Sou coordenadora de um departamento no governo federal e, recentemente, vivenciei uma situação que infelizmente ainda gera bastante desconforto para muitas mulheres.

Uma servidora da minha equipe veio até a minha mesa e me perguntou bem discretamente se eu possuía algum absorvente para lhe dar. Na hora, tentando não chamar a atenção das pessoas ao nosso redor, procurei no cantinho mais escondido da minha bolsa, onde costumo guardar (para não dizer esconder) esse item essencial. 

Logo que achei um, comecei a pensar em como lhe entregar sem que ninguém percebesse, como se estivéssemos prestes a cometer um crime. Nesse exato momento, ficou claro para mim o quanto a menstruação, algo intrínseco à própria condição feminina, ainda é um tabu em nossa sociedade. 

A partir daquele momento, percebi que, como coordenadora, eu tinha como obrigação fazer com que todas as mulheres do meu departamento (incluindo eu mesma) conseguisse sentir orgulho da sua própria natureza feminina. Assim, passei a estruturar um ciclo de debates semanais com as demais mulheres da minha equipe, como forma de criar um espaço que nos permitisse discutir abertamente sobre temas relacionados ao feminino, compartilhar nossas percepções e aprender umas com as outras.

Atualmente o maior desafio que enfrento como líder no setor público consiste em apoiar mulheres ao meu redor a superar seus medos e a se desvencilhar de padrões negativos atrelados ao forte machismo estrutural ainda presente na sociedade brasileira que as levam a replicar alguns comportamentos, encorajando-as a se apropriar do seu poder pessoal. 

No livro “Faça Acontecer”, Sheryl Sandberg compartilha alguns estudos relacionados ao comportamento da mulher no contexto profissional e seus resultados nos mostram que grande parte delas ainda consideram normal que cargos de chefia sejam ocupados apenas por homens; não se sentem encorajadas a defender sua opinião com medo de se indispor com a/o chefe e colegas; e têm a sensação de que, quanto menos femininas forem, mais chances terão de serem ouvidas.

Na prática, desenvolver ações que procurem apoiar as mulheres a adotar comportamentos que a favoreçam é algo muito mais complexo, porque, apesar de nós nos assemelhamos em diversos aspectos, também somos diferentes em vários outros que precisam ser considerados quando lutamos pela igualdade de gênero. 

Segundo o IBGE, as mulheres já representam 55% no funcionalismo federal, estadual e municipal, o que nos mostra que o desafio de paridade de gênero no ingresso do setor público já foi superado. No entanto, à medida que se ascende hierarquicamente no serviço público brasileiro, são encontradas cada vez menos mulheres ocupando cargos de liderança e aquelas que já conquistaram esses espaços, são majoritariamente brancas.

A escritora Djamila Ribeiro atenta para a importância de não se perceber a mulher de maneira homogênea e de se identificar as diferenças existentes entre nós, considerando outras intersecções, como raça, identidade de gênero, orientação sexual e outras. Em seu livro “Lugar de Fala”, ela reforça que “o não reconhecimento de que partimos de lugares diferentes, posto que experenciamos gênero de modo diferente, leva à legitimação de um discurso excludente, pois não visibiliza outras formas de ser mulher no mundo”.

Enquanto a ocupação de espaços de liderança no setor público ainda não reflete a heterogeneidade da população brasileira, é essencial que as mulheres que já ocupam instâncias decisórias, procurem acessar o universo das outras mulheres ao seu redor, a partir do lugar de fala de cada uma delas.

Na posição de liderança feminina, é preciso investir energia para que mais mulheres possam se sentir confortáveis em assumir o topo de suas carreiras e participar de instâncias decisórias, de modo que pautas imprescindíveis saiam da invisibilidade e soluções mais realistas sejam propostas aos inúmeros problemas complexos presentes em nosso país. Contudo, o primeiro passo para se fazer isso consiste em parar de universalizar a categoria mulher, reconhecendo que nós experimentamos o gênero de formas distintas.

Esse não é um processo fácil, pois questiona o status quo e gera bastante desconforto. Mas também, ao longo dele, é possível perceber algo incrível: a potência de uma mulher quando ela se conecta ao seu poder pessoal e decide simplesmente ser ela mesma. A partir de então, elas naturalmente sentem a necessidade e a importância de auxiliar demais mulheres, no trabalho, no âmbito familiar, em suas comunidades, e, consequentemente, expande a presença de novas formas de pensar dentro do heterogêneo universo feminino.

 
Camila Penido Gomes é graduada em administração pública pela Fundação João Pinheiro e pós-graduada em gestão de projetos pela Fundação Dom Cabral. Em 2018, concluiu o Master em Liderança Pública pelo Centro de Liderança Pública e, desde então, escreve para o Blog do MLG no Estadão.
Ela atua no serviço público há 10 anos e é líder da Rede República. Atualmente pertence à carreira da Agência Nacional do Petróleo (ANP), onde é Coordenadora de Armazenamento e Segurança dos Dados Técnicos.
 

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