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Formato das seleções para profissionais de segurança
Despesa de pessoal

A República.org promoveu dois encontros da Rede República com profissionais públicos na área de segurança e pesquisadores especialistas para debater o tema das carreiras de segurança sob a ótica de gestão de pessoas. Durante esses eventos, foram discutidos os seguintes tópicos: governança, ingresso e concursos públicos, formação e capacitação continuada, profissiografia e mapeamento de competências, valorização profissional e a saúde dos profissionais de segurança pública. A presente nota, a segunda de uma série de cinco, sistematiza as discussões e traz reflexões sobre o desafio da modernização dos concursos públicos para carreiras da segurança pública, além de uma discussão sobre a despesa com pessoal. 

Este texto traz falas editadas das participantes apresentadas de acordo com os temas que conduziram as discussões. Aqui, trazemos as contribuições de Ana Cristina Faulhaber, Inspetora de Polícia Penal do Rio de Janeiro e Especialista em Políticas e Gestão de Segurança Pública; Carolina Ricardo, Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz; Claudia Moraes, mestre em ciências sociais e Tenente-Coronel da Polícia Militar; Kelly Carvalho, Inspetora de Polícia Penal do Maranhão e Especialista em Gestão Pública; Gracimeri Gaviorno, Doutora e mestre em direitos fundamentais, que atuou como Subsecretária e Ouvidora da Secretaria de Segurança Pública, Chefe da Polícia Civil do Espírito Santo e Secretária de Direitos Humanos e de Políticas Públicas para as Mulheres em Serra; e Vanessa Campagnac, doutora em Ciência Política e especialista em Segurança Pública, gerente de Dados e Comunicação da República.org.

Formato das seleções para profissionais de segurança

As participantes Ana Christina Faulhaber, Carolina Ricardo, Claudia Moraes, Kelly Carvalho e Gracimeri Gaviorno apontam para a necessidade de melhoria da descrição do trabalho a ser feito pelos agentes de segurança pública. Também foi destacado que a falta do dimensionamento da força de trabalho faz com que seja necessária a contratação de agentes em regime temporário, o que dificulta a construção de uma conexão com as atribuições daquele ofício relacionadas à parte educativa e de humanização.

No debate, as participantes falaram sobre como é preciso defender o ingresso por concurso público, pois já foi experienciada uma realidade diferente no Brasil —  sem êxito. Portanto, embora os concursos sejam relevantes para a profissionalização da carreira de segurança pública, é necessário remodelar o atual formato de ingresso.

Para isso, se faz necessário buscar estratégias de reformulação, a fim de evitar a mobilidade excessiva e, consequentemente, a perda de investimentos do Estado. Quanto a isso, Gracimeri Gaviorno, diz que:

Gracimeri: A academia como parte integrante do concurso é bem interessante.

Há muito investimento na formação policial, para o policial abandonar e ir para outros concursos ou estados. São duas perguntas que a gente tem que fazer: o que eu tenho o controle? E o que eu posso influenciar? Não tem como controlar essa mobilidade, mas é possível, por uma estratégia, criar o retorno do investimento. O policial faz uma formação cara, ainda assim ele pode se deslocar para outros estados e também se desligar. Mas, se ele se desligar num período, por exemplo, menor que cinco anos, ele vai ter que fazer devolutiva de investimento que o Estado fez. Isso é uma estratégia a se trabalhar. Já vi modelos como esse, que tem pelo menos um retorno de investimento. 

Gracimeri Gaviorno

Houve um destaque em relação ao impacto do ingresso por concurso público na qualidade da formação dos profissionais de segurança, mas não há uma padronização no processo em nível nacional. Além disso, também ocorrem variadas formas de seleção, e isso pode resultar em discrepâncias na atuação e expectativa dos profissionais. Kelly Carvalho, Ana Cristina Faulhaber, Carolina Ricardo e Claudia Moraes opinam sobre o assunto: 

Kelly Carvalho: Eu ainda não consigo visualizar uma maneira melhor de ingressar do que concurso público. 

