Iniciativa é uma dos finalistas da categoria Meio Ambiente e Emergência Climática da 6ª edição do Prêmio Espírito Público

Por Célia Costa — Especial para República.org

Não basta dizer que o Brasil abriga a maior flora nativa do mundo, é preciso provar. A alusão a um famoso ditado popular se aplica bem ao propósito do programa “Plantas do Brasil: Resgate Histórico e Herbário Virtual para o Conhecimento e Conservação da Flora Brasileira – Reflora”.

O projeto, baseado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e iniciado em 2010, quantifica, cataloga, identifica, armazena e disponibiliza imagens da flora brasileira, além de repatriar amostras que foram levadas para a Europa. Essas informações servem para garantir o uso sustentável e a preservação das espécies.

Graças a esse trabalho contínuo de pesquisa, dentro e fora do país, o projeto “Reflora” é um dos finalistas do 6º Prêmio Espírito Público na categoria Meio Ambiente e Emergência Climática. A premiação é uma realização da Parceria Vamos.

A servidora Rafaela Forzza, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Foto: Divulgação.

O projeto conseguiu confirmar que o Brasil abriga 46.975 espécies nativas de algas, fungos e plantas. Esses números são atualizados diariamente, em tempo real, em uma plataforma online de acesso público em português, espanhol e inglês.

Tudo começou em 2008, quando o governo federal solicitou à equipe do Jardim Botânico que elaborasse uma lista das espécies existentes no país. A lista foi criada, mas era necessário ampliá-la. Segundo a coordenadora do “Reflora”, a servidora pública e pesquisadora Rafaela Campostrini Forzza, quando o programa foi iniciado, o Brasil estava cumprindo metas ambientais, e uma delas era fornecer uma lista completa de suas espécies.

“Conseguimos fazer a lista, mas pedimos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para que o projeto avançasse. Precisávamos repatriar algumas espécies que estavam em museus fora do Brasil. Com o programa, conseguimos repatriar cerca de 1,230 milhão de amostras em 10 anos”, explica Rafaela Forzza.

Embora muitas plantas tenham sido listadas, a maioria dos que fizeram esse trabalho eram naturalistas europeus que começaram a classificar as espécies nos séculos 18 e 19. Ao retornarem à Europa, levaram consigo muitas dessas plantas, que acabaram em museus e jardins europeus. Por isso, durante séculos, os naturalistas brasileiros precisaram cruzar o Oceano Atlântico para ver essas espécies. A repatriação dos exemplares é um grande passo para garantir a preservação e evitar a biopirataria.

Quem fabrica produto usando plantas nativas do Brasil tem que repartir beneficiamento

A preservação da flora tem outros aspectos importantes. Um deles é a Lei da Biodiversidade, de 2015, que regula o acesso ao patrimônio genético e estabelece as regras para utilização da flora. Quem usa plantas em produtos, como na fabricação de cosméticos, precisa obter uma licença, concedida após consulta ao herbário virtual para verificar se a planta é nativa ou introduzida.

Rhynchosia lewisii (Leguminosae), espécie nativa catalogada pelo programa. Foto: Lucas Cardoso Marinho/Divulgação.

“Se a empresa utiliza uma planta nativa e fabrica algum produto é preciso repartir os recursos conseguidos com o beneficiamento. Um exemplo é o cupuaçu, que pertence a nossa flora. Se for só o uso da polpa, não. Mas, se for para a fabricação de cosméticos, por exemplo, é preciso repartir o beneficiamento. Temos várias plantas que foram introduzidas. No caso da jaca, por exemplo, é diferente. A planta não é nativa. É de origem asiática”, pontua a pesquisadora.

O “Reflora” também participa de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) celebrados entre o governo e empresas para replantio em áreas desmatadas. Isso é feito por meio de consulta ao herbário para serem definidas quais espécies podem ser plantadas em cada área.

Para que essa consulta fosse rápida e eficaz, era preciso que o herbário virtual se tornasse online. Para o trabalho, equipes do Jardim Botânico e da Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos (COPPETEC) desenvolveram, com capacidade nacional, uma tecnologia que permitisse abrigar todas as informações. O Brasil passou a ser o único país do mundo que possui um sistema vivo e diariamente atualizado para os dados de sua flora e funga (termo recente para o reino dos fungos).

Precisávamos repatriar algumas espécies que estavam em museus fora do Brasil.

Rafaela Forzza, pesquisadora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro

O projeto também fez com que o Brasil conseguisse cumprir a Meta 1 estabelecida pela Estratégia Global para a Conservação de Plantas (GSPC), no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Banco de imagens tem mais de 4 mil visitas por dia

Além disso, para que a gama de informações seja mais abrangente, o trabalho voluntário é essencial para o desempenho do “Reflora”. Segundo a coordenadora, são 980 cientistas brasileiros que atuam em institutos e universidades. Há ainda colaboradores de 24 países, a maioria da Argentina e dos Estados Unidos. Com tanta gente acessando o herbário — são cerca de quatro mil visitas por dia —, é preciso controle. Todos os cientistas têm login e senha. O acesso, no entanto, é limitado por famílias de plantas.

O projeto ainda tem biólogos bolsistas. Atualmente, quatro bolsistas do Doutorado Sanduíche do CNPq estão na Áustria. O envio de doutorandos para o herbário do Museu de História Natural de Viena, na Áustria, faz parte da injeção de recursos realizada após a assinatura do termo de outorga entre o CNPq e o Jardim Botânico. A previsão é de que sejam enviados dez bolsistas no período de dois anos. O trabalho de bolsistas para captura de imagens e dados em herbários brasileiros também está contemplado.

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