Dados apontam que o país está longe de alcançar meta do Plano Nacional de Educação

Por Stella Tó Freitas e Paula Frias

Um levantamento inédito da República.org revela que o perfil de contratação de professores indígenas no ensino básico do Brasil é preocupante. Enquanto 26% de todos os docentes têm vínculos temporários, entre os indígenas a proporção de temporários é de 73,9%. 

Na rede pública, mais de dois milhões de professores estão ligados à educação básica, sendo 58,3% efetivos. Dados do Censo Escolar de 2020, no entanto, indicam que apenas 19,9% de todos os docentes indígenas são efetivos.

Nas escolas especializadas em educação escolar indígena, os contratos efetivos correspondem a 15,3% dos casos.

“Esse é um dado preocupante por mostrar que os indígenas estão presentes nas escolas sem vínculo efetivo e em um formato de contratação que pode ser mais precário”, explica a professora de direito administrativo Vera Monteiro, vice-presidente do conselho da República.org. “A contratação temporária é por um tempo determinado, sem a garantia de que vão continuar em sala de aula.”

Impactos do racismo estrutural e legislação precária

O levantamento da República.org sinaliza, ainda, para um cenário diferente do estabelecido pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para o período de 2014 a 2024.

Em uma das estratégias para a realização da meta 18, o plano previa que, até 2017, pelo menos 90% dos profissionais do magistério teriam cargos efetivos.

“Dentro da realidade da rede pública de ensino brasileira, já não vemos a meta de 90% de efetivos entre professores, mas quando olhamos especificamente para os números de docentes indígenas essa situação parece ser ainda mais preocupante”, destaca a cientista social Vanessa Campagnac, gerente de Dados e Comunicação da República.org. 

De modo geral, as contratações das redes públicas de ensino no Brasil estão longe da meta do PNE, como indica o levantamento — um contexto que se agrava entre os professores indígenas.

Na análise do filósofo Dilmar Puri, do povo Puri, o cenário resulta do racismo estrutural, que se reflete também nas formas de contratação dos servidores indígenas. 

“Há relatos de muitas lideranças indígenas afirmando que os contratos de trabalho para docentes indígenas são mais precários e breves, fruto do racismo estrutural da nossa sociedade”, diz o especialista indígena, mestrando em relações étnico-raciais pelo CEFET-RJ.

Para Vera Monteiro, “a contratação por tempo determinado não é, por si só, sinônimo de contratação precária”. “A questão é que a legislação dos entes subnacionais sobre o tema não é de boa qualidade e ocasiona sérios problemas de governança no uso do instrumento”, analisa. 

Lei garante o ensino de cultura indígena nas escolas 

Em 2008, foi aprovada a Lei nº 11.645/08, que torna obrigatório o ensino de cultura e história indígena nas unidades educacionais públicas e privadas de ensino fundamental e médio do país. Esse instrumento expandiu a Lei nº 10.639/03, que já garantia o ensino de cultura e história afro-brasileiras. 

No diagnóstico de Puri, a elaboração de leis não é suficiente: é preciso mais empenho do Estado. “As legislações precisam estar acompanhadas por uma agenda de governo voltada ao tema e por um protagonismo indígena. O ensino de cultura, história e línguas para estudantes indígenas e não-indígenas precisa passar por um olhar de formação indígena”, reforça o filósofo, que defende discutir de forma urgente a criação de universidades indígenas no Brasil.

No país, há 305 diferentes etnias e 274 línguas indígenas faladas, de acordo com o Censo do IBGE de 2010.

A Constituição Federal diz que a multiplicidade de vivências, as experiências e a pluralidade cultural dos povos originários devem ser preservadas pelo Estado brasileiro. 

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