Por Paola Figueiredo

Neste mês de março em que, mundialmente, celebra-se os avanços e conquistas das mulheres, convidamos algumas gestoras públicas brasileiras para responder a seguinte pergunta: Como é ser uma liderança feminina no setor público? 

Março chega de uma forma diferente.

No Brasil e no mundo, as mulheres que atuam diretamente com impacto público representam uma parcela importante na gestão dos governos, mas ainda somos poucas em funções de liderança. Esse fenômeno vem à tona em um momento em que os direitos das mulheres e suas vozes têm ganhado destaque nos cenários nacional e mundial.

Observamos, nos últimos tempos um novo levante de mulheres, que sabem exatamente o que querem – e o que não querem. Isso parece transbordar por todos os seus poros, afinal, pautar uma mudança cultural que respeite a igualdade de gênero se torna iminente. 

No Brasil, algo nos chama atenção: nosso país possui o menor índice da América Latina de distribuição de poder para o gênero feminino. Qual o nó górdio do nosso machismo arraigado centenariamente que não nos deixa avançar neste processo?

Mulher fala de política

Os dados do Observatório de Igualdade de Gênero das Nações Unidas apontam as brasileiras em cargos de liderança ocupando o 28º lugar em 2019, dos 35 países da América Latina, Caribe e Península Ibérica. Pela União Parlamentar Internacional, estamos na posição 131 de 194 países, comparando as estatísticas de mulheres em parlamentos nacionais, conforme observam dos Santos e Thomé  em Women and Political Power in Brasil, 2020.  

Tudo é muito recente. Passamos a votar em 1932. Nestes tempos da Bertha Lutz, tivemos a primeira mulher a ocupar uma cadeira no parlamento, chamada Carlota Pereira de Queiroz, em 1934. De lá pra cá, pouco avanço… e alguns motivos que nos acompanham desde as primeiras lutas pelo sufrágio universal.

Este ano de 2020 é singular para nós, mulheres, na história. Mais organizadas, através de diferentes movimentos e independente de partidos políticos, almejamos um salto quântico a estes dados. Mas, vamos além da participação política. Almejamos ocupação de cargos de liderança dentro ou fora da Administração Pública. Nossa voz e nossas representações são cada vez mais exigidas. 

Não é o poder pelo prestígio. É o poder de decisão. Não é nos posicionar pelo poder. É nos posicionar pela transformação. Mudar o que está posto tem, sim, que ser uma regra. Não nos cabe continuar seguindo nossas vidas neste caminho da exceção.

Sou uma dentre milhares: os caminhos à nossa ressignificação

A luta por nossos direitos civis e políticos é algo que passamos diariamente. Uma mudança cultural, para acontecer, precisa encontrar pessoas onde ecoar. Mulher, o que impede que esse desejo aflore em ti?

Essa herança colonialista do machismo estrutural tem forte presença ainda hoje. Diversas ações intentam por esticar a todo custo os indicadores dos 10 a 15% de mulheres no poder – tanto político, quanto dos altos cargos da gestão pública ou privada, mas algo não permite isto aconteça. O que nos retrai neste sentido?

Não se trata de engessar nas relações de causa-efeito, mas precisamos desmistifica-las, pôr o dedo na ferida. Enquanto nos dispusermos no absenteísmo do “não tenho nada com isso” como justificativa de nossa inércia, não avançaremos e continuaremos com esse embargo na garganta de uma falta que “sabe-se lá de onde vem”.

Precisamos falar da diferença entre os gêneros no trabalho não remunerado, que aumenta à medida em que diminui a escolaridade da mulher; do maior índice de desemprego entre as mulheres; dos menores salários em comparação aos dos homens; das taxas desiguais de ocupações de mulheres e homens por setores da economia; da interseccionalidade de raça e classe, dos menores índices ao falarmos das negras no mercado de trabalho; da baixa participação das mulheres nas ciências. 

Por tudo isso, devemos nos permitir, ao longo desse processo, respeitar o nosso tempo. O tempo de desamarrar cada nó preso de nossas almas. Uma mudança cultural é também e acima de tudo, subjetiva. A psique feminina foi, historicamente, silenciada. Como, então, liberar espaço para abri-la?

Aprendemos “correndo com lobos” que existem portas que precisam ser descobertas para somente depois serem abertas. Esse processo é ao mesmo tempo, individual e coletivo. Nós, mulheres, precisamos nos encontrar, umas com as outras, em sinergia, pela cura d’alma. Ou achas que não tens nada a ver com o enredo que narramos por aqui?

Entendemos que os homens também fazem parte disso, mas nós precisamos, primeiramente, umas das outras. Ao reconhecer os resquícios do patriarcado que existe em nós, avançamos rumo à transformação. Por isso eu digo: Sou uma dentre milhares. Ao me ver, enxergo a todas nós, e este é o exercício de nossa ressignificação. Vamos juntas?  

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Paola Figueiredo é Gestora e idealizadora do Projeto Lidera Mulher. Vice Presidente do Instituto de Previdência de São Gonçalo. Fellow da Columbia Women Leadership Network in Brazil (CGC/Columbia University). Líder do Master em Liderança Pública e líder da Rede República. Antropóloga, com 20 anos de atuação no serviço público. Premiada pelo Projeto Lidera Mulher como Melhor Projeto por Município e Melhor Projeto do Eixo de Ambiente de Negócios pelo Sebrae/RJ e entