Índice
A tramitação das PECs no Senado
Controle de constitucionalidade das PECs
Constituição de 1988: fragilidade diante das mudanças políticas

No primeiro artigo desta série, abordamos as condições para apresentação e apreciação das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) pelo Congresso Nacional, e sua tramitação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, etapa preliminar para que sua apreciação possa ocorrer em Plenário.

Aprovado o parecer pela Comissão, ou sem esse parecer, no caso de avocação pelo presidente da Câmara, como ocorreu em 1996 durante a tramitação da PEC nº33/1995 (Reforma da Previdência), a proposta vai ao Plenário, podendo ser incluída na ordem do dia após o interstício de duas sessões.

Se houver a apresentação de “substitutivo”, que é uma modificação ampla do conteúdo da PEC, ele terá preferência no Plenário, em relação à PEC original. Segundo o Regimento da Câmara, a PEC deve ser discutida no Plenário, em primeiro turno, e, se aprovada, em segundo turno, observado o interstício de cinco sessões. Esse prazo, em princípio, visa permitir que haja um período de reflexão sobre a PEC, antes de sua apreciação final.

Durante a discussão em primeiro turno, não cabem novas emendas, mas podem ser apresentados requerimentos de Destaque para Votação em Separado (DVS), e apresentadas emendas aglutinativas, que têm como objetivo a “fusão” de emendas já apresentadas visando um meio termo entre elas. Os DVS podem tanto buscar trazer para discussão e votação emendas ou trechos de emendas não aprovadas pela comissão especial quanto submeter a exame específico – em separado – trechos da PEC em discussão. Em geral, os DVS têm o objetivo de suprimir os trechos mais problemáticos, sejam artigos, incisos, parágrafos ou alíneas, ou parte deles, desde que a supressão não inverta o sentido da proposta em discussão.

A matéria que for aprovada em primeiro turno, se houver alterações, retorna à Comissão Especial, para que seja elaborada a redação final para o segundo turno. No segundo turno, o Plenário, então, deve novamente examinar o texto da PEC e concluir a votação. Contudo, ela pode ser objeto de novos DVS, para suprimir trechos, mas não pode ser novamente emendada. Ou seja, o mesmo texto deve ter sido aprovado em dois turnos pelos deputados.

Embora haja a previsão de um rito de apreciação que privilegia a cautela, por se tratar de emendas à Constituição, em vários momentos ocorrem acordos que objetivam a “quebra” do interstício entre o primeiro e segundo turno. Nesses casos, por maioria de votos, os deputados podem decidir votar os dois turnos de uma PEC no mesmo dia, acelerando a sua tramitação.

A TRAMITAÇÃO DAS PECs NO SENADO

Concluída a apreciação, a PEC, na sua forma final, é remetida pela Câmara ao Senado, onde a apreciação se inicia pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), com a designação de um relator.

Contudo, no Senado a CCJC analisa tanto a admissibilidade quanto o mérito e não há “comissão especial”. Nessa fase de tramitação, os membros da Comissão podem apresentar emendas individuais, sem necessidade de apoiamento. Se aprovadas emendas à PEC nessa fase, devem ser ratificadas por pelo menos um terço dos senadores.

Encerrada a apreciação pela CCJC, com a avaliação do parecer do relator, a PEC vai ao Plenário do Senado, onde deve ser aprovada em primeiro turno por três quintos de votos, após encerrada a discussão por cinco sessões. Nessa etapa, antes da votação, podem ser apresentadas emendas por um terço dos membros do Senado, e, emendada, ela retorna à CCJC para emitir parecer. Com esse parecer a PEC volta ao Plenário, para votação em dois turnos, observado interstício de cinco sessões entre eles.

No Senado, porém, embora o Regimento não o preveja, há uma praxe que resulta de acordos e admite a possibilidade de um “calendário especial”, dispensando tanto o interstício entre votações do primeiro e segundo turnos como até mesmo submetendo PECs ao Plenário sem a apreciação pela CCJC. Embora sejam procedimentos excepcionais, eles conferem ao Senado uma capacidade de deliberação mais rápida do que na Câmara dos Deputados.

Caso a PEC oriunda da Câmara seja alterada no seu mérito pelo Senado, ela deve retornar à Câmara para novo exame, passando por todas as etapas já mencionadas.

Se, contudo, as alterações forem apenas formais ou não houver alteração, a PEC vai à promulgação em sessão do Congresso Nacional para, só então, entrar em vigor.

É importante destacar que as PECs não se sujeitam à sanção ou veto presidencial. Uma vez aprovada em definitivo, cabe à Mesa do Congresso Nacional, sem a manifestação do Executivo, promulgá-la.

