Por Gabriel Lui

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Orçamento

Conforme exploramos no texto anterior, a legislação ambiental brasileira é considerada robusta e moderna, mas vários dos seus instrumentos sofrem com uma implementação deficiente ou desigual no território, o que reflete várias das injustiças e disparidades do desenvolvimento nacional. Enquanto algumas regiões do país contam com resultados positivos, medidos por indicadores como a cobertura de água e esgoto tratados, coleta e destinação apropriada de lixo ou pela cobertura e recuperação da vegetação nativa, outras sequer conseguem organizar os dados ou a estrutura administrativa necessárias para o desenvolvimento e execução das responsabilidades previstas na Política Nacional de Meio Ambiente PNMA) (Lei n° 6.938/1981). 

A PNMA é a principal peça do ordenamento jurídico ambiental brasileiro e estabelece, entre outros, o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), no qual se definem os principais elementos da governança e da competência do poder público nos três níveis federativos quanto à proteção do meio ambiente. Segundo a PNMA, os entes federativos são responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental nas suas respectivas jurisdições, e devem estabelecer normas e executar políticas para compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Os principais órgãos do Sisnama são o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama – órgão consultivo e deliberativo, com participação da sociedade civil), o Ministério do Meio Ambiente (MMA – órgão central), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) (órgãos executores federais), as secretarias estaduais de meio ambiente (órgãos seccionais) e as secretarias e departamentos municipais de meio ambiente (órgãos locais).

Orçamento

A responsabilidade conferida pela PNMA aos órgãos ambientais do Sisnama é enorme frente aos meios que foram disponibilizados pela sociedade brasileira para cumprir tal missão. Em nível federal, por exemplo, os órgãos de meio ambiente – MMA, Ibama e ICMBio e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) – contam com uma fatia pequena e decrescente do orçamento público. Entre 2019 e 2021, as despesas da União previstas para esses órgãos caíram 19%, e a execução dos recursos representou apenas 0,07% dos gastos públicos federais[1]. O mesmo padrão se observa em relação ao número de servidores. Atualmente há cerca de 5.000 funcionários nesses órgãos para realizar tarefas como o desenho e detalhamento de políticas climáticas, a gestão de processos complexos de licenciamento e controle ambiental, a fiscalização de crimes ambientais e a gestão de áreas protegidas, que somam quase 10% do território nacional. Em comparação, os principais órgãos ambientais dos Estados Unidos que desempenham funções semelhantes (Bureau of Oceans and International Environmental and Scientific Affairs/OES, Environmental Protection Agency/EPA, U.S. Forest Service e U.S. Fish and Wildlife Service) contam com cerca de 50.000 funcionários.

Em níveis estadual e municipal, há uma representação institucional significativa do Sisnama. Todas as 27 unidades federativas contam com secretarias ou institutos exclusivos dedicados ao meio ambiente, e 78% dos municípios possuem órgãos de meio ambiente – percentual que chega a 97% nos municípios com mais de 500 mil habitantes[2]. Apesar da cobertura institucional para o tema, o padrão observado em nível subnacional é de baixa disponibilidade orçamentária e número insuficiente de servidores para lidar com os desafios crescentes das políticas ambientais – em especial em entes federativos com baixa arrecadação e pouca capacidade de investimentos públicos, como é recorrente em estados e municípios da Amazônia, por exemplo. 

Além da redução do orçamento e da não recomposição do quadro de servidores, os últimos anos de acentuada crise econômica e política também têm gerado uma pressão adicional sobre os órgãos ambientais, em especial nas demandas e serviços que estão mais ligados às atividades produtivas. Tem sido recorrente o movimento no Legislativo e em parte do Executivo Federal para revisar e relativizar regras de licenciamento e fiscalização ambiental, por exemplo. A atuação dos órgãos públicos, em especial as ações de fiscalização de crimes ambientais, passou a ser altamente questionada no atual ambiente de polarização política. Como consequência, por exemplo, o Ibama perdeu 55% dos fiscais em 10 anos[3] e o número de servidores demitidos, afastados ou com processos administrativos disciplinares (PADs) vigentes é o maior que a Controladoria-Geral da União (CGU) já registrou[4]

Há uma cobrança de parte da sociedade para que os processos de controle ambiental se tornem mais simples, céleres ou permissivos, de forma a diminuir o impacto sobre as atividades econômicas. Ao mesmo tempo, novos instrumentos normativos relevantes para a implementação da PNMA, como a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (Lei n° 14.119/2021) e a regulação do Mercado de Carbono (Decreto n° 11.075/2022), são aprovados sem o respectivo fortalecimento dos órgãos responsáveis pelas matérias. Sem o respaldo administrativo e orçamentário necessário para implementar as políticas ambientais, os entes federativos do Sisnama sucumbem à percepção de ineficiência e baixo retorno à sociedade – recorrente em outros serviços públicos no país. Com isso, ganham força as propostas de modernização e desburocratização do Estado que mascaram o subfinanciamento e sucateamento de um setor estratégico para o desenvolvimento socioeconômico e para o posicionamento geopolítico do país. O Sisnama é um patrimônio institucional que precisa ser valorizado e sustentado para permitir que o Brasil exerça as suas vantagens comparativas na agenda ambiental global.  

[1] Portal da Transparência. https://www.portaltransparencia.gov.br/orgaos-superiores/44000?ano=2022 
[2] Taciana Neto Leme. Planejamento e Políticas Públicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010 (http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3992/2/PPP_n35_Municipios.pdf) 
[3] https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,ibama-perde-55-dos-fiscais-em-10-anos,70003397998

[4] https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,processos-demissoes-servidores-ambientais-registram-maior-indice-ultimos-dez-anos,70003892636

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculados.

Gabriel Lui
Graduado em Gestão Ambiental pela Esalq/USP, mestre e doutor em Ecologia Aplicada pela USP. Ocupou posições de direção na área de economia florestal, desenvolvimento rural sustentável e combate ao desmatamento no Ministério do Meio Ambiente e no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Atuou no desenvolvimento e implementação de algumas das principais políticas relacionadas ao uso da terra do país, como o Novo Código Florestal, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a NDC do Brasil. Atua como pesquisador associado do Center for the Analysis of Social-Ecological Landscapes (Casel), Indiana University, EUA. Atualmente coordena o portfólio de Uso da Terra e Sistemas Alimentares do Instituto Clima e Sociedade.

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