Por Regina Luna Santos de Souza

Esta é a segunda de uma série de seis notas técnicas, escritas para tratar com mais detalhes o tema “Cargos em Comissão e Funções de Confiança na Administração Pública” [1].

Na primeira nota, apresentei os conceitos e as características principais dos cargos (efetivos e comissionados) existentes nas organizações públicas. Nesta nota, quero tratar da diferença entre cargo em comissão e função de confiança, para facilitar a compreensão de quão profissionalizada a gestão no Executivo é.

Além disso, esta nota pretende fornecer mais subsídios para enfrentar as questões do tamanho das estruturas das organizações do governo federal e dos limites da discricionariedade da liderança política na definição da ocupação desses cargos, diferenciando os cargos em comissão, de livre provimento (ocupação mais ampla, inclusive por não servidores), das funções de confiança (também de livre nomeação e exoneração, porém de ocupação exclusiva por servidores públicos, titulares de cargos efetivos, ou por militares). Em uma nota posterior, aprofundo a análise da discricionariedade de indicação e nomeação, tratando dos critérios de seleção e de ocupação.

Índice
1. Qual a diferença entre cargos em comissão e funções de confiança?
2. Evolução recente dos cargos em comissão e das funções de confiança na administração pública federal

3. Panorama atual dos cargos em comissão e das funções de confiança na administração pública federal

1. QUAL A DIFERENÇA ENTRE CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES DE CONFIANÇA?

Já vimos antes que “cargo” é um conceito importante para delimitar o espaço ocupacional desempenhado por um servidor na Administração, seja este efetivo, “temporário”[2] ou comissionado. Como esta série de notas se propõe aprofundar nos meandros dos cargos de confiança/comissionados, é importante dedicar atenção à diferença entre os “cargos” e as “funções”, ambos destinados ao exercício de atividades de direção, chefia e assessoramento nas organizações públicas.

De fato, segundo a definição constitucional,

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

Por isso, segundo o Manual de Estruturas Organizacionais,

As funções de confiança, assim como os cargos em comissão, são criadas por lei para o exercício das atribuições de direção, chefia e assessoramento. Seu provimento também dispensa concurso público – são vocacionadas à ocupação em caráter transitório, por pessoas de confiança da autoridade competente para preenchê-los, a qual também pode exonerar ad nutum, isto é, livremente, e a qualquer momento.

A diferença das funções de confiança para os cargos em comissão é que as funções são exclusivas de servidores públicos de carreira, que ingressaram no setor público por meio de concurso público e ocupam cargo efetivo. As “funções de confiança” são, assim como “cargos em comissão” os termos exatos que constam no inciso V do art. 37 da Constituição, e os únicos termos em todo o art. 37 associados às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Embora haja o costume de se referir a funções de confiança de outras formas, como “função comissionada”, “função em comissão” e outras, fato é que o inciso V do art. 37 da Constituição Federal de 1988 se refere exclusivamente a “funções de confiança”. (BRASIL, 2019, pp. 40-41)

2. EVOLUÇÃO RECENTE DOS CARGOS EM COMISSÃO E DAS FUNÇÕES DE CONFIANÇA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Um tema recorrente na discussão sobre o setor público é o “inchaço” da máquina pública, representado pelo tamanho desproporcional do Estado e de suas estruturas organizacionais em relação às atividades que precisa cumprir. De fato, com o início do governo Lula, em 2003, percebeu-se uma tentativa de reconstrução das capacidades estatais via criação de novos órgãos e entidades, para garantir cumprimento de compromissos e metas em programas e políticas públicas, principalmente as que diziam respeito a políticas sociais. Como a gestão anterior tinha uma outra orientação, no sentido de ter um Estado mais enxuto, foi necessário naquele momento proceder à superação do chamado déficit institucional.

