Índice
Espelho da Teoria e a Prática: a experiência acadêmica na  Hertie
Reflexões sobre o futuro
Conclusão

Neste artigo, apresento minha experiência como pesquisadora associada na Hertie School, a partir da minha perspectiva como servidora, a fim de impactar aqueles que acreditam que a melhoria do serviço público e seu impacto sobre as mudanças nas políticas perpassa diretamente o aprimoramento de seus profissionais.

Servidora pública federal de carreira, há dez anos atuo em prefeituras no Brasil. Primeiro como secretária de Planejamento e Fazenda em Niterói, no estado do Rio de Janeiro; agora, como secretária de Fazenda em Salvador, capital da Bahia. Meu interesse no programa financiado pelo Instituto República.org deu-se com o objetivo de aprofundar meus conhecimentos sobre processos de reforma e gestão de recursos públicos, sejam eles financeiros, políticos ou humanos.

A oportunidade de estar na Hertie School, uma das melhores escolas de governança pública no mundo, permitiu o necessário afastamento, por um breve período, de minhas funções executivas para retomar leituras, reflexões e análises que, no dia a dia, as tarefas ordinárias relativas ao cargo que ocupo que não permitem que eu dê a devida atenção.

O processo de aprendizado no serviço público em geral dá-se de forma empírica e muitas vezes baseado em tentativa e erro.

A passagem pela Hertie foi rica em experiências. As oportunidades de palestras, reuniões de discussão de teses acadêmicas e diálogos com outros estudantes me propiciaram visões abrangentes e diversas sobre temas estratégicos não só para a Alemanha, mas também para a União Europeia.  Política fiscal do bloco europeu, nova matriz energética, governo digital e inovação, compliance e economia comportamental foram assuntos apresentados de forma prática e ao mesmo tempo em profundidade. Além disso, o contato permanente com professores me permitiu, em reuniões privadas, aprofundar cada um dos documentos e explorar os conceitos e os exemplos aplicados à minha experiência profissional e ao cotidiano de trabalho no serviço público. Essa experiência foi essencial para a construção de novas ideias, soluções e atividades práticas e lúdicas.

Espelho da teoria e da prática: a experiência acadêmica na Hertie

O processo de aprendizado no serviço público em geral dá-se de forma empírica e muitas vezes baseado em tentativa e erro. As teorias exigidas na prova geral de admissão nos ensinam sobre as teses que nos deparamos na experiência diária, mas é na prática cotidiana que as alternativas para a solução de problemas complexos se revelam e se delineiam.

A Hertie proporcionou a conexão entre prática e teoria de uma forma leve, mas ao mesmo tempo profunda e exigente. No caso da minha revisão bibliográfica, explorei o contraponto do incrementalismo sobre a análise da escolha racional para a tomada de decisões. O que é isso? Eu explico: na análise de problemas complexos, é impossível incorporar, por falta de informação, tempo ou interesse, todas as alternativas possíveis de intervenção. Ainda que se alegue que, com todo o advento da inteligência de dados e a abundância da possibilidade de suas combinações, seria possível construir modelos robustos de previsão de resultados de políticas, o modelo racional compreensivo não se sustentaria. É justamente pela complexidade sistêmica da sociedade em redes que o modelo de comparações limitadas se apresenta mais adequado, tanto do ponto de vista teórico, como do empírico.  

Os objetivos das políticas não são tão claros e, a priori, definidos, assim como os valores que condicionam a atuação política. E, mesmo se são, hierarquizá-los quando há uma contradição entre eles se torna um desafio. Por exemplo, a discussão, no Brasil, do necessário arcabouço fiscal para a estabilização inflacionária e a agenda de transferência de renda e ampliação de serviços públicos. Ambas são agendas que abordam prioridades com a população mais vulnerável e mitigação dos efeitos da pobreza no país. Entretanto, podem exigir medidas contraditórias, e a escolha entre uma e outra é complexa e quase excludente.

Essa breve avaliação de modelos me permitiu, inclusive, aperfeiçoar minhas impressões e contribuições para o debate de reformas amplas e profundas, como foi a reforma tributária brasileira aprovada no segundo semestre de 2023.

