Índice
Número de mulheres em ministérios do governo Sarney até hoje
Uma análise da presença de mulheres em governos
Conclusão: o desafio da diversidade
Existe um aparente consenso entre pesquisas1 sobre a importância de mulheres ocuparem cargos de liderança: elas são capazes de se implicar em problemas com uma perspectiva distinta da dos homens, sem se tornar, necessariamente, refratárias a eles. No entanto, também há consenso na literatura2 sobre os desafios de se construir, na prática, uma sociedade mais equitativa, superando o chamado teto de vidro, as barreiras invisíveis para que uma mulher ocupe cargos de liderança, seja no setor público, seja no privado.
Se entendemos que a qualidade democrática passa pela diversidade, a presença de mulheres no alto escalão de governos deveria ser rotina. Entretanto, dados apresentados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostram que o Brasil está na pior posição no que diz respeito ao percentual de mulheres em cargos de liderança.
Este texto é motivado por um constante debate pendular, em que ora afirma-se a importância da equidade de gênero e raça, ora afirma-se o desafio para compor espaços de liderança considerando esses marcadores. É importante ressaltar que esse movimento é, algumas vezes, justificado em razão das dinâmicas políticas que envolvem a manutenção ou ampliação da diversidade em postos-chave do alto escalão.
Número de mulheres em ministérios do governo Sarney até hoje
Levantamos estatísticas sobre a presença numérica de mulheres nos ministérios com base no registro de nomeações e exonerações existentes no Portal da Presidência da República3 desde o governo Sarney. A análise conta com a elaboração de um banco de dados4 com informações sobre 670 ministras e ministros indicados, dos quais 56 foram mulheres (com, pelo menos, uma nomeação). Buscou-se identificar padrões, destacar ministérios com maior e menor quantitativo de mulheres, e observar como essa (baixa) representatividade apresenta variação ao longo dos diferentes mandatos presidenciais. Além disso, esteve em destaque a seguinte pergunta: mantendo-se algumas premissas, quando seria possível alcançar um governo federal com equidade ministerial? A resposta é chocante caso continuemos sem atuar pela equidade.
Uma análise da presença de mulheres em governos
O início da redemocratização apresenta o saldo de apenas uma mulher ministra: Dorothea Werneck, nomeada por José Sarney para o Ministério do Trabalho. Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso tiveram uma única nomeação vinculada à liderança feminina para seus ministérios. A série histórica apresenta que, somente no mandato único de Fernando Collor, foi possível observar a nomeação de uma mulher na pasta de Fazenda, a então ministra Zélia Cardoso de Mello. Somando os mandatos, Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva apresentaram exatamente o mesmo número de indicações para seus ministérios, 22 cada um, sendo que algumas dessas nomeações se repetem entre um e outro mandato.
Tabela 1 – Total de indicações ministeriais de mulheres por presidência da república
Presidente | Qnt. Ministras por Presidente | Qnt. Ministros por Presidente |
Dilma Rousseff | 22 | 119 |
Luiz Inácio Lula da Silva | 22 | 146 |
Jair Bolsonaro | 4 | 52 |
Fernando Collor | 2 | 30 |
Itamar Franco | 3 | 57 |
José Sarney | 1 | 56 |
Michel Temer | 1 | 56 |
Fernando Henrique Cardoso | 1 | 98 |
Desde a redemocratização, apenas 41 mulheres ocuparam o cargo de ministra, frente a 445 ministros homens. Isso significa que menos de 10% das pessoas que ocuparam o cargo mais importante em termos de políticas públicas no Brasil (9,2%) eram mulheres. Vale citar que a ex-deputada Cristiane Brasil, possível ministra do trabalho no governo Temer, não compõe esta estatística em razão da sua posse ter sofrido suspensão pela Justiça Federal.
Observando os dados desagregados, o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff foi o que mais contou com ministras, com um total de 14 mulheres nomeadas. Em seguida, o terceiro mandato do presidente Lula, com 10 ministras indicadas. Por outro lado, o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso foi o único mandato que não contou com nenhuma mulher no cargo de ministra. Nos demais mandatos, pelo menos uma mulher foi indicada para o cargo de ministra.
Gráfico 1 – Indicações de mulheres para ministério por mandato
Gráfico 2 – Indicações de homens e mulheres para ministério por mandato
Apesar do mandato de Dilma Rousseff contar com mais mulheres, a totalidade de homens também é maior, o que impacta na visão percentual de mulheres no cargo de liderança.
Gráfico 3 – Série histórica do percentual de ministras em relação ao total de ministros (homens e mulheres) por mandato presidencial.
Podemos ver que a representatividade de gênero é, além de baixa, repetitiva. Do total de 56 mulheres nomeadas que ocuparam cargos ministeriais no governo brasileiro, somente 41 são indicações distintas e 15 mulheres foram nomeadas mais de uma vez. A Ministra Ideli Salvati é um exemplo notável, tendo ocupado o cargo de ministra quatro vezes em diferentes pastas: Direitos Humanos (duas vezes), Pesca e Agricultura e Relações Institucionais. Já o Ministério do Meio Ambiente contou com duas mulheres ocupando cargos em momentos distintos: Marina Silva e Isabella Teixeira atuaram nos governos Lula e Dilma, ambas com mais de uma nomeação. As pastas relacionadas à política de mulheres e assistência social compilam a maior representação de nomeações femininas. Esses ministérios possuem a pauta de mulheres como política em comum e garantem o quantitativo de maior representatividade institucional de gênero. As pastas tiveram as seguintes mulheres no comando:
A política de Assistência Social contou com quatro ministras nomeadas: Margarida Maria Maia Procópio no mandato único de Fernando Collor; Marcia Lopes e Benedita da Silva no primeiro e no segundo mandatos de Lula; e Tereza Campello no primeiro e no segundo mandatos de Dilma Rousseff.
Ministras ou ministros: quem passa mais tempo no cargo?
Em média, as mulheres permanecem mais tempo no cargo em comparação com os homens, embora, em geral, não completem um mandato, o que pode comprometer as decisões vinculadas às políticas públicas. A média de tempo no cargo ministerial é de 1,5 ano. No primeiro mandato, a média é de 2 anos; no segundo, 1,4. De todos os homens e mulheres que foram nomeados para cargos ministeriais, as mulheres passaram mais tempo trabalhando que os homens: ministras ficam 1,8 ano no cargo, enquanto ministros ficam 1,5 ano.
Gráfico 45 – Comparação das distribuições de ministros e ministras em relação ao tempo de cargo.
Ao separarmos por mandato, as mulheres trabalham por mais tempo no primeiro mandato que os homens: 2,5 anos e 2 anos, respectivamente. A temporalidade no cargo cai no segundo mandato: mulheres trabalham por 1,2 ano, enquanto homens trabalham 1,4 ano.
Em relação aos mandatos concluídos, mais da metade (60,87%) da totalidade de mulheres ocuparam o cargo por menos de 2 anos. Essa mesma comparação, no caso de homens, registra que 73,42% da totalidade dos ministros ocuparam o cargo por menos de 2 anos.
Por meio de regressão linear6, foi possível estimar que a sociedade brasileira precisará de 88 anos para alcançar um primeiro governo com equidade de gênero em seus ministérios. Na ausência de uma legislação ou instrumento que estimule a equidade de gênero em espaços de livre nomeação e exoneração, bem como de um diagnóstico ou planejamento que estabeleça metas de médio prazo com objetivos claros sobre nomeações de mulheres, o teste estatístico reforça a importância do debate sobre mulheres em espaços de poder e com garantias de que poderão influenciar políticas públicas.
Gráfico 5 – Estimativa de Equidade Ministerial
Conclusão: o desafio da diversidade
Entende-se que o esforço de levantamento, consolidação e organização dos dados apresentados não deve se restringir a este ensaio. Este início de diagnóstico reforça o quão distantes estamos de uma lógica de equidade — considerando-se somente o marcador de gênero. É importante reforçar que o marcador de raça gera uma fotografia das desigualdades em cargos de liderança ainda maior e mais complexa. Sugere-se levar em conta as lógicas de planejamento com foco em metas claras de médio prazo na composição dos gabinetes, assim como as lógicas de representatividade democrática, para que se possa vislumbrar maior representatividade.
Além disso, este ensaio não é uma meta-análise, ou seja, não temos aqui um estudo estatístico que integra dois ou mais resultados de estudos distintos. Os dados devem ser lidos com cautela para auxiliar na construção de uma agenda pró-diversidade.
O Brasil aparenta abertura para um debate sobre representação equitativa de gênero, assim como sobre diversidade. Contudo, entende-se que há certa resistência às mulheres quando posições de liderança carecem de diálogo técnico e político. A justificativa é de que tal ação é de implementação “desafiadora” e que há “ausência do perfil”, o que constitui uma amostra do preconceito institucional que reflete o cenário ministerial atual.
Um outro desafio institucional é garantir uma renovação dos quadros femininos indicados a cargos ministeriais. Os dados apresentam um quantitativo alto de mesmas mulheres nomeadas em momentos distintos, o que nos faz refletir sobre o viés de disponibilidade de quem está à frente do Poder Executivo e como aparenta ser desafiador sairmos da inércia e sermos mais intencionais nas análises de perfil. Outro ponto de atenção é sobre a constante descontinuidade de mulheres e homens no meio do mandato. Entende-se que tal situação pode ser prejudicial para a condução e a continuidade das políticas públicas.
Apesar de a sistematização dos dados nos permitir observar aumento da representação feminina em diferentes mandatos e para diferentes partidos, destaca-se que, em toda a série histórica, ainda existem pastas ministeriais que nunca foram comandadas por mulheres. Ademais, o campo de debate da administração pública se coloca como espaço instrumental e com foco nas ferramentas, mas também como locus da política, restando às mulheres um espaço de baixo poder de articulação, convencimento e consenso. Esse funcionamento não é razoável e muito menos perene no tempo diante de uma sociedade diversa (e desigual) como o Brasil.
Referências bibliográficas
1NARANJO, Sandra; CHUDNOVSKY, Mariana; STRAZZA, Luciano; MOSQUEIRA, Edgardo; CASTANEDA, Carmen. Mulheres Líderes no setor público da América Latina e do Caribe: lacunas e oportunidades. BID. FRANÇA, Michael; NASCIMENTO, Fillipi. Síntese de Evidências sobre a presença de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança e autoridade.
2HYMOWITZ, C.; SCHELLHARDT, T.D. (1986). The glass ceiling: why women can’t seem to break the invisible barrier that blocks them from the top jobs. Wall Street Journal Section, 4(1), 4-5. ADAMS, R. B.; FUNK, P. (2012). Beyond the glass ceiling: Does gender matter? Management Science, 58(2), 219-235.
3Biblioteca da Presidência da República: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes.
4A partir dos registros disponibilizados pela biblioteca da Presidência da República foi criada uma base de dados com todos os(as) ministros(as) que ocuparam cargos no governo brasileiro desde a redemocratização. Foram considerados apenas os ministros efetivos, excluindo-se os interinos.
5 Em Estatística, a densidade é como um mapa que nos mostra como o tempo está distribuído. É uma maneira de visualizar os dados e quais valores são os mais típicos. Neste caso, se a visualização do gráfico é alta e com uma ponta, significa que a maioria dos ocupantes de cargos permanece por um período semelhante. Se o gráfico possui visualização distribuída, isso indica que as pessoas podem ocupar o cargo por períodos variados. A densidade nos ajuda a entender se os cargos têm ocupantes de longo prazo ou se há uma rotatividade mais alta, oferecendo insights sobre a estabilidade nas posições ao longo do tempo.
6Para realizar essa estimativa, os percentuais de ministras em relação à quantidade total de ministros foram agrupados por mandatos de forma cronológica. Visto que, realizando a análise pelo período de início dos cargos ministeriais considerando entradas/nomeações – saídas/exonerações, podem gerar resultados falsos positivos, produzindo uma falsa sensação de equidade. Por exemplo, nos últimos anos de mandato, um presidente resolve fazer uma reforma ministerial, exclui alguns Ministérios e por coincidência, durante poucos meses ocorre essa paridade de gênero nos cargos ministeriais. Não parece justo, considerar nesse exemplo que há equidade, sendo que em mais de 3 décadas de democracia nunca houve essa paridade. Por esse motivo, a metodologia empregada considerou todas as nomeações durante os mandatos, ou seja, a totalidade de pessoas nomeadas para todos os Ministérios. Importante registrar que para realizar as estimativas no modelo estatístico foram considerados mandatos com quatro anos completos, ou seja, excluem-se situações como impeachment futuros, desistência/morte do governante, etc. Do ponto de vista estatístico, é importante ressaltar que tanto a série histórica do percentual de ministras por ano quanto por mandato não evidenciaram relações de sazonalidade, isto é, trata-se de séries temporais sem repetições de padrões, além disso, as séries abordadas não são estacionárias. Com intuito de transformá-las em séries estacionárias, aplicou-se testes de estacionariedade, em conjunto com a técnica de diferenciação, análises gráficas (autocorrelação total e parcial e decomposição da série temporal) e avaliações de métricas estatísticas. Segundo o teste Dickey-Fuller aumentado considerando o P-valor menor ou igual a 0,05 a série em tese seria estacionária com 5 diferenciações, entretanto, os gráficos de autocorrelação parcial e total, não apresentaram resultados satisfatórios. Devido às características dessas séries temporais, a aplicação de modelagem computacional ficou limitada, principalmente no caso de previsões longas. Em virtude dos motivos mencionados, não foi possível aplicar modelos que considerem a sazonalidade, por exemplo, modelos da classe Box-Jenkins, tampouco modelos de aprendizagem profunda, como redes neurais artificiais. Adiciona-se que, no caso da série que considera o percentual de ministras por mandato existem apenas 12 observações em toda a série temporal.
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