Rodrigues (2018), em iniciativa desenvolvida pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e a Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento (Seges/MP), traz um auxílio importante para compreender o acontecido entre 2003 e 2017, no que diz respeito ao comportamento das estruturas e cargos nas organizações públicas. Lembra ele, a partir de estudo de Barbosa e Pompeu (2017) sobre a trajetória da Organização do Governo Federal entre 1994 e 2015, do expressivo crescimento de órgãos com status de ministérios, passando de 26, no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), para 39 no início do segundo governo Dilma, um aumento de 50%, conforme apresentado na Tabela 1[3]

Segundo os três autores, o maior crescimento se deu durante os dois governos do Presidente Lula, responsável por 42% do aumento de novos órgãos[4], movimento este que foi acompanhado pela ampliação da força de trabalho efetiva e transitória na Administração Pública[5]. No que tange aos cargos em comissão, comparando o término do segundo governo FHC com o segundo do governo Lula, é possível perceber um aumento de mais de 17 mil (25%) cargos em comissão ocupados, sendo que, ao final do segundo governo Dilma, esse montante somava um acréscimo de mais de 30 mil (41%) cargos, sendo que destes, mais de 4,5 mil (15%) foram de Direção e Assessoramento Superior (DAS), que refletem de forma mais direta o crescimento da estrutura. Crescimento mais expressivo ainda se nota no que tange ao ingresso por concurso público, o que demonstra uma política clara de fortalecimento dos quadros de pessoal, bem como de busca por uma maior robustez da estrutura criada (Tabela 2, a seguir).

Apesar desse crescimento expressivo das estruturas – ou, eventualmente, por causa dele – um outro movimento começa a ganhar força, no sentido de reduzir o quantitativo de cargos ocupados por pessoas estranhas à Administração. Entre outras propostas, destaca-se a edição do Decreto nº 5.497, de 21 de julho de 2005, que havia definido percentuais mínimos dos cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores (DAS) a serem ocupados por servidores públicos efetivos[6 e a apresentação do Projeto de Lei nº 3.429/2008, encaminhado ao Congresso Nacional a fim de extinguir cargos comissionados do tipo DAS para substituí-los por Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE), a serem ocupadas de forma privativa por servidores públicos efetivos[7].

A reforma proposta por este Projeto de Lei abrangeria cinco órgãos da Administração Executiva Federal que, de acordo com a exposição de motivos, já possuíam carreiras com profissionais concursados, com boa formação e experiência profissional e aptos a assumirem posições de direção, chefia e assessoramento. Incluíram-se então as seguintes entidades: 

  1. Secretarias de Gestão, de Planejamento e Investimentos Estratégicos e de Orçamento Federal, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 
  2. Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Secretaria da Receita Federal do Brasil e Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, 
  3. Controladoria-Geral da União, 
  4. Advocacia-Geral da União, e 
  5. Departamento de Polícia Federal e Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça.

A despeito da fundamentação apresentada e dos esforços realizados ao longo dos anos que se seguiram, o projeto não ganhou força. Uma das principais causas do insucesso está relacionada ao contexto político, em que o governo, para conseguir apoio na aprovação de projetos relevantes, muitas vezes se valia dos cargos e posições como moeda de troca. Nesse cenário, extinguir cargos de livre provimento possivelmente iria em sentido contrário à necessidade.

Em 12 de maio de 2016, como resultado da votação do processo de impedimento pelo Senado, ocorreu o afastamento da presidente Dilma, assumindo, inicialmente em caráter interino, o vice-presidente Michel Temer. No mesmo dia, após a posse, foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União a Medida Provisória (MP) nº 726, convertida na Lei nº 13.341/2016, que reduzia de 32 para 23 o número de ministérios e secretarias especiais. É fato que, durante todo o último ano do primeiro mandato e o primeiro ano do segundo governo Dilma, houve uma tentativa de redução das estruturas ministeriais por parte do Ministério do Planejamento e da Casa Civil da Presidência da República, sem êxito[8]. A relativa rapidez de apresentação de proposta nesse sentido é explicada pela existência de diversos estudos e simulações já acumulados no órgão central[9].

A Tabela 3, na sequência, apresenta de forma consolidada a relação dos ministérios e secretarias extintos, tal como os que foram transformados e aqueles que seriam criados.

Desde 2015, em decorrência da crise fiscal, foram iniciadas ações voltadas à redução de despesas com cargos em comissão e funções de confiança. Nesse contexto foi realizada uma ampla reforma administrativa (com mais de 70 novos decretos de estruturas regimentais editados), que além de reduzir as despesas procuraram ajustar a estrutura das instituições direcionadas à melhoria da sua gestão. No total, a reforma de então extinguiu definitivamente 4.184 cargos, funções e gratificações, incluindo 2.547 cargos do tipo DAS, propiciando uma economia orçamentária de aproximadamente R$ 193 milhões[10].

