Projeto oferece tratamento humanizado para sobreviventes de violência doméstica e sexual no Rio

Publicado em: 18 de junho de 2024

“Sala Lilás” é um dos finalistas na categoria Saúde do 6º Prêmio Espírito Público

Por Célia Costa — Especial para República.org

A batalha para combater a violência de gênero deu origem ao projeto “Sala Lilás”, um local dentro dos Institutos Médico-Legais (IMLs) onde mulheres vítimas de violência sexual ou doméstica são atendidas para a realização de exames periciais.

As servidoras Tatiana Fonseca, Camila de Souza e Kelly Curitiba. Foto: Divulgação.

No espaço, as vítimas encontram acolhimento, respeito e segurança.

Criado em 2015, o projeto hoje conta com sete salas no estado do Rio de Janeiro. Uma delas é a de Campo Grande, na Zona Oeste da capital, inaugurada em 2018. Entre todas, esta sala bateu recorde de atendimentos, com 5.757 realizados até 2023.

A Sala Lilás é fruto de uma parceria entre a Polícia Civil, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, as secretarias de Saúde do estado e dos municípios, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e a ONG Rio Solidário. O modelo do espaço foi criado em 2015 por iniciativa da então juíza Adriana Ramos de Mello, hoje desembargadora.

Na época, muitas mulheres, apesar de machucadas, tinham vergonha de ir ao IML e não denunciavam a agressão. Por isso, a justiça tinha dificuldades em condenar o agressor.

Atendimento inclusivo e abrangente

A Sala Lilás acabou sendo procurada não apenas por mulheres. Casos envolvendo crianças, adolescentes e a população LGBTQIAP+ também são atendidos. Atualmente, a sala atende todas as formas de violência e todos os ciclos de vida.

O projeto “Sala Lilás de Campo Grande” é um dos finalistas na categoria Saúde do 6º Prêmio Espírito Público, que reconhece e valoriza profissionais públicos. A premiação é uma realização da parceria Vamos.

A equipe que atua em Campo Grande é composta por duas enfermeiras e uma assistente social. Uma das enfermeiras, Kelly Curitiba, explica que todos os profissionais que atuam no IML e atendem diretamente as vítimas passaram por capacitação. O local tem maca ginecológica, consultórios e também uma brinquedoteca. A decoração do espaço recebe um cuidado especial. A ideia é transmitir calma e serenidade.

Acolhimento e encaminhamento para serviços de saúde

“Além de acolher essas vítimas com uma escuta qualificada e livre de julgamentos, encaminhamos para os serviços de saúde para receberem atendimento médico. Recebemos muitos casos de depressão, síndrome do pânico, ansiedade, além de ideações suicidas e automutilação, que precisam ser rapidamente encaminhados para a rede pública de saúde”, detalha Kelly.

O período bastante crítico foi durante a pandemia de Covid-19, quando os casos de violência doméstica dispararam. O isolamento social fez com que muitas das mulheres e crianças que sofriam violência permanecessem convivendo com os seus algozes dentro da própria casa. Foram 1.596 casos em 2022.

O espaço atende a Grande Guaratiba, Magalhães Bastos, Santíssimo, Complexo de Sepetiba, Paciência e Santa Cruz, além de municípios adjacentes, como Seropédica, parte de Nova Iguaçu e Itaguaí. Por mês, o número de atendimentos vai de cem a 150 vítimas.

Histórias de sobrevivência

Um dos casos que chegou recentemente foi o da vendedora de 24 anos, um exemplo da rotina do espaço. Ela e o marido, com quem vivia há quatro anos, se separaram. O homem saiu da casa onde eles viviam, mas deixou alguns pertences. Enquanto isso, a jovem deu prosseguimento à sua vida amorosa e se envolveu com outro homem.

“Ele chegou em casa para pegar as coisas e me viu com outro rapaz. Passou a me agredir e deu vários socos em mim. Perdi quatro dentes e estou com várias lesões graves na mandíbula. Precisei fazer uma cirurgia. Vou prosseguir com a denúncia para que ele seja punido e fique longe de mim. Registrei o caso na delegacia e fui encaminhada para o IML de Campo Grande. Para minha surpresa, fui atendida com muito carinho pela equipe. Não imaginava que existisse esse serviço. Me deram todo o apoio”, detalhou a jovem, que não será identificada por questões de segurança.

Kelly Curitiba durante atendimento a uma vítima de violência doméstica. Foto: Divulgação.

Algumas vítimas vivem nas várias áreas conflagradas da região. Em alguns casos, segundo Kelly, elas não têm nem sequer como voltar para casa. “Alguns agressores são integrantes de facções criminosas e ameaçam a vítima de morte”. Nessa situação, as mulheres precisam ser encaminhadas para abrigos.

Os bons resultados do projeto propiciaram a sua expansão. Várias cidades do estado passaram a ter interesse em assinar o convênio. Na capital são duas (Centro e Campo Grande). As restantes ficam em Petrópolis, Niterói, Teresópolis, Nova Iguaçu e São Gonçalo. As cidades que querem implantar o projeto precisam ter obrigatoriamente um IML.

“O sucesso da Sala Lilás e o resultado da colaboração de várias instituições do poder público é fruto da dedicação de servidores das mais variadas áreas”, conclui Kelly.

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