“Nunca imaginei que rolava até design thinking no serviço público! Que legal!”

Ouvi a frase acima durante uma conversa em um evento sobre inovação com foco em governo quando disse que a minha palestra seria sobre o uso do design thinking em um projeto do órgão público onde eu trabalho. Motivados pela surpresa da pessoa, que trabalhava na iniciativa privada, outras pessoas também se manifestaram dizendo que também usavam a abordagem em seus órgãos públicos e empresas públicas. Isto foi em 2018. 

Ainda que pudesse provocar surpresa em várias pessoas naquela época, o design thinking já estava longe de ser algo desconhecido no atual movimento da inovação no setor público brasileiro. 

Laboratórios de inovação em governo como o CoLAB-i, do Tribunal de Contas da União, o GNova, da Escola Nacional de Administração Pública, o LAB.Ges, do Governo do Estado do Espírito Santo e o Lab Inova ANS, da Agência Nacional de Saúde Suplementar são exemplos de laboratórios que surgiram a partir de 2016 que fazem uso da abordagem em seus projetos. E pode-se dizer mais: com base nos resultados do Prêmio Conexão Transforma*Gov para Laboratórios, Equipes e Redes de Inovação no Setor Público, promovido em 2020 pela rede Conexão Inovação Pública RJ, a maioria dos novos laboratórios e equipes de inovação em governo criados nos últimos dois anos, usam o design thinking em suas ações.

A popularidade da abordagem no setor público é especialmente interessante pois seus fundamentos mais conhecidos são diametricamente opostos à comportamentos normalmente associados ao setor público:

  1. a) “Isto não lhe diz respeito, pois não é sua competência (legal ou regimental)”, normalmente comum em organizações com silos organizacionais rígidos e com bloqueios de comunicação. Um comportamento que é confrontado pela colaboração, que requer equipes diversas e multidisciplinares para criar soluções inovadoras a partir das perspectivas divergentes;
  2. b) “Eu sei que as pessoas precisam, não preciso perguntar para ninguém”, um indício do insulamento burocrático, onde os elaboradores, operadores e/ou decisores das políticas públicas não escutam qualquer demanda ou necessidade externa, sobretudo de quem é impacto por elas. Um comportamento que é confrontado pela empatia, a capacidade de estar aberto a entender como as pessoas se comportam e descobrir as suas necessidades reais sem incorrer em julgamentos prévios. A partir de uma imersão empática, criar soluções e receber o feedback do seu público-alvo até criar algo que seja adequado para ele; 
  3. c) “Não posso perder tempo com essa coisa de protótipo e teste. Vamos implementar de uma vez!”, que acontece em organizações onde as decisões estratégicas são açodadas e tomadas com grande assimetria de informação. Um comportamento que é confrontado pela experimentação, caracterizada pelo aprendizado acelerado por meio de ciclos rápidos de criação de protótipos simples e de baixo custo, testes com o público-alvo e implementação de melhorias. E a partir do aprendizado acumulado tomar a decisão de realmente mobilizar os recursos necessários para uma implementação.

Ainda que o design thinking seja mais do que um modelo mental (já que abarca outros componentes como ferramentas, técnicas e processos), é inegável que sua adoção no setor público tem ajudado na transformação, ainda que lenta, do comportamento das organizações públicas, com um foco maior em ouvir o público-alvo de suas ações, reduzir o medo de experimentar e promover a colaboração de fato.

Mas abordagem é associada à inovação e inovação só tem um sinônimo: resultado. Neste sentido, é possível encontrar diversos casos de uso do design thinking que possuem resultados comprovados e documentados. 

Uma recomendação de leitura é o livro “inovação e políticas públicas : superando o mito da ideia”, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. De políticas públicas até gestão de pessoas no setor público, passando pela regulação, a abordagem tem demonstrando que é capaz de promover transformações e resultados, a despeito das resistências e dificuldades que enfrenta em sua adoção (assim como outras formas de promoção da inovação). 

Ainda que o design thinking sofra críticas por supostamente simplificar em demasia o design ao oferecer algo simplificado ao vender a ideia de que qualquer um pode ser designer, a abordagem aproximou o setor público de uma perspectiva com o foco em criar propostas de soluções com base nas necessidades reais das pessoas. Parece óbvio, mas na prática é um dos maiores desafios enfrentados na gestão pública.

“Design resolve um problema. Se você não sabe qual é o problema ou quem está sendo afetado por ele, você não está fazendo design. Você está perseguindo suas próprias fantasias”.  A reflexão da designer Jen Simmons se aplica bem à maior necessidade do setor público e a importância do design thinking para vencer este desafio: parar de perseguir fantasias e criar soluções para os problemas da realidade. 

*Este artigo reflete a opinião do autor e não as ideias ou opiniões da República.org. 

Rodrigo Narcizo é Mestre em Educação e pedagogo. Servidor público federal,  professor universitário e cofundador da rede Conexão Inovação Pública RJ. Conheceu o design thinking em 2016.

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