Seguindo a orientação estratégica de reduzir as despesas e, ao mesmo tempo, buscar a melhor profissionalização do serviço público, essa reforma administrativa foi implementada com a troca de cargos do tipo DAS pelas FCPE – que já substituíram mais de 90% do total de 10.462 autorizado na lei nº 13.346, de 2016 (mais de 40% dos DAS que existiam)[11].

Esses movimentos resultaram em uma redução de 9% (-2.499) no total DAS e de FCPE de dezembro de 2015 até julho de 2018. O resultado dessa maciça transformação de cargos em funções representou uma modificação importante no perfil das organizações públicas entre 2015 e 2017, reduzindo de forma expressiva a ocupação de pessoas sem vínculo com a Administração nos cargos destinados ao exercício de funções de direção, chefia e assessoramento:

3. PANORAMA ATUAL DOS CARGOS EM COMISSÃO E DAS FUNÇÕES DE CONFIANÇA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL

Com o início do governo Bolsonaro, mais uma redução no quantitativo de cargos e funções ocorreria, com a edição da Medida Provisória nº 870, de 2019 (convertida posteriormente na Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019). Essa medida provisória estabeleceu a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Atualmente, conforme o art. 19 e o art. 20 da respectiva Lei, são considerados ministérios os seguintes:

I – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
II – Ministério da Cidadania;
III – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações;
III-A – Ministério das Comunicações;
IV – Ministério da Defesa;
V – Ministério do Desenvolvimento Regional;
VI – Ministério da Economia;
VII – Ministério da Educação;
VIII – Ministério da Infraestrutura;
IX – Ministério da Justiça e Segurança Pública;
X – Ministério do Meio Ambiente;
XI – Ministério de Minas e Energia;
XII – Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos;
XIII – Ministério das Relações Exteriores;
XIV – Ministério da Saúde;
XV – Ministério do Turismo; e
XVI – Controladoria-Geral da União.
XVII – Ministério do Trabalho e Previdência.

Art. 20. São Ministros de Estado:
I – os titulares dos Ministérios;
II – o Chefe da Casa Civil da Presidência da República;
III – o Chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República;
IV – o Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República;
V – o Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; e
VI – o Advogado-Geral da União, até que seja aprovada emenda constitucional para
incluí-lo no rol das alíneas c e d do inciso I do caput do art. 102 da Constituição Federal.

Essa redução de órgãos e entidades representou uma diminuição no quantitativo de cargos e funções, em comparação com o cenário encontrado em dezembro de 2018. Mais adiante, um outro passo no sentido de dar mais transparência ao tamanho do Estado e à ocupação dessas funções e cargos seria dado. Até a edição da Medida Provisória nº 1.042, de 2021 (convertida na Lei nº 14.204, de 16 de setembro de 2021), que simplificou a gestão de cargos em comissão e de funções de confiança na administração pública federal direta, autárquica e fundacional, para dar materialidade a essas posições de direção, chefia e liderança, além dos cargos do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS) e Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE), havia uma quantidade considerável de espécies de funções de confiança e de gratificações (temporárias ou de representação), como apresentado no quadro 1, abaixo:

Deve-se ressaltar, a respeito de cargos e funções acima apresentados, que algumas das gratificações de exercício criadas durante as gestões Lula, com o fim de compensar financeiramente os servidores atuantes em Escolas de Governo e nos chamados Sistemas Estruturantes (notadamente as Gsiste, Gsisp e Gaeg) têm natureza de funções de confiança, apesar da denominação. No entanto, por não integrarem a estrutura regimental, sua ocupação não é tão transparente e os critérios de ocupação/designação são mais elásticos. Em compensação, para permanecer designado em uma dessas gratificações, os servidores passam por processo constante de avaliação de desempenho, devendo manter compromisso e resultados elevados.

A Medida Provisória nº 1.042, de 2021, convertida na Lei nº 14.204, de 16 de setembro de 2021, substituiu essa miríade de cargos e funções na administração pública federal direta, autárquica e fundacional por dois tipos: o de Cargos Comissionados Executivos (CCE) e as Funções Comissionadas Executivas (FCE), distribuídos conforme o quadro 2, abaixo:

Fonte: Anexo I da MP 1.042/2021

Na tentativa de organizar e racionalizar as diferentes tabelas de remuneração vigentes, os valores de cada nível foram estabelecidos conforme os valores das funções e cargos que substituem, tornando a compreensão das estruturas organizacionais mais transparente e, de certa forma, mais auditáveis pelo público externo. 