Falarei aqui sobre uma situação que é uma realidade no estado do Maranhão. Nós não temos só as pessoas que ingressaram via concurso. Para que tivéssemos o quantitativo necessário de profissionais na área para atuar, optou-se por uma estratégia de realização de seletivos. 

Kelly Carvalho


Atualmente, lidamos com profissionais atuando como agentes temporários no sistema penitenciário, contratados por processos seletivos específicos, em contraste com aqueles ingressos via concursos públicos. Observa-se que a formação oferecida pela academia de gestão penitenciária frequentemente enfatiza aspectos relacionados à violência, o que contrasta com a abordagem atual da penitenciária do Maranhão. Esta última foca em promover humanização, trabalho e educação como atividades prioritárias. Contudo, surge uma lacuna evidente na preparação desses agentes: ao assumirem suas funções, enfrentam desafios práticos, como o encaminhamento de detentos para atendimentos necessários. Esse obstáculo decorre da falta de conhecimento sobre a estrutura organizacional da secretaria, o que implica em dificuldades para realizar tarefas essenciais ou saber a quem reportar-se em situações cotidianas, revelando uma deficiência significativa em seu treinamento.

Um concurso com edital mais informativo quanto à função que será desempenhada é essencial para um processo seletivo eficaz. É necessário que os candidatos saibam as atribuições que os esperam para que façam uma escolha consciente. Isso contribui para um maior engajamento e desenvolvimento profissional e evita as possíveis insatisfações em decorrência de expectativas equivocadas. Carolina Ricardo e Ana Cristina Faulhaber discutiram sobre o assunto.

Ana Christina Faulhaber: Acredito que, para fazer o concurso, deveria ser definido melhor qual é o trabalho que esse servidor vai executar e que ele entre para realizar esse trabalho.

Ana Christina Faulhaber: A seleção dos policiais penais tem sido um processo que vem há algum tempo com alguns erros, porque as pessoas entram na profissão sem saber exatamente o que elas vão fazer. Eu já ouvi pessoas falando que vão entrar para ir direto para gabinete de juiz ou outros órgãos e, na verdade, quando alguém entra para uma profissão tipo policial penal, ela vai atuar na custódia, na maioria das vezes abrindo e fechando cadeado.

Eu acho que, na carreira, pelo menos de policial penal, devia ter uma uma seleção que realmente mostrasse o que esses profissionais vão fazer para direcionar eles. É definir. Os critérios têm que ser mais delimitados.

Ana Christina Faulhaber

Carolina Ricardo: A gente não consegue mudar a estrutura do concurso, mas conseguimos mudar a maneira como os concursos hoje funcionam. Isso também está ligado a uma discussão sobre quais são as competências que se imaginam para cada uma das carreiras de segurança e como esses concursos não têm refletido uma seleção que seja baseada nisso. 

É pensar num tipo de concurso diferente. Por exemplo: concursos ou seleções para professores. Pode ter, como experiências de outros países mostram,  um concurso para professor sênior e contratação de professor júnior. Como isso seria nas diferentes carreiras de segurança?

Carolina Ricardo

Claudia Moraes:  É possível perceber que ainda existem algumas barreiras nos concursos para o ingresso de mulheres na Polícia Militar como oficiais. 

Há alguns anos, vimos que ter 10% era um privilégio, hoje ter 10% a 15% é cota, é limite, é teto. Foi identificada na Polícia Militar a ocorrência de um problema no concurso da PMERJ de 2014, pois os candidatos selecionados estão ingressando na polícia hoje, ou seja, estão fazendo curso de formação e chegando com mais idade. Até aquele momento da realização do concurso, havia um impedimento que viabilizou o ingresso de apenas 600 mulheres, 10% do número total de vagas. As mulheres entraram na justiça e hoje temos turmas no CEFAP, se formando com mais de 60% de mulheres, porque foram mulheres preteridas no concurso anterior.