Dessa forma, se o Poder Executivo discordar de uma PEC, ou de alterações promovidas pelo Congresso a uma PEC de sua autoria, cabe-lhe atuar politicamente, junto aos líderes e parlamentares, para impedir a aprovação da matéria, ou assegurar que o que seja aprovado esteja de acordo com o seu interesse.

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS PECs

Uma inovação relevante, a partir da Emenda Constitucional nº 95, de 2016, foi a inclusão no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), na forma do art. 113, de que “a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”. O art. 114 prevê que mesmo no caso da tramitação de PEC, quando acarretar aumento de despesa ou renúncia de receita, ela poderá ser suspensa por até 20 dias, a requerimento de um quinto dos membros da Casa, para análise de sua compatibilidade com o Novo Regime Fiscal instituído pela EC n° 95, que fixou um teto de despesas a vigorar até 2036.

Ainda que aprovada e promulgada, a emenda constitucional resultante desse complexo processo pode ser objeto de controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário. Cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF), que é o guardião da Constituição, apreciar eventuais questionamentos pela via de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Embora sejam raras as decisões do STF quanto a isso, elas não são inéditas. O STF, em várias ocasiões, já declarou, inclusive em sede de liminar, a inconstitucionalidade de trechos de emendas constitucionais promulgadas pelo Congresso, como no caso da alteração ao caput do art. 39 da CF, ou do art. 114, ou, ainda, no caso da criação do Imposto sobre Movimentações Financeiras (IMF).

Essa possibilidade, longe de representar demérito ao Legislativo ou invasão de sua competência exclusiva pelo Judiciário, tem como finalidade a preservação da higidez do sistema constitucional, a garantia de sua coerência e o respeito ao direito das minorias, especialmente no que diz respeito ao devido processo legislativo.

CONSTITUIÇÃO DE 1988: FRAGILIDADE DIANTE DE MUDANÇAS POLÍTICAS

Desde a vigência da Constituição, já foram aprovadas e promulgadas pelo Congresso Nacional 120 emendas constitucionais (até 6 de maio de 2022), além das seis emendas constitucionais de revisão, aprovadas em 1993, com fundamento no art. 3º do ADCT, que previa que, cinco anos após a promulgação da Constituição, realizar-se-ia revisão constitucional pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em sessão unicameral. Essa redução do “quórum” para aprovação das emendas visava facilitar as alterações, notadamente no caso de ser necessária a adoção do parlamentarismo ou da monarquia, como previa o art. 2º do ADCT. Como o eleitorado nacional decidiu pela manutenção da República e do presidencialismo, alguns juristas defendiam que não deveria haver a revisão constitucional. Ainda assim, ela ocorreu, mas com poucos resultados concretos, entre os quais a redução do mandato presidencial de cinco para quatro anos, a partir de 1995. Desde então, a Carta sofreu profundas alterações, em geral ampliando e detalhando o seu conteúdo, inclusive com a inclusão de novas regras “transitórias” no ADCT, mas também reduzindo direitos, como no caso das ECs n° 20/1998, 41/2003 e 103/2019, que promoveram reformas previdenciárias.

Ainda que seja, portanto, uma Constituição do tipo “rígido”, que requer quórum ultra qualificado para a sua alteração, a Constituição Federal, vigente há quase 34 anos, tem sido modificada com grande frequência, e nem sempre com os melhores propósitos.

Esse exagerado emendamento reflete o que o jurista Ferdinand Lassale apontava em sua conferência “A Essência da Constituição”, proferida em 1863: a essência da Constituição é a soma dos poderes reais que regem uma nação. Quando o seu texto não reflete o consenso entre esses poderes, ela se torna suscetível a mudanças. Reformas constantes, e sucessivas, por meio de emendas constitucionais, podem ser um sinal de que a Constituição vigente ou é incompleta, ou não atende a essas relações de poder. E, se ela não refletir aquelas relações de poder, ela pode se tornar apenas “papel sujo de tinta”. É papel do Judiciário, precipuamente, a guarda da Constituição, de seus princípios e fundamentos, até mesmo para evitar que emendas inconstitucionais sejam promulgadas.

Assim, a prática legislativa no Brasil tem demonstrado que, embora vigente há mais de três décadas, a Constituição promulgada em 1988 tem-se mostrado pouco resistente às mudanças oriundas do poder constituinte derivado, embora resiliente no que é essencial, que são os seus princípios, valores, direitos e garantias individuais. Resta saber se ela resistirá a arroubos autoritários e à sua desobediência ou desrespeito por quem, ao ser eleito, assumiu o compromisso de mantê-la, defendê-la e cumpri-la.

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculados.

Luiz Alberto dos Santos

Advogado, mestre em Administração e doutor em Ciências Sociais. Consultor legislativo do Senado Federal. Ex-subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República (2013-2014). Professor colaborador da Ebape/FGV.

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