Nos termos da Medida Provisória, foram extintos os seguintes cargos em comissão, funções de confiança e gratificações, para transformação em CCE ou em FCE: 

I – os cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS), instituídos pelo inciso I do caput do art. 2º da Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970;

II – as Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE), instituídas pela Lei nº 13.346, de 10 de outubro de 2016;

III – as Funções Comissionadas Técnicas (FCT), de que trata o art. 58 da Medida Provisória nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001;

IV – as Funções Gratificadas (FG), instituídas pelo art. 26 da Lei nº 8.216, de 13 de agosto de 1991;

V – as gratificações de representação dos órgãos integrantes da Presidência da República, de que trata o art. 13 da Lei nº 8.460, de 17 de setembro de 1992, previstas na tabela c do Anexo III da Lei nº 11.526, de 4 de outubro de 2007; eVI – as Gratificações Temporárias pelo exercício na Advocacia-Geral da União, de que trata o art. 17 da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995.

Além desses, em consulta aos decretos de estrutura regimental já publicados, percebe-se que é possível também extinguir gratificações de exercício (Gsiste, Gsisp, Gaeg, que acabam funcionando como funções comissionadas) para transformação em FCE. O processo de substituição das estruturas antigas pela nova é gradual e está em curso desde 2021, tendo como datas-limite para sua conclusão o dia 31 de outubro de 2022 (autarquias e fundações públicas) e o dia 31 de março de 2023 (para os órgãos da administração pública direta ou sem alocação definida). Em consulta ao Portal da Legislação do governo federal, contabiliza-se até o momento a publicação dos seguintes decretos sobre estrutura regimental para adequação à nova classificação de cargos: 

Em consulta ao Painel Estatístico de Pessoal (painel.pep.planejamento.gov.br), tem-se atualmente um total de 90.118 cargos e funções, sendo [12]:

* Cargos de ocupação mais ampla (servidores e não-servidores)
** O PEP não discrimina ainda quantos CCE e quantas FCE existem, por força das cláusulas de entrada em vigência diferenciadas de cada decreto de estrutura regimental e diferentes datas de publicação dos respectivos regimentos internos e estatutos. Com isso, fica prejudicada a análise do impacto dessa transformação.

Como se viu até aqui, a questão do tamanho e da adequação das estruturas organizacionais é algo dinâmico e depende, basicamente, dos valores defendidos pelo governo em exercício, às visões de futuro e compromissos políticos e aos graus de complexidade e de responsabilidade decorrentes do processo de desenho, implementação, monitoramento e avaliação das políticas consideradas prioritárias e adequadas ao cumprimento dos programas de governo. Dessa forma, varia bastante entre gestões e durante as gestões, para adequação às estratégias em curso e para obter melhores resultados. É difícil categorizar, de antemão, uma estrutura de governo apenas pelos quantitativos de cargos e funções, sem conhecer e avaliar as ambições que a gestão pretende realizar e sem contrapor essas expectativas aos resultados efetivamente alcançados. Essa discussão, em que pese transcender aos objetivos desta série de notas, é meritória e não deve ser deixada de lado.

Na próxima nota, em sequência a essa discussão, quero tratar dos critérios formais de ocupação dos cargos e funções e dar mais subsídios para a compreensão do tamanho da discricionariedade do governante na composição da cadeia de comando das organizações públicas.

BIBLIOGRAFIA
BARBOSA, S. C. T.; POMPEU, J. C. Trajetória Recente da Organização do Governo Federal. Boletim de Análise Político-Institucional, n. 12, Jul-Dez. 2017. Disponível em http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8094

BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMIA . Manual de Estruturas Organizacionais do Poder Executivo Federal/Ministério da Economia, Secretaria de Gestão 2ª ed. Brasília: Ministério da Economia, 2019.

RODRIGUES, Carlos Henrique. Substituição de cargos em comissão do grupo Direção e Assessoramento Superior (DAS) por Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE): histórico recente e lições aprendidas. Casos SEGES: renovando a gestão pública. Escola Nacional de Administração Pública (Enap)/Secretaria de Gestão (SEGES/MP), 2018. Disponível em http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3456

SOUZA, Nelson Mello (1994). “Reforma Administrativa no Brasil: um debate interminável”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, FGV, vol. 28, nº 1, p. 54-70, Jan-Mar.

