Embora a segurança pública não se encerre nas forças de segurança, os profissionais da área, especialmente policiais, acabam por exercer um papel fundamental na garantia de um direito garantido constitucionalmente. Como instituições de Estado, as forças de segurança atuam na preservação da ordem e na aplicação da lei, e são essenciais para a manutenção das democracias. A valorização e o controle das forças de segurança são, portanto, exigências democráticas, dada a sua importância na garantia da cidadania.

A despeito de sua importância, a discussão sobre os modelos institucionais e de carreira de profissionais das forças de segurança tem sido negligenciada, e não são poucos os problemas observados. A escalada de candidaturas eleitorais de policiais e a inegável contaminação política das forças são efeitos recentes que ganharam notoriedade pública, mas a questão é mais profunda. 

Dados do Mapa das Polícias[1] mostram que a distribuição de postos e graduações é inadequada à utilidade operacional e estratégica das forças. Para citar um exemplo, a relação entre cabos e soldados e sargentos, que deveria compor uma pirâmide, é desproporcional em 23 das 27 unidades da federação[2]. Considerando que sargentos atuam como supervisores dos policiais da ponta, há mais supervisores (sargentos) que policiais na rua, o que acaba configurando desvio de função das polícias, tornando a reestruturação das progressões das carreiras um debate fundamental.

É também preocupante a relação de efetivo policial cedido para outros órgãos, sobretudo judiciais. No país, 8.881 policiais militares estão cedidos, sendo 7.342 praças[3], o que impacta diretamente o policiamento ostensivo, que é a função dessas polícias. O que queremos das nossas polícias?

A sociedade, as dinâmicas criminais e os problemas de segurança pública mudaram. A segurança pública tem vivido uma crise que se reflete nos indicadores de violência e também na sensação de insegurança da população. Não dá para pensar cada força de forma apartada. 

É preciso que as especificidades sejam respeitadas, mas que elas estejam guiadas por denominadores comuns que dotem os gestores de capacidade de coordenação, supervisão e governança democrática, hoje quase inexistentes.

A grande maioria das normativas que regulam e controlam essas forças são anteriores à Constituição Federal de 1988, contexto que prejudica a modernização necessária das forças. De fato, algumas das principais dificuldades enfrentadas pelas atividades policiais passam por sobreposições legais, que são, muitas vezes, dissonantes. A repactuação federativa sobre competências e atribuições das forças e das suas carreiras é urgente.

Referências Bibliográficas

116º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, disponível em https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=15.
2Idem, p. 478.
3Idem, p. 477.

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais eles estão vinculados.

David Marques

Coordenador de Projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (2016). Possui graduação em Ciências Sociais (2011) e mestrado em Sociologia (2014) pela Universidade Federal de São Carlos. Tem interesse nos temas relativos à gestão do crime e da violência por parte das instituições estatais do campo da segurança pública e justiça criminal. Desde 2012 é integrante do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (GEVAC/UFSCar) e pesquisador do INCT/InEAC.

Marina Bohnenberger

Mestre em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (PPGAS/USP) e bacharela em Ciências Sociais pela mesma universidade. Pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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