Há exatos 200 anos, em Florença na Itália, nascia Florence Nightingale a enfermeira mais popular da história da profissão. Em sua homenagem, 12 de maio é o Dia Internacional da Enfermagem e 2020 foi considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o Ano Internacional da Enfermagem.

Florence, a mais famosa enfermeira, viveu trabalhando em ambientes tomados de epidemia. Concluiu – durante a Guerra de Crimeia (na atual Ucrânia) – que bactérias e doenças como tifo e cólera eram mais nocivas que os próprios campos de batalha. Diante disso, tomou para si a missão de desenvolver respostas para um mundo que não entendia sobre contaminações. Por incrível que pareça, as soluções desenvolvidas pela enfermeira, há quase dois séculos atrás, estavam baseadas uma preocupação muito atual: a higiene. Os padrões projetados pela enfermeira também são princípios médicos em tempos de pandemia. Como lavar as mãos e ter ambientes limpos e higienizados nos hospitais e nas casas.

Essas soluções vindas de uma mulher, numa época em que essa voz não era ouvida, podem ser consideradas revolucionárias. Em 1846, ao ver um mendigo morrer numa enfermaria em Londres, Florence passou a ter papel ativo na reforma da Lei do Pobres, que estendeu o papel do Estado para muito além do tratamento médico. Além disso, a enfermeira também pregava pela preparação e valorização dos profissionais de enfermagem. Nada mais atual.

Para Florence, assim como para Suzi Faria profissional pública na área da saúde do Rio de Janeiro, a atuação do enfermeiro não está só no tratamento extensivo, mas também na prevenção e promoção de saúde da população. Por isso, durante a guerra, o trabalho de Florence, baseado em evidências para prevenção, foi responsável por diminuir significativamente o número de mortos.

Suzi, nossa entrevistada, é profissional pública da assessoria Técnica da Superintendência de Unidades Própria e Pré-hospitalares na Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. E, nestes dias, durante uma das maiores pandemias da história, atua principalmente com testagem rápida de profissionais de saúde e com a gestão de materiais para que seu trabalho seja realizado da melhor forma possível. Embora não haja muito o que comemorar neste Ano Internacional da Enfermagem, defende que enfermeiras e enfermeiros do Brasil e do mundo precisam ser valorizados:

"O enfermeiro trabalha e trabalha, mas às vezes o público só reconhece o médico, que é fundamental também. Nossa missão 24 horas por dia é cuidar."

                           Suzi Freire no Posto de Testagem no Rio de Janeiro

Suzi Faria formou-se em Técnica em Enfermagem em 1991, depois, apaixonada, cursou graduação e mestrado em enfermagem. Ela faz parte dos mais 2 milhões de profissionais de enfermagem no Brasil, segundo números atualizados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) – quatro vezes o número de médicos no Brasil, só para ter uma ideia. Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) em parceria com o Conselho Internacional de Enfermagem, divulgado em abril de 2020, diz que: "Nenhuma agenda global pode ser concretizada sem esforços articulados e sustentáveis para maximizar a contribuição da força de trabalho da enfermagem e seu papel em equipes de saúde multiprofissionais." Ainda segundo a publicação, a categoria representa 59% dos profissionais de saúde do mundo.

A profissional pública aposta no afeto como característica de um bom gestor público neste momento de crise na saúde:

"O sofrimento do gestor neste período está sendo imenso. Todo trâmite passa por vários processos, não temos total autonomia também. Mas tem algo que é fundamental: nós precisamos ouvir, sanar as dificuldades e apoiar, às vezes uma palavra ou um telefonema já ajudam bastante. Assim, o profissional que está sob a nossa gestão se sente menos solitário. Precisamos também estar atento às dificuldades."

"Pela expressão facial, vi que, além da face, ela sentia dor no coração e na alma."

Em uma das visitas de Suzi a uma unidade de saúde do Rio de Janeiro, presenciou uma cena que denota um problema mundial que atinge os profissionais de saúde neste momento: a falta de EPI's (equipamentos de proteção individual).

"Era intervalo, hora do almoço, momento de tirar a máscara. A colega enfermeira levou uns 5 minutos para tirá-la. Foi tirando gradativamente. Você via que causava dor, pela expressão facial, vi que além da face, ela sentia dor no coração e na alma. Ela também estava num período muito difícil. A parceira dela estava hospitalizada no CTI e não estava apresentando melhoras."

Os profissionais e as entidades que representam a categoria no Brasil têm inundado as redes sociais e a própria imprensa com a denúncia da falta de equipamentos de proteção. São cenas chocantes, que mostram enfermeiros trabalhando com óculos e máscaras inadequadas. Alguns relatos dão conta de profissionais que são obrigados a passar o dia inteiro com o mesmo equipamentos, devido a escassez. Algumas lideranças têm recorrido a “vaquinhas” online para levantar recursos para comprar EPIs para suas equipes. A falta dos equipamentos pode ser a responsável principal pelo alto número de trabalhadores mortos na pandemia.

Segundo o COFEN, 98 profissionais de enfermagem foram mortos pela COVID-19 no Brasil, até última semana. Um número de casos superior ao dos Estados Unidos, que é o país mais atingido pela pandemia. Segundo o ICN (International Council Of Nurses), 260 profissionais da enfermagem já morreram com a doença no mundo. Além das mortes, outros fatores afetam os profissionais de saúde:

"Dos mais próximos, já perdi 5 colegas de profissão e não só de COVID-19. A morte mais recente foi de infarto. Ele estava muito angustiado, preocupado com os colegas e pacientes. Esse processo está adoecendo nossos profissionais. Tem gente que está preferindo ficar em outros locais, longe da família. É uma solidão. Tem colega que não consegue trabalhar, que está bloqueado."

"Os enfermeiros, neste momento, são a espinha dorsal do Sistema." 

Quando Suzi fala de "Sistema" refere-se ao Sistema Único de Saúde – SUS, um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo. O Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes a ter um sistema público, gratuito e universal de saúde. Considerado uma das políticas mais importantes da Nova República, período pós Ditadura Militar, o SUS, é uma conquista. Embora seja um belo sistema se descrito, o SUS ainda sofre com muitas carências e sucateamentos. Mas, ainda assim, é defendido com muito amor por profissionais de saúde, como é o caso de Suzi:

"O SUS é um sistema maravilhoso. Infelizmente a gente já vinha com lacuna por conta dos investimentos não serem os justos. Mas o SUS é um sistema que integra, unifica, que cuida de todos de maneira equânime. Na grandes metrópoles fica complicado de funcionar."

Perguntada sobre a mensagem dos profissionais de enfermagem em 2020, emocionada, Suzi respondeu:

"A profissão que a gente escolheu é mais que uma profissão: é o cuidar do outro. A luta vai continuar até a gente conquistar as metas. Reivindicamos também o piso salarial nacional. Condições básicas de trabalho. Somos uma categoria fundamental e indispensável. O momento é desafiador. Tudo que está acontecendo vai passar a vai deixar um bom legado. Precisamos seguir mostrando ao mundo o que é a enfermagem."

 

Por Rithyele Dantas
Analista de Comunicação e Conteúdo na Republica.org

 

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