[1] Para esta Nota, contei com as valiosas contribuições de Antonio Ignacio do Amaral e de Marcos Kroll, ambos profissionais da Gestão Pública há décadas, trabalhando na área de cargos, estruturas e carreiras do Setor Público. Muito obrigada pelas observações, rapazes!

[2] A rigor, não existe a categoria “cargo temporário”, mas “contratado por tempo determinado”, sobre o que a Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, dispõe: “contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal”. O termo “temporário”, no entanto, ainda que não seja o mais preciso para este vínculo, acabou sendo o mais conhecido popularmente para classificá-lo. Levando em consideração que, nos últimos 20 anos, diversos processos seletivos para suprir vagas “temporárias” foram e continuam sendo realizados, é razoável considerar essa modalidade de vínculo em próximos ensaios sobre a gestão de pessoas na Administração.

[3]  Luiz Alberto dos Santos questiona essa contabilidade. De fato, em levantamento feito para uma publicação ainda em revisão, afirma que: “(…) ao término de seu Governo, Dilma Rousseff contava com 32 pastas de nível ministerial, já resultantes de reduções na estrutura ocorridas no início de seu segundo mandato, adotadas como forma de atender a pressões pelo “enxugamento” da máquina, que chegou a contar com 39 pastas ministeriais. Ao encerrar o seu mandato, em 2018, Michel Temer já havia reduzido essa estrutura para 29 pastas ministeriais, mantendo o Presidente do Banco Central do Brasil com status ministerial.”

[4]  Um detalhe curioso que os autores apontam é a nova estratégia para o crescimento da estrutura. Em vez de criar novos ministérios ou nomear ministros extraordinários, os governos passaram a elevar o status de órgãos da Presidência da República, conservando sua nomenclatura como secretaria, porém conferindo a elas status equivalentes ao de Ministérios. Com isso, promovia-se um upgrade na estrutura, com ampliação de cargos e funções, mas não necessariamente com a criação de “novos” órgãos. Essa estratégia acaba por trazer menos atenção da mídia e da sociedade a respeito do tamanho absoluto do Estado e, por outro lado, produz resultados práticos no que se refere a elevação de status de temas na agenda governamental, bem como na elevação do poder de negociação do governo que passaria a ter cargos mais valorizados para distribuição de poder dentro da coalizão de governo.

[5]  Parte desse crescimento se explica, logicamente, pela mudança de mentalidade a respeito da importância do Estado como promotor do desenvolvimento e como garantidor de direitos trazida pelos governos do PT entre 2003 e 2016. Além disso, deve-se ressaltar que houve um esforço grande de regularização de vínculos trabalhistas por força de auditorias dos órgãos de controle e de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho no fim do Governo FHC, que verificou a utilização indevida de projetos de cooperação internacional para provimento de força de trabalho que deveria ter sido realizada por contratação de terceirizados, contratações por prazo determinado ou por contratação de servidores públicos efetivos, mediante concursos públicos. Tudo isso, combinado a um momento econômico favorável, proporcionou esse crescimento observado na máquina pública. 

[6] Esse decreto foi revogado, com a publicação do Decreto nº 10.829, de 2021. Previa percentuais mínimos a serem ocupados exclusivamente por servidores de carreira nos seguintes cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS da administração pública federal direta, autárquica e fundacional: setenta e cinco por cento dos cargos em comissão DAS, níveis 1,2 e 3 e cinquenta por cento dos cargos em comissão DAS, nível 4. Posteriormente, houve um ajuste para cinquenta por cento dos cargos de nível 1 a 4, assim como o percentual de sessenta por cento do total de cargos em comissão DAS, níveis 5 e 6, introduzido pelo Decreto nº 10.829/21. Pelo Decreto de 2005, considera-se como servidor de carreira os servidores, ativos ou inativos, oriundos de órgão ou entidade de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, suas empresas públicas e sociedades de economia mista, ocupante de cargo ou emprego permanente no qual ingressou mediante concurso público ou, se em data anterior a 5 de outubro de 1988, mediante forma de provimento permitida pelo ordenamento da época de ingresso. Essa disposição foi mantida pelas normas posteriores.