Reflexões sobre o futuro

Seria possível argumentar que o Brasil enfrenta, neste momento, uma situação de mudança institucional no papel de mediação de negociações. Nos últimos dez anos, o país presenciou uma alteração nas bases de modulação de conflitos, no poder de definição de agenda e de construção de maiorias.  

O chamado “presidencialismo de coalisão”, realidade em que o presidente da República reuniria recursos que o qualificariam a exercer esse papel de mediador de uma agenda pluralista complexa, vem sendo reconhecidamente modificado para um sistema semiparlamentarista. O presidente dispunha de recursos que corroboram com essa assimetria de poder, como o uso indiscriminado de Medidas Provisórias (MPs), discricionariedade na execução dos recursos orçamentários alocados pelos parlamentares (emendas parlamentares) e em projetos e obras em cidades e estados. Entretanto, esses exemplos de fontes de autoridade institucional foram paulatinamente sendo substituídos pela limitação do uso de MPs, pelo orçamento impositivo e pelas limitações orçamentárias para investimentos decorrentes das restrições do teto de gastos. 

Conclusão 

Após a experiência na Hertie, mesmo após um longo curso de formação de carreiras na Escola Nacional de Administração Pública, um Mestrado na London School of Economics e cursos executivos nas Columbia University de Nova York, constato que seguramente acrescentei às minhas bagagens intelectual e laboral: 

✅ Habilidades de leituras e assimilação de conceitos abstratos e complexos;  
✅ Possibilidade de aplicar constatações teóricas internacionais às realidades empíricas de Salvador e do Brasil;  
✅ Valores relativos aos processos de reformas políticas e implantação de políticas públicas que por prática já exerço em minhas atividades;  
✅ Análises e críticas aos processos de reformas estruturais e de implantação de políticas públicas em discussão em Salvador e no Brasil;  
✅ Ferramentas para melhor influenciar os processos de políticas públicas locais e nacionais sobre os quais estou envolvida; 
✅ Aperfeiçoamento da comunicação oral e escrita em inglês; 
✅ Reflexão sobre os próximos caminhos para a continuidade da minha trajetória pessoal e profissional. 

A experiência na Hertie School como pesquisadora associada foi essencial para a atualização acadêmica e de fortalecimento de competências pessoais. As palestras, aulas, leituras e sessões de estudo dirigidas produziram insights que serão desenvolvidos nos próximos anos, tanto na atuação profissional em políticas públicas quanto em eventuais produções de conhecimento.

Giovanna Victer

Giovanna Victer é secretária municipal da Fazenda de Salvador e presidente do Fórum Nacional de Secretários de Fazenda e Finanças da Frente Nacional de Prefeitos. Formada em Ciência Política pela Universidade de Brasília, com mestrado em Políticas Sociais e Planejamento para Países em Desenvolvimento pela London School of Economics (Inglaterra), levou a capital baiana a conquistar o índice de Capacidade de Pagamento, do Tesouro Nacional, e o primeiro lugar na administração de recursos públicos, segundo a revista Istoé.
Foi reconhecida pelo Prêmio Espírito Público em 2018 por sua atuação na área fiscal e na gestão de recursos humanos. Entre 2014 e 2020, atuou como secretária de Planejamento, Modernização da Gestão, Orçamento e Controle e de Fazenda de Niterói, quando foi responsável pela criação da poupança dos royalties do petróleo. Atividades de Planejamento e digitalização do governo levaram o município a alcançar o primeiro lugar no ranking de transparência estadual, do Ministério Público Federal (MPF) e a tirar nota 10 em duas oportunidades na Escala Brasil Transparente. Além disso, teve passagem na Secretaria Executiva do Ministério das Cidades, durante a implantação dos programas 'Aceleração do Crescimento' e 'Minha Casa, Minha Vida', e foi responsável pelo planejamento técnico da repactuação do 'Programa de Modernização do Poder Executivo Federal', no âmbito do Ministério do Planejamento.
É pesquisadora associada na Hertie School of Governance e bolsista da República.org.

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