Orçamento público: a mídia do Estado

Publicado em: 27 de junho de 2022

Por Cilair Abreu

Índice
Custeio e investimento

Se você quer saber quais as prioridades e o que os governos estão fazendo, olhe para o orçamento. Implementar políticas públicas custa dinheiro. A máquina estatal também. Para custeá-los é necessário o desembolso de recursos expressos em unidades monetárias, que são agregados em classificações e programações padronizadas no Orçamento Geral da União (OGU). Ou seja, o orçamento público é uma fonte privilegiada de produção de informação sobre a organização e o funcionamento do Estado, porque as políticas públicas e a Administração Pública são onerosas. Portanto, conhecer o dialeto “orçamentês” é fundamental para o controle social e para o exercício da cidadania.

A organização dos dados orçamentários em uma base comum facilita o entendimento de cada unidade e as comparações entre elas em vários recortes de conteúdo e tempo. Seja no Ministério da Saúde (MS), da Infraestrutura (MI) ou da Educação (MEC) – órgãos que atuam em áreas completamente diferentes – a definição, por exemplo, do que é uma despesa de pessoal, de custeio ou de investimento se aplica da mesma forma. Assim, além da compreensão direta do conteúdo de quanto foi gasto, é possível fazer comparações entre os órgãos.  

O OGU tem 17 classificações no momento da sua elaboração, que combinam letras e números para formar códigos associados a uma descrição, criando uma unidade de informação. No Manual Técnico de Orçamento é possível conhecer todas as definições. Os dados estão disponíveis em aplicações do tipo Business Intelligence (BI) de órgãos oficiais. Com isso, é possível consultar e analisar a organização e o funcionamento do Estado. Deixo aqui os links de dois BI de acesso livre: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento – SIOP, do Ministério da Economia, e o Siga Brasil do Senado Federal. Em ambos as informações são atualizadas diariamente com dados do dia anterior.

CUSTEIO E INVESTIMENTO

Veja alguns exemplos de análises possíveis sobre o orçamento executado em 2021. Usando duas classificações: a Institucional e por Grupo Natureza de Despesa (GND), pode-se identificar que no Ministério da Saúde (MS) há proporcionalmente mais despesa de custeio (88%), e no Ministério da Infraestrutura (MI) tem mais de investimento (40%). Essa concentração de um tipo de despesa por órgão ocorre devido às características das áreas, a forma como o Estado se organiza e se relaciona com a sociedade. A despesa de custeio engloba pagamento de água e luz do próprio órgão, mas também a manutenção de hospitais e a compra de vacinas ou medicação de alto custo, que são repassados aos estados e municípios de acordo com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, faz sentido a concentração desse tipo de despesa no MS. Já no MI, que tem como missão melhorar a infraestrutura do país, é plausível um percentual maior de despesa alocada em investimento. 

Um ponto sempre polêmico no debate sobre a Administração Pública é a questão do quanto se gasta com os servidores. Dos três ministérios em análise, é o MEC que tem proporcionalmente mais despesa de pessoal, 63%. De fato, este é o órgão federal que presta serviços diretamente de educação média e superior, pesquisa científica e atendimento hospitalar nos hospitais universitários. Essas atividades são intensivas em mão de obra: professores, profissionais de saúde, de suporte etc. 

Pode-se indagar por que o Ministério da Saúde, responsável por uma área também intensiva em pessoal, tem proporcionalmente menos despesa de pessoal. A resposta é simples. No pacto federativo brasileiro, os serviços de saúde são prestados majoritariamente por estados, municípios e Distrito Federal. A União tem um papel de coordenação e cofinanciamento do SUS, só atuando de forma direta em atividades específicas. Por isso, o MS não tem tantos servidores quanto o MEC.

Algo similar ocorre na comparação entre os ministérios da Infraestrutura e o das Minas e Energia (MME). Ambos atuam no setor de infraestrutura clássica, mas as despesas de investimentos no MME representam só 0,5% do total contra 40% no MI. Mais uma vez a diferença está na forma de relacionamento de cada órgão com a sociedade. O MI realiza obras diretamente ou repassando recursos em convênio para os demais entes da federação. Já o MME, concentra as suas atividades no planejamento, concessão de direito de exploração econômica e fiscalização das atividades nas áreas de energia e mineração, quem investe é o setor privado.

O “orçamentês” pode parecer complicado no início, mas em pouco tempo é possível ficar fluente. O orçamento público é um instrumento técnico e político. Usei exemplos de análises simples com dados de fácil acesso e interpretação para demonstrar que o orçamento pode gerar muitas informações sobre o Estado e a relação deste com a sociedade. Atenção, esses elementos técnicos não solucionam problemas da esfera política, mas podem explicitá-los, inclusive apontando ausências. Como é o caso do orçamento “secreto”. 

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculados.

Cilair Abreu
Doutor em Administração Pública, Analista de Planejamento e Orçamento do Ministério da Economia

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