[7]  Conforme consta na exposição de motivos do Projeto de Lei, essa ação não se tratava de prática estranha à Administração, mas uma continuidade ao processo de valorização dos servidores, iniciado por meio do Decreto nº 5.497, de 2005. Outra ação interessante foi a instituição de programas de profissionalização no âmbito da Administração Federal, ofertados por Escolas de Governo. As FCPE, dessa forma, seriam destinadas a atividades de direção, chefia e assessoramento, possuiriam cinco níveis e remuneração equivalente à dos DAS (correspondente ao valor percebido pelos servidores efetivos). De fato, o Projeto de Lei propôs a criação de um total de 2.477 funções, com a extinção equivalente de cargos DAS de níveis correspondentes, visando a uma reestruturação que não trouxesse aumento de despesa, mas que traria ainda alguma economia orçamentária. Essa economia seria obtida em razão do fato de que servidores efetivos ocupando DAS recebem, de acordo com a legislação, o equivalente a 60% do valor total do cargo. Assim, para manter remuneração equivalente entre as FCPE e DAS, as novas funções teriam valores similares a 60% do valor de um DAS de mesmo nível e não seriam revertidas ao estado anterior. 

[8]  Antônio Amaral e Marcos Kroll ponderam que a falta de êxito desse esforço é refletido pelo baixo número de Decretos de estrutura regimental publicados na época com redução do número de cargos em comissão e funções de confiança de algumas autarquias e dos Ministérios do Esporte e do Turismo: Fundação Cultural Palmares – FCP – Dec. 8.697/2016; Instituto Brasileiro de Museus – Ibram – Dec. nº 8.696/2016; Departamento Nacional de Obra Contra as Secas – DNOCS – Dec. nº 8.684/2016; Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – Sudene – Dec. nº 8.679/2016; Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste – Sudeco – Dec. nº 8.678/2016; Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – Sudam – Dec. nº 8.677/2016; Instituto nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – Inmetro – Dec. nº 8.671/2016; Fundação Alexandre de Gusmão – FAG – Dec. nº 8.664/2016; Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa – Dec. nº 8.639/2016; Ministério do Turismo – MTur – Dec. nº 8.627/2016; e Ministério do Esporte – ME – Dec. nº 8.774/2016.

[9] Antônio Amaral e Marcos Kroll igualmente ponderam que esse acúmulo de estudos e simulações pela burocracia profissional da Gestão Pública ajuda a explicar o porquê de o governo Temer ter sido bem sucedido na redução de cargos. Além disso, para demonstrar que havia estudos e simulações acumuladas, a edição do Decreto nº 8.785/2016, definiu quantitativos mínimos de redução de estrutura, em função de DAS-Unitários, a serem efetivados  por Pasta (Ministério e suas entidades vinculadas). Esse Decreto foi publicado somente cerca de um mês após o início da gestão Temer e previa a redução de mais de 3 mil cargos e funções das estruturas regimentais dos Ministérios e autarquias.

[10] Segundo a Exposição de Motivos do Decreto nº 8.947, de 28 de dezembro de 2016.

[11]  A referida lei extinguiu, no âmbito do Poder Executivo federal, 10.462 cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS), sendo 1.201 DAS-4, 2.461 DAS-3, 3.150 DAS-2 e 3.650 DAS-1, e autorizou, na medida em que forem extintos os citados cargos, a substituição deles, na mesma proporção, por Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE), privativas de servidores efetivos, criadas pela Lei. Iniciativas semelhantes haviam sido desenvolvidas anteriormente em relação aos cargos da estrutura regimental de outros órgãos: Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), com reconhecido sucesso, o que deu mais respaldo à Administração prosseguir com esse movimento.

[12] Os dados do PEP se referem a abril de 2022.

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculados.

Regina Luna Santos de Souza
Mestre em Ciência Política (UnB/DF), Doutora em Comunicação (UnB/DF) e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG/ME) desde 1996. Atua na área de Comunicação e Políticas Públicas, Desempenho Organizacional e Gestão de Políticas Públicas. É, atualmente, coordenadora acadêmica e docente dos cursos de Mestrado Profissional da Enap. Docente colaboradora do curso de Gestão de Políticas Públicas (UnB), responsável pela disciplina “Cargos no Serviço Público”. Contato: regina.souza@gmail.com

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