Claudia Moraes

Em outubro de 2023, o ministro Cristiano Zanin suspendeu o concurso para PMERJ1 por considerar que houve um enfrentamento a uma exigência constitucional, presente no Inciso IV do Artigo 3 e estendendo-se ao artigo 39, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988. Nesse edital, havia restrição quanto ao número de vagas ofertadas conforme o gênero do indivíduo, e apenas 10% das vagas eram destinadas a mulheres, sendo vedada a entrada de mulheres nas outras 90%. Hoje, 10 anos após o último concurso citado por Cláudia, um novo edital para Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro foi publicado com o total de vagas destinado a ambos os gêneros2.

Esse debate traz um ponto-chave para que se chegue em um processo seletivo eficiente para as instituições de segurança: a necessidade de um direcionamento mais transparente e informativo nos editais de concurso público quanto à função a ser desempenhada. É preciso remodelar, explicitar e padronizar.  De acordo com as contribuições supracitadas, a clareza poderá orientar os candidatos a uma escolha consciente e realista. Assim, pode ser possível realizar um recrutamento de profissionais mais qualificados, e por consequência,  a mitigação de insatisfações.

Despesa de pessoal

Nesta discussão, Carolina Ricardo reforça como a estrutura pulverizada dos concursos públicos, destacando a competição entre os estados, revela alguns dos incentivos negativos criados pelo federalismo. 

É importante entendermos o quanto a estrutura de concursos é, na verdade, pulverizada. A configuração atual está dividida nos diferentes estados, e isso, hoje em dia, tem criado o que chamamos de incentivo ruim do federalismo.

Carolina Ricardo

Atualmente, há uma competição entre os diferentes estados, na qual vemos pessoas que fazem concurso em vários lugares diferentes e escolhendo seu destino com base no estado que dá melhor condição, o que não teria nada de ruim, mas é possível perceber que isso tem criado incentivos negativos entre os próprios estados que devem ser resolvidos. Por exemplo, se um estado melhora salário, os demais têm uma pressão para dar essa concessão, apesar de não caber no orçamento.

Carolina Ricardo: É importante pensar na questão da escala dos próprios concursos internos de progressão na carreira e afins. Como se separa a possibilidade de melhoria salarial sem necessariamente ter que ter a progressão na carreira? 

Como foi destacado, esse cenário federativo fragmentado fomenta a busca por melhores salários, isso porque vê-se uma competição maior em determinados estados que possuem remunerações mais atrativas. O efeito disso é uma pressão orçamentária que alguns estados sofrem. 
Ao longo da discussão, mesmo que o concurso público seja uma ótima alternativa de ingresso, há um anseio relacionado à transparência e ao detalhamento da seleção de novos profissionais concursados para que se tenha indivíduos competentes e qualificados na segurança pública. Foi ressaltado também que é preciso alinhar a formação de servidores em regime temporário com estatutários para que ambos sejam coerentes com as necessidades das instituições. Além disso, o recorte de gênero também é uma pauta que perpassa esses assuntos, como foi apontado, e que será abordado em notas futuras desta mesma série. A próxima nota desta série especial sobre carreiras de segurança pública abordará a formação e a capacitação continuada.

Referência Bibliográfica

1 https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi7483pmrj.pdf
2https://dhg1h5j42swfq.cloudfront.net/2024/01/09091856/2a-retificacao-pmerj-2024-revisada_drsp_versao_final_doerj.pdf

Ana Sales

graduanda em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pelo Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM). É estagiária na República.org na área de dados e já trabalhou com Educação Ambiental, mais especificamente com macrotendência crítica, em escolas públicas do Rio de Janeiro. É uma das fundadoras da Liga de Educação Ambiental da UERJ (LEducA).

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