A luta era desigual e o preço foi carregar a derrota dos sonhos, muitas vezes.
Itamar Vieira Júnior

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Números
Representação da diversidade no estado

A teoria da Burocracia Representativa é recente.  Ela vem sendo aplicada a partir da década de 1950 com a ideia de analisar, discutir e entender quem são as pessoas que operacionalizam o Estado. De que forma essas pessoas podem promover interesses e ações conforme as suas experiências. E esse “como são” é sob a perspectiva sociológica: gênero, raça/cor, etnia, classe, territorialidade e tudo isso também se junta à gestão de pessoas como um sistema de políticas de recursos humanos e práticas organizacionais. A teoria da Burocracia Representativa [1] analisa como se dá a atuação do Estado a partir de representações projetadas pelas pessoas investidas de condições para decidir sobre políticas públicas. 

Burocracia Representativa é classificada em ativa e passiva. Uma representação ativa é identificada quando a burocracia age de forma a favorecer uma população que se assemelha a ela mesma. Por exemplo, de acordo com essa teoria, há uma hipótese de que mulheres em cargos de decisão priorizariam ações que beneficiam mais mulheres. E quando temos uma burocracia de representação passiva? Nesse caso, é quando a burocracia reflete as origens demográficas da população a que serve. Assim, em uma administração pública onde haja mais mulheres na população, espera-se que tenha a mesma proporção de mulheres também em cargos públicos. 

Números

Dados de raça e gênero de 2020 nos cargos de direção da administração pública federal., DAS-5 e DAS-6 [2] [3] , nos apresenta o seguinte quadro: 55% dos DAS-5 e 65% dos DAS-6 são ocupados por homens brancos; as mulheres brancas ocupam 21% dos DAS-5 e 15% dos DAS-6; homens negros estão em 14% dos DAS-5 e 13% dos DAS-6; quanto às mulheres negras, elas representam 4% dos DAS-5 e 1% dos DAS-6. 

Ao colocar uma lupa sobre cinco órgãos governamentais superiores (Procuradoria da República – PR, Ministério da Educação – MEC, Ministério da Saúde – MS, Ministério da Infraestrutura – Minfra e Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – MMFDH) vimos que a maior participação dos homens brancos se dá no Minfra (61%), a segunda, na PR (58%); as mulheres brancas ocupam mais cargos de direção no MMFDH (35%) e nesse mesmo ministério é onde homens brancos estão em menor posição (33%). Ali as mulheres negras ocupam 9% dos DAS-5 e DAS-6, esta é a melhor participação delas entre esses ministérios. Ainda, no Minfra, as mulheres negras são apenas 2% , ao contrário dos homens negros que são 22%. Esse é o ministério onde homens negros estão em maior quantidade nos cargos de direção, seguido do MEC (15%). No MS, as mulheres negras figuram na sua segunda melhor participação (6%), seguido dos homens negros (14%), das mulheres brancas (25%) e com ampla participação dos homens brancos (51%). 

Como vimos, não há quebra de tendência do quadro mais geral da ocupação de altos cargos de direção no Poder Executivo Federal [4]. Mantém-se a reprodução da pirâmide socioeconômica já mencionada em outros artigos aqui nesta plataforma, homens brancos, mulheres brancas, homens negros e na base, mulheres negras.

Mas, para quem atua na gestão de pessoas de que interessa a teoria da burocracia representativa? Estamos certas de que a gestão de pessoas não está concentrada apenas em práticas desenvolvidas por uma unidade organizacional que tem na sua descrição competências de administração de pessoal, capacitação e desenvolvimento de pessoas; muito além dessas atividades, a gestão de pessoas é realizada em parceria com agentes responsáveis por macroprocessos e processos. 

Para um movimento de massa na administração pública, sabemos que políticas de gestão de pessoas acabam saindo do órgão central do sistema de pessoal. Por outro lado, se não há uma coordenação macro, por que não começar iniciativas de inclusão por órgãos públicos e unidades de gestão de pessoas para impulsionar um efeito espiral? Pois bem, daí a importância que essas áreas se apropriem de diferentes perspectivas de análises da burocracia.

REPRESENTAÇÃO DA DIVERSIDADE NO ESTADO 

E também, como sabemos, na vida não existe neutralidade e não é diferente na formulação e implementação de políticas públicas. Esse é o espírito da teoria da burocracia representativa. Além de se ter, no caso brasileiro, a expectativa de que mulheres e pessoas negras possam advogar em prol de ações públicas que priorizem a melhoria da experiência de vida de mulheres e da população negra, resta ainda toda uma simbologia democrática na representação da diversidade da população brasileira no Estado. 

Se quisermos ter um Estado verdadeiramente democrático e promotor da igualdade racial e de gênero, este é um primeiro passo a ser dado, olhar a composição de sua burocracia, verificar se parece ao público a que serve e quais grupos específicos estão sendo representados. É evidente que não é uma relação de causa e efeito instantânea [5], não basta ter mulheres, por exemplo, em posição de decisões que haverá políticas em prol do público feminino, entretanto, como já mencionado há o aspecto de se fazer um Estado democrático onde todos os grupos sociais devem ter acesso às funções públicas. Daí para uma representação passiva se tornar uma ativa, esses grupos sociais necessitam ter discricionariedade suficiente [6] para influir na política e se reconhecer como uma minoria social para alavancar benefícios à população que representa. 

[1]  A minha tese de doutorado foi baseada na Teoria da Burocracia Representativa. Uma relativa bibliografia sobre a teoria pode ser explorada no meu trabalho: https://repositorio.unb.br/handle/10482/17559
[2] Para um retrato mais amplo sobre a ocupação dos cargos de direção no Estado, acesse o Atlas do Estado Brasileiro em https://www.ipea.gov.br/atlasestado/filtros-series/37/cargos-publicos-de-confianca
[3] Com a edição da Lei nº 14.204/2021 houve uma simplificação dos cargos em comissão e funções de confiança na administração pública federal, a partir desta lei DAS-5 tornou-se CCE-15 ou FCE-15; e DAS-6, CCE-17 ou FCE-17. 

[4] Uma discussão teórica e analítica sobre estratégias para igualdade de gênero e de raça nos cargos comissionados com maior poder de decisão pode ser encontrada no artigo de autoria de Iara Cristina da Silva Alves, intitulado “Burocracia representativa e perspectiva interseccional de gênero e raça nas políticas públicas”. 
[5] Determinantes para a Adoção de Cotas em Programas de Pós-Graduação de Maria Aparecida Chagas Ferreira, Marcelo Marchesini da Costa e Tatiana Dias Silva. Trabalho apresentado no VII Encontro Brasileiro de Administração Pública
[6] Para saber mais sobre discricionariedade e a relação entre representação ativa e passiva, sugiro ver a pesquisa empírica “Exploring the links between passive and active representation in Tennessee State agencies” de Joan M. Gibran.

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculados.

Maria Aparecida Chagas

Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Doutora em Sociologia e mestre em Educação. Foi secretária de Planejamento e Formulação de Políticas na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Foi membro da Comissão de Acompanhamento de Políticas de Ações Afirmativas na pós-graduação da UnB, onde trabalhou na proposta aprovada de implementação das ações afirmativas na pós-graduação para estudantes negras e negros, indígenas e quilombolas. Na Administração Pública Federal, atua em processos de gestão estratégica e gestão interna.

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