Índice
Modelo de gestão por resultados no serviço público
Órgão especializado para embasar e acompanhar políticas públicas
Os projetos de Lei que podem completar a reforma administrativa

A complexidade e a amplitude de uma reforma administrativa nos colocam um problema: por onde começar esse processo? É possível abordar todos os temas que impactam a prestação de serviços públicos, ao mesmo tempo, no Congresso Nacional ou devemos definir prioridades? Este artigo pretende contribuir com esse debate.

Uma reforma administrativa deve alterar as regras de gestão e controle do setor público no sentido de propiciar mais eficiência, transparência e qualidade na prestação de serviços à população. No entanto, para definir quais alterações devem ser feitas, é preciso ter um diagnóstico amplo dos problemas que impactam o alcance desses resultados e clareza quanto ao seu objetivo principal. Esse passo inicial é importante para subsidiar a formulação de propostas consistentes e a definição da estratégia política de condução da reforma.

O objetivo principal da reforma administrativa deve ser reduzir as desigualdades no país, como, por exemplo, no acesso aos serviços de saúde e educação de qualidade e na distribuição de renda.

Infelizmente, o debate atual, pautado pela PEC-32, enviada ao congresso pelo governo anterior, não conseguiu consolidar um diagnóstico capaz de apontar claramente o objetivo central e as principais causas dos problemas enfrentados pela gestão pública na sua provisão de serviços. Isso se deve, sobretudo, pela falta de uma boa análise do tema nessa proposta de emenda constitucional — e essa é a grande fragilidade da proposta enviada ao Congresso.

O objetivo principal da reforma administrativa deve ser reduzir as desigualdades no país, como, por exemplo, no acesso aos serviços de saúde e educação de qualidade e na distribuição de renda. Além disso, também deve ter como meta reduzir os alarmantes níveis de violência no país. A efetividade na prestação desses serviços é fundamental para fortalecer a coesão social, a confiança nas instituições governamentais e a motivação do servidor.

Por isso, a definição do objetivo da reforma deve partir da expectativa da população em relação à prestação dos serviços, e não em função da redução de gastos. Uma boa gestão pública deve primar pela eficiência do gasto, ou seja, qualquer que seja o volume de recursos disponíveis, ele tem que ser bem gasto, mas esse não deve ser o principal objetivo da reforma.

A prestação dos serviços públicos depende das regras de gestão (pessoal, compras, planejamento, organização, orçamento e finanças, entre outros), das regras de controle (Judiciário, Tribunais de Contas, Ministérios Públicos) e do ambiente político que envolve o setor público (clientelismo, corporativismo, participação da sociedade, fisiologismo, interesses institucionais dos órgãos públicos e, ainda, interesses econômicos). Estas regras orientam a prestação dos serviços públicos em todos os Poderes e níveis de governo, e o ambiente político impõe algumas restrições ao seu desempenho.

A reforma implica uma profunda mudança cultural no setor público e deve impactar nas práticas sociais do relacionamento da classe política com o Estado, na relação institucional entre os Poderes e entre os níveis de governo e, também, na sua cultura de controle e gestão.

O diagnóstico deve, portanto, avaliar as questões políticas e técnicas que impactam o desempenho da administração pública. Por exemplo: é possível avançar na profissionalização sem enfrentar o clientelismo? Como aumentar a eficiência sem questionar o corporativismo e as regras de controle? Como motivar milhões de servidores em todo o país? Qual é o impacto em qualidade, eficiência e equidade de serviços públicos, considerando-se os desníveis de capacidade de organização e gestão entre os órgãos públicos espalhados pelo país? Como incentivar a colaboração entre Poderes independentes e níveis de governo?

Portanto, a reforma implica uma profunda mudança cultural no setor público e deve impactar nas práticas sociais do relacionamento da classe política com o Estado, na relação institucional entre os Poderes e entre os níveis de governo e, também, na sua cultura de controle e gestão. Sendo assim, ela precisa ser entendida como um processo contínuo, com mudanças graduais sendo implementadas ao longo do tempo, como fruto de uma ampla interlocução com a sociedade, Congresso e, especialmente, com os servidores públicos, uma vez que eles deverão implementá-la. Todavia, o diagnóstico deve ter uma visão ampla dos desafios a serem enfrentados em longo prazo.

Como sugestão ao debate, por conta de sua complexidade e amplitude, penso que a reforma deveria priorizar 3 pontos em uma 1ª etapa: a implantação da gestão por resultados; a criação de uma organização no Congresso Nacional para promover estudos e debates sobre a gestão pública de forma permanente; e a aprovação de alguns dos projetos que já estão tramitando no Legislativo.

Modelo de gestão por resultados no serviço público

O objetivo do modelo de gestão por resultados é alinhar o interesse da organização e dos seus servidores aos da população por meio da definição de resultados, metas e indicadores a serem alcançados pelas organizações públicas de acordo com as necessidades da população. Todas as informações devem ser publicizadas para o devido acompanhamento pela sociedade.

Um bom exemplo da transparência de informações acerca das políticas públicas e que incentivam a participação da sociedade na cobrança de resultados é o Ideb (Indicador do Desenvolvimento da Educação Básica). Os incentivos, financeiros ou não, definidos para a organização e seus servidores, deverão estimular o alcance dos resultados estabelecidos em um contrato de gestão entre a organização pública e o governo.

Órgão especializado para embasar e acompanhar políticas públicas

A criação de uma organização, no âmbito do Congresso Nacional, nos moldes da IFI (Instituição Fiscal Independente), é necessária, pois o processo de reforma administrativa demanda uma atenção permanente do Poder Legislativo, uma vez que ele é de longo curso, envolve todos os poderes e níveis de governo e não pode sofrer interrupção de continuidade. A principal finalidade do órgão aqui proposto é gerar e organizar informações que orientem o debate parlamentar sobre os problemas e desafios das políticas públicas de gestão, tendo por objetivo aprimorar a qualidade do gasto, aqui entendido como o alcance da função social ao menor custo possível.

Os projetos de Lei que podem completar a reforma administrativa

O último ponto da primeira fase da reforma administrativa é a aprovação de alguns dos projetos de Lei — que já estão em tramitação—, como os que tratam do teto salarial e dos concursos públicos. Esses projetos podem propiciar, em curto prazo, algumas alterações necessárias para adequar a legislação ao interesse público.

A pandemia da covid-19 nos mostrou a importância da qualidade dos governos para a vida em sociedade, sobretudo para os mais pobres. Não podemos perder tempo.

Ricardo de Oliveira

Engenheiro de produção, foi secretário estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo (ES) entre 2005 e 2010 e secretário estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. É autor dos livros "Gestão Pública: Democracia e Eficiência" (2012) e "Gestão Pública e Saúde" (2020), publicados pela editora da FGV. Também é conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e membro do comitê de filantropia da UMANE.

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