Eufrásia Souza, defensora pública do Rio de Janeiro, no recebimento da medalha Tiradentes.

Por Júlia Sena 

     Pela primeira vez em duas décadas, o trabalho infantil no mundo aumentou e atualmente atinge 160 milhões de crianças e adolescentes. No Brasil, 1,8 milhão de jovens estão nessa situação, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Os números podem crescer ainda mais, já que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alertam que 8,9 milhões de crianças no mundo podem ingressar no trabalho infantil até 2022 em decorrência da pandemia de Covid-19. Mas é importante observar as condições que contribuem para o aumento desses números e entender de que forma as instituições públicas podem agir para eliminar essa prática difundida em todo o país.

         No Rio de Janeiro, a Defensoria Pública do estado tem buscado aproximar a população de suas ações e traçar reflexões sobre o problema a partir de uma outra ótica. Desde 2001, a Defensoria tem a Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica). Ela foi criada inicialmente para prestar atendimento aos jovens que cumpriam medida no Degase, órgão responsável pela aplicação de medidas socioeducativas a jovens que infringem a lei.

“No tráfico, os meninos são vistos apenas como adolescentes que cometem atos infracionais e não como inseridos em uma das piores formas de trabalho infantil”

Eufrásia Souza

Souza é uma das profissionais responsáveis pelas mudanças na instituição. Defensora pública há quase 26 anos, ela atua na defesa dos direitos de crianças e adolescentes há cerca de duas décadas e acredita que o problema do trabalho infantil está diretamente ligado à desigualdade social. Enquanto outros problemas que atingem crianças e adolescentes afetam todas as classes sociais, esse tem um perfil específico. “É muito sintomático de uma crise que vivemos no país, onde isso não é visto como prioridade. Quando naturalizamos uma criança na rua vendendo bala ou pedindo dinheiro para sobreviver, já perdemos muito do que deveria ser o senso de humanidade”, argumenta.

Para Souza, o serviço público além de ter um papel na luta contra o trabalho infantil, também deve promover a aprendizagem de crianças e adolescentes. “Para além de oferecer outras alternativas, é importante ver o que desperta interesse neles”, diz.  Ela acrescenta ainda que existe uma defasagem escolar muito grande nos jovens que estão no serviço de acolhimento, os espaços conhecidos popularmente como abrigos.

Ela enxerga que a formação em direitos humanos é fundamental para o defensor público que atue em qualquer área. Os candidatos que chegam ao concurso são provocados a refletirem sobre o tema já nas próprias questões da prova. A defensora recorda que em exame recente uma das questões trazia um poema de Conceição Evaristo, escritora brasileira consagrada nacionalmente.

         Em 2015, enquanto atuava como coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Polícia Militar realizou ações para coibir arrastões nas praias do Rio e apreendeu dezenas de jovens em ônibus vindos de comunidades. Seu nome ganhou projeção nacional após fazer o pedido de habeas corpus para proibir a prática, já que muitos dos adolescentes eram conduzidos à delegacia sem terem cometido qualquer tipo de delito. No mesmo ano, ela foi homenageada com a Medalha Tiradentes, uma honraria concedida pelo Governo e destinada a premiar pessoas que prestaram relevantes serviços à causa pública do Estado do Rio de Janeiro.

         Souza afirma que o serviço público não é um favor prestado pelo estado, mas sim um direito de toda a população. Sua função é entender os problemas da sociedade e pensar nas diferentes formas que podem levar à sua solução, de modo que o único lucro almejado esteja na promoção de uma sociedade mais justa e igualitária. Ela acredita que o trabalho desenvolvido pela instituição tem sido pautado na escuta, integração entre órgãos e participação da sociedade. Para ela, não é possível desenvolver esta atividade sem ouvir as pessoas que mais precisam dos serviços. “Temos que buscar essa articulação constante, permanente e, parafraseando Milton Santos, ‘ir onde o povo está’”.

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