O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE REPARAÇÃO NOS TERRITÓRIOS ATINGIDOS PELO ROMPIMENTO DE BRUMADINHO

Publicado em: 10 de outubro de 2022

Índice
Por uma reparação efetiva

O rompimento das barragens da Vale S.A, em Brumadinho (MG), ocorrido em 25 de fevereiro de 2019, provocou 272 mortes, bem como danos socioeconômicos e socioambientais. Para além das perdas humanas irreparáveis, que transformaram os planos e sonhos de centenas de famílias, outros efeitos diretos dessa tragédia foram identificados em 26 municípios localizados ao longo da calha do Rio Paraopeba. 

Do ponto de vista social e econômico, o rompimento provocou o rearranjo abrupto de toda a dinâmica da região atingida. Dentre os principais impactos, destaca-se a dispersão e deslocamento de famílias, o aumento dos casos de saúde mental, problemas de infraestrutura para acesso à água e dificuldade de abastecimento de alimentos. Além da perda de formas de subsistência relacionadas ao rio, foram identificados impactos nas atividades de turismo, pesca e agropecuária, assim como a redução da atividade minerária, que repercutiram no comércio, na indústria e nos arranjos produtivos locais. Todos esses efeitos afetaram de forma brutal a vida da população e a realidade dos municípios, bem como a dinâmica de funcionamento e de prestação de serviços públicos. 

Frente a esse cenário e paralelamente às diversas ações emergenciais empreendidas após o desastre, o poder público buscou garantir a efetiva responsabilização da empresa pela reparação integral dos danos e prejuízos causados. Fruto desse trabalho, em 04 de fevereiro de 2021, foi celebrado um acordo entre o governo do estado de Minas Gerais, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) – instituições denominadas compromitentes – e a compromissária Vale. 

O acordo judicial é inovador em vários aspectos, tendo instituído uma lógica de governança simplificada, que conta com o envolvimento direto das quatro instituições públicas signatárias em uma instância decisória colegiada, que coordena a execução do acordo. Também foram definidas etapas específicas para participação e envolvimento dos cidadãos e prefeituras dos municípios atingidos nas ações de reparação. 

Com valor estimado de R$ 37,68 bilhões, o instrumento estabelece à Vale obrigações de pagar – que envolvem a destinação de recursos ao governo do estado de Minas Gerais ou ao juízo competente para a execução de projetos específicos – e também de fazer – em que a empresa é a responsável direta pela execução de projetos.  Nesse sentido, o acordo estabelece lógicas de execução distintas para os diferentes tipos de ações reparatórias.

Os programas de Transferência de Renda e de Demandas das Comunidades Atingidas são coordenados pelas instituições de Justiça e executados por empresas gestoras contratadas. Os projetos de reparação socioeconômica e socioambientais são implementados pela empresa poluidora, sendo que a formulação é acompanhada pelos órgãos públicos competentes e a fiscalização é feita por auditorias externas independentes. Há, ainda, projetos de caráter compensatório definidos no próprio acordo para execução pelo governo do estado de Minas Gerais, segundo normas e regramentos próprios da administração pública, que visam reparar as perdas econômicas e prejuízos sofridos pelo estado como um todo. Todas essas ações contam com uma dinâmica de comunicação constante e com canais de transparência acessíveis ao público em geral – premissas estabelecidas no próprio acordo.

Por uma reparação efetiva

Especificamente em relação ao processo de reparação socioeconômica nos municípios atingidos, o acordo destinou R$ 4 bilhões – sendo R$ 1,5 bilhões para Brumadinho e R$ 2,5 bilhões para os outros 25 municípios atingidos – para projetos, a serem detalhados e executados pela Vale, que visam promover o fortalecimento dos serviços públicos locais. Tais investimentos são muito expressivos para os municípios, chegando, em alguns casos, a superar o orçamento anual de algumas das prefeituras e sendo, portanto, extremamente significativos para a geração de legado e a criação de resiliência nesses territórios.

Em termos materiais, o processo de reparação ocorre nos territórios atingidos. Portanto, ainda que caiba à Vale a responsabilidade de detalhamento e execução propriamente dita dos projetos, são os órgãos públicos estaduais e municipais os responsáveis pelas orientações técnicas e metodológicas que norteiam o planejamento e a execução. 

Logo, o município figura não apenas como público-alvo das políticas públicas reparatórias, mas também como protagonista na delimitação e formulação destas, inclusive auxiliando na identificação da viabilidade técnica dos projetos e assumindo o compromisso de manutenção futura dos equipamentos públicos a serem implantados. Assim, entende-se que a capacidade institucional local é um fator determinante para o adequado detalhamento e implementação dos projetos, bem como para a garantia de que estes contribuirão para o desenvolvimento socioeconômico local.

Neste cenário, os servidores públicos municipais são peças-chave para o desenvolvimento assertivo das políticas e alcance dos resultados da reparação. São os agentes públicos municipais que garantem que a definição do problema se dará sob uma perspectiva local, auxiliam na construção de alternativas e na identificação de oportunidades e de possibilidades de redução de riscos, bem como asseguram a sustentabilidade das iniciativas. Além disso, estes servidores também têm um importante papel na tradução dos procedimentos e regras do acordo à população atingida. A prefeitura é a face do poder público mais acessível e próxima dos cidadãos, com ampla compreensão das especificidades locais. 

Portanto, para que a reparação aconteça de maneira efetiva, as instituições compromitentes do acordo – EMG, MPF, MPMG e DPMG – precisam estabelecer mecanismos de articulação constante com os servidores públicos municipais, visando promover a aderência dos projetos socioeconômicos à realidade e às necessidades do território. 

Frente a esse propósito, o Comitê Gestor Pró-Brumadinho – instituído pelo governo do estado de Minas Gerais para acompanhamento do processo de reparação integral – busca promover o constante alinhamento com os municípios. A equipe estadual promove interlocuções diárias com as equipes municipais – por telefone, e-mail, mensagens eletrônicas e reuniões – bem como realiza visitas periódicas aos territórios atingidos, buscando estreitar os laços, compreender melhor as perspectivas locais e vislumbrar, de perto, as especificidades de cada território.

O suporte aos municípios na interface junto à Vale durante o processo de planejamento e execução dos projetos envolve, também, a realização de capacitações, o acompanhamento das diversas agendas técnicas junto à empresa, a disseminação de informações e orientações aos municípios, bem como o estabelecimento de fluxos e procedimentos para a garantir que os projetos definidos serão implementados de forma adequada e eficiente. Esse esforço empreendido pela equipe do Comitê Gestor Pró-Brumadinho e pelas instituições compromitentes é crucial para que as equipes municipais caminhem alinhadas às etapas e fluxos da reparação. 

Considerando que uma das premissas do processo de reparação socioeconômica é a geração de legado para os municípios atingidos, é fundamental que os municípios se preparem para manutenção dos equipamentos e serviços implantados com os recursos do acordo judicial e para seu custeio no médio e longo prazo. Desta forma, é importante que a administração municipal esteja atenta à revisão de processos; à criação de estratégias de atração de investimentos e de geração de sincronia entre as ações de reparação em andamento e outras políticas públicas municipais; ao fortalecimento de habilidades, capital técnico e tecnológico para as equipes locais; à gestão do conhecimento e à ampliação da capacidade de articulação institucional.  

Nos quase 18 meses decorridos desde a celebração do acordo judicial, diversos projetos de reparação socioeconômica já foram detalhados e iniciados, tendo observado as premissas de atuação do poder público municipal. Com essas iniciativas em andamento, os municípios atingidos têm importantes insumos para traçar um caminho de desenvolvimento sustentável, no qual os servidores municipais têm um papel decisivo para que novos resultados se materializem nos territórios.

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculados.

Renata Bernardo: Mestre em Políticas Públicas e Administração pela London School of Economics (2009), graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007) e em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (2005). Desde 2005, integra a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estado de Minas Gerais. Há dois anos atua como Coordenadora Adjunta do Comitê Gestor Pró-Brumadinho, vinculado à Secretaria de Planejamento e Gestão, para coordenar e supervisionar o planejamento e a implementação do Acordo Judicial de Reparação do desastre de Brumadinho.

Geovana Santos: Desde 2013, é membro da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estado de Minas Gerais e atua como Coordenadora do Núcleo de Projetos Socioeconômicos da Bacia do Rio Paraopeba do Comitê Gestor Pró-Brumadinho - vinculado ao Gabinete Adjunto da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais desde 2021.

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