A atual estrutura administrativa do Poder Executivo Federal adotou o modelo de gestão de serviços compartilhados para as áreas de suporte administrativo1. Via de regra, os ministérios novos (ou recriados) têm uma pequena unidade de gestão, organizada para executar diretamente as atividades mais simples, devendo demandar serviços operacionais de maior complexidade e/ou especializados dos órgãos provedores, com equipes estruturadas para esse atendimento. Não é uma situação transitória de início de mandato, mas uma decisão do novo governo de implementar uma estratégia institucional para gerar eficiência e qualidade nos serviços de suporte administrativo, além de conter a pressão pelo aumento dos gastos que a replicação das atividades geraria caso todos os ministérios precisassem montar ou remontar áreas de suporte administrativo nas dimensões usuais. Atualmente existem 8 ministérios provedores e 13 ministérios demandantes. 

Serviço Público Compartilhado é uma forma de executar as atividades passíveis de padronização, distribuindo o serviço contratado em vários outros órgãos. O objetivo é proporcionar ganhos de produtividade, qualidade e economicidade da força de trabalho. Prestar serviços administrativos compartilhados possibilita que os órgãos providos possam investir atenção institucional em suas atividades finalísticas, aperfeiçoando suas entregas finais e focando o seu esforço em políticas públicas que agreguem valor para a sociedade.

As formas de compartilhar serviços públicos são praticadas no mundo e no Brasil há décadas. No Governo Federal, em 2022, a Central de Compras atendeu 4.642 unidades, e foram celebrados 1.465 contratos oriundos das compras centralizadas, gerando uma economia de cerca de 1 bilhão de reais2. Portanto, o modelo não é novo, mas a atual configuração é uma inovação da gestão pública. O compartilhamento de serviços passa a fazer parte da rotina dos órgãos, com a provisão centralizada de serviços de rotina, e não somente de forma mais específica, como no caso da Central de Compras. 

Esse movimento está sendo impulsionado pela desmaterialização das atividades sociais e profissionais, que avançou com passos largos no século XXI. Diversas barreiras físicas foram superadas pela digitalização, conectividade e mobilidade. Hoje, os sistemas eletrônicos permitem que tanto a demanda de uma operação quanto a sua realização seja acessível para o servidor público com acesso à internet, a despeito do local onde se encontre. Por isso, os modelos de organização do trabalho baseados na presença física dos profissionais estão superados para muitas atividades, especialmente as de suporte administrativo.

As atividades operacionais executadas nesses sistemas eletrônicos são padronizadas. Por exemplo, é indiferente que um servidor lance um pedido de alteração orçamentária ou faça o empenho da despesa de um órgão ou de outro. As operações são as mesmas, executadas em um único sistema, com igual exigência de procedimentos e conhecimentos técnicos. Assim, cabe refletir: será que esse profissional, que já detém o conhecimento técnico e operacional das atividades, poderia executar o seu trabalho para mais órgãos sem que a sua vinculação organizacional e local precise se alterar?

Entendo que sim. Para isso,  bastam duas condições: o servidor ter acesso a mais de um órgão no sistema eletrônico onde são realizadas as atividades operacionais e existir um modelo de governança que discipline os papéis de cada ator, evidenciando a distinção entre a decisão e a execução de operações administrativas. Na gestão orçamentária, é importante restar clara a separação entre o poder de decidir do órgão que detém o recurso e dos procedimentos operacionais da unidade administrativa prestadora de serviços compartilhados, separando a decisão da operação. O que é compartilhado é só o trabalho da equipe operacional.

No modelo de compartilhamento de serviços, não há alteração no que diz respeito a regras de programação e execução orçamentária, autonomia de decisão sobre a alocação e aplicação dos recursos públicos de cada órgão. E não há necessidade de se modificar qualquer legislação. Basta que os órgãos firmem arranjos colaborativos bilaterais. Destaca-se que a construção conjunta de soluções é fundamental para o sucesso da modalidade e requer o comprometimento, a colaboração, o engajamento e o diálogo entre os órgãos. Espera-se que a tensão normal observada no início da implantação de um novo modelo seja superada tão logo a cultura de compartilhamento de serviços seja disseminada, e os dirigentes sintam a segurança de que seus interesses e especificidades são atendidos pelos órgãos provedores.

Referências Bibliográficas

 1§ 2º, 3º e 3º do Art. 50 da Medida Provisória 1.154/2023 e Arts. 3º e 5º da Portaria MGI nº 43 de 31/01/2023.
2Relatório anual 2022 da Central de Compras do Governo Federal.

Esta nota é de responsabilidade do respectivo autor e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais ele está vinculado.

Cilair Abreu

Doutor em Administração Pública, atual secretário de Gestão Corporativa do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e servidor desde 2000 da carreira de Analista de Planejamento e Orçamento do Ministério do Planejamento e Orçamento.

Inscreva-se na nossa newsletter