado ao interesse da administração o gozo de licença compensatória, consideradas a conveniência administrativa e a continuidade do serviço público, admitida sua conversão em pecúnia em razão da necessidade do serviço público.
§ 2º O Tribunal de Contas da União poderá indenizar os dias de licença compensatória adquiridos nos termos deste artigo e não gozados pelo servidor em razão da necessidade do serviço público, observadas as seguintes regras:
I – o valor da indenização por dia de licença compensatória ou sua fração corresponderá ao montante equivalente à remuneração do dia de trabalho do servidor, calculado à razão de 1/30 (um trinta avos) da remuneração total do respectivo servidor, sem incidência de imposto de renda e de contribuição previdenciária;
II – o servidor deverá apresentar requerimento formal de conversão da licença compensatória em pecúnia, condicionado o deferimento do pedido à disponibilidade orçamentária e financeira.
§ 3º Até a edição do regulamento a que se refere o § 1º deste artigo, a licença compensatória será concedida aos servidores de que trata o caput deste artigo na proporção de 1 (um) dia de licença para cada 10 (dez) dias de efetivo exercício, não podendo exceder a 3 (três) dias de licença por mês.
Se sancionado, o projeto criará a “licença-compensatória” em lei federal, penduricalho hoje inexistente em norma legal. Ressaltamos que a legislação geral aplicável aos servidores públicos da União – Lei n.º 8.112/1990 (Regime Jurídico Único dos Servidores Federais) – não contempla benefício análogo; pelo contrário, benefícios semelhantes já foram suprimidos do ordenamento federal há décadas, em prol da racionalização administrativa e do controle de gastos. A título de exemplo, a licença-prêmio por assiduidade – que concedia licenças remuneradas por tempo de serviço – foi extinta no âmbito federal pela Lei n.º 9.527/1997.
A licença-compensatória origina-se na Resolução CNMP nº 256/2023, que desvirtuou a gratificação por exercício cumulativo, criada no Ministério Público da União pela Lei nº 13.024/2014 e no Judiciário da União pelas leis nº 13.093/2015 (Justiça Federal), nº 13.094/2015 (Justiça do Distrito Federal e dos Territórios), nº 13.095/2015 (Justiça do Trabalho) e nº 13.096/2015 (Justiça Militar da União). Trata-se de uma manobra para desvirtuar um benefício originalmente de caráter remuneratório em uma indenização mediante folgas convertidas em pecúnia. Esse artifício visa, unicamente, a inobservância do teto remuneratório constitucional.
O Judiciário deu aval, tacitamente, à replicação da licença-compensatória com a Resolução CNJ nº 528/2023. Na Justiça da União, o penduricalho também foi instituído pela via infralegal (Resolução STJ/GP nº 35/2023, Resolução CJF nº 847/23, Resolução CSJT nº 372/2023, Resolução TJDFT nº11/2023 e Questão administrativa STM nº 001800/23-01.121). Nos subnacionais, algumas Assembleias Legislativas aprovaram leis específicas estabelecendo a licença-compensatória, mas o panorama geral também é de instituição pela via infralegal.
Neste contexto, a sanção integral do PL 2.829/2025 acarretará sério risco de efeito multiplicador indesejado. Uma vez aprovada para o TCU, essa benesse tende a servir de precedente legal e incentivo para que outros órgãos e poderes busquem instituir ou consolidar vantagens semelhantes. O resultado previsível é um efeito cascata, com a proliferação do benefício em múltiplas carreiras e entes federativos, multiplicando exponencialmente os custos para os cofres públicos. Exemplo imediato é o PL nº 6.070/2025, aprovado pelo Senado em 3.dez.2025 e atualmente sob apreciação pela Câmara, que cria a licença-compensatória passível de ser usufruída por servidores efetivos e comissionados.
A sanção do projeto, assim, amplia sobremaneira o risco fiscal e gerencial, pela sua potencial replicabilidade. Institucionaliza-se um adicional ao contracheque sem contrapartida de melhora de produtividade, que poderá ser acionado continuamente pelos servidores elegíveis, dependendo apenas da disponibilidade orçamentária do órgão. Tal característica agrava a inflexibilidade do gasto público, dificultando o planejamento fiscal de médio e longo prazo, e contraria o esforço nacional de controle de despesas obrigatórias com pessoal.
Estudo conjunto1 da Transparência Brasil e do República.org identificou que o Judiciário pagou pelo menos R$ 1,2 bilhão a título de licença-compensatória em 2024 a 10,7 mil magistrados, sem incidência do teto constitucional, evidenciando a banalização do benefício.
Ressaltamos que, uma vez incorporados em legislações específicas, benefícios dessa espécie são de difícil reversão. Portanto, vetar o dispositivo em questão agora, na origem, é medida preventiva para evitar que se consolide um precedente que fragilize ainda mais o controle de gastos públicos e a igualdade de tratamento no serviço público nacional.
Não à toa, a concessão de folgas para compensar acúmulo de serviço está combatida na proposta de reforma administrativa materializada na PEC nº 38/2025, originada do grupo de trabalho da reforma administrativa da Câmara.
Outro ponto de preocupação é a dificuldade de controle e a baixa transparência associadas a vantagens como a proposta. Por serem indenizatórias e excluídas do teto salarial, esses penduricalhos costumam escapar do escrutínio público mais amplo, aparecendo apenas em dados fragmentados de folhas de pagamento. A experiência com outros penduricalhos demonstra a dificuldade em acompanhar e limitar essas despesas quando pulverizadas em diferentes órgãos. Assim, a criação da licença-compensatória acarretaria um elemento extra de opacidade na gestão de gastos com pessoal, contrariando os princípios da transparência e da responsabilidade na administração pública.
Por todas as razões expostas, consideramos imperativo o veto integral ao art. 17 do PL n.º 2.829/2025. Essa medida preservará a observância do interesse público e evitará a introdução de um benefício oneroso que provavelmente desencadeará impactos financeiros sistêmicos. Ressalta-se que o veto não afeta os demais dispositivos do projeto, garantindo-se, assim, que eventuais melhorias ou reajustes pertinentes às carreiras do TCU aprovados pelo Parlamento sejam mantidos – excetuando apenas o elemento que claramente extrapola os limites do razoável na gestão pública.
Na expectativa de sermos atendidos neste pleito, reiteramos nossa elevada consideração e respeito. Colocamo-nos à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais que se façam necessários.
Assinam esse ofício:
Transparência Brasil
Associação Fiquem Sabendo
CLP – Centro de Liderança Pública
Movimento Pessoas à Frente
Livres
República.org
Plataforma JUSTA
Transparência Internacional – Brasil