Essa característica empreendedora, que ainda hoje é considerada por muitos como incompatível com o serviço público, visão amparada pela maior predileção por seu desenvolvimento no ramo empresarial, apesar de atuar na maioria das vezes de forma indireta, tem trazido resultados significativos em diversas instituições públicas.

Podemos considerar o servidor com perfil empreendedor como alguém que não só é capaz de perceber uma oportunidade de inovação, seja tecnológica, procedimental ou comportamental mas além dessa percepção,  é movido pelo inconformismo vivido dentro de uma construção em que nitidamente está forjada em uma estrutura que há muito tempo foi ultrapassada e através dos costumes ou conservadorismo permanece preservada. 

Outro ponto a ser considerado é que como o empreendedorismo e a inovação não são encontrados na maioria das organizações públicas de forma estruturada, faz com que o agente acabe atuando na maioria dos casos de forma isolada, o que não só suprime diversas iniciativas, pela falta de apoio,  como também causa no público interno impactado um sentimento ainda maior de crise, pois por mais simples que seja a mudança, irá proporcionar uma alteração nos formatos há muito tempo enraizados dentro da instituição. 

Empreendedorismo de dentro para fora

Temos o costume de avaliar ideias em sentido macro ou apenas sob a ótica de quem irá receber as políticas públicas dos benefícios implementados, mas é preciso estar atento principalmente aos impactos internos que ela pode proporcionar dentro da organização, uma vez que será no público interno o lugar onde encontraremos nossos principais stakeholders, parceria fundamental para implementação de qualquer iniciativa. 

A realidade é que muitas vezes quando empreendemos a inovação, estamos simultaneamente gerando ameaça a diversos servidores que executam funções “analógicas” pela supressão total ou parcial das suas atividades desempenhadas. Dentro dessa tratativa não basta só realoca-los, uma vez que em prol de um bem maior estamos reformulando décadas de pertencimento em pessoas engajadas e comprometidas com a instituição, principalmente quando se refere a inclusão tecnológica.

Nesse universo enxergado muitas vezes como “predatório” é fundamental avaliar o que está sendo proposto, principalmente do ponto de vista de quem recebe a política pública que será afetada. Empreender é uma ação que só  se estabelece e se institucionaliza no serviço público quando desenvolvida junto com o “servir”,  uma vez que em vôo solo dificilmente buscará atingir objetivos republicanos. 

É preciso também ser resiliente para entender que existe um lapso temporal entre um projeto e a sua devida implementação, muitas vezes essas “linhas do tempo” não caminham juntas e forçar sua antecipação ou até mesmo perder o tempo certo para sua execução pode ocasionar no aborto de uma ideia que poderia causar um impacto realmente relevante na instituição. 

O comportamento empreendedor em tempos de crise

O comportamento empreendedor no serviço público, sobre tudo  em momentos de crise, possibilita a execução de um reposicionamento estratégico em tempo hábil, uma vez que com a alteração na governança voltada para o enfrentamento dessa condição, resulta na derrubada de diversas barreiras que anteriormente não permitiriam que essas sementes germinassem ou florescessem do jeito correto, e graças a essas soluções “pré-existentes” torna possível a essas instituições conduzir de maneira mais adequada e ágil, a solução para um determinado problema ou a minimização de seus efeitos.

Importante refletir em como nós gestores públicos lidamos com a percepção dessas características empreendedoras quando manifestadas em nosso “time”, uma vez que a princípio esse comportamento facilmente pode ser considerado como revelia, por se mostrar estrategicamente diferente do contexto atual ou do planejado. 

Essa leitura, quando devidamente conduzida e principalmente incentivada, mesmo  não gerando uma mudança direta nesse ambiente organizacional, permitirá reavaliar de forma mais ampla as estruturas e políticas públicas empregadas, possibilitando adequações necessárias para a melhoria ou manutenção dos seus resultados.

Finalizado, ao buscar empreender no serviço público é preciso ter em mente que tanto no público interno quanto no externo lidamos com gente, e que assim como nós carregam em sua bagagem suas crenças, sonhos e valores, e que é preciso transitar e reconhecer essas variáveis para que de maneira sólida consigamos atingir melhores resultados. 

Humberto de Mattos

Humberto de Mattos cursa o Master em Liderança e Gestão púplica pelo Centro de Liderança Pública (CLP), formado em Marketing pela Unesa e Pós Graduado em Gestão Pública e de Pessoas pela UCAM-MG, exerce o cargo de Fiscal de Atividades Econômicas no município de Itaboraí desde 2008, atuando também nas seguintes funções: Agente de Desenvolvimento desde 2014, Administrador municipal do REGIN – Sistema de Registro Integrado da JUCERJA desde 2014, responsável pelo Centro do Empreendedor desde 01/2016 e Coordenador do Comitê Gestor da Micro Empresa, Empresa de Pequeno Porte e Empreendedor Individual do Município de Itaboraí desde 2018. Nos últimos anos além das atividades exercidas, tem se dedicado à áreas ligadas a Governo Digital e desburocratização, desenvolvendo estratégias na área de licenciamento empresarial. Membro da Rede de Líderes MLG e da Rede República.

*Este artigo reflete a opinião da autor e não as ideias ou opiniões da República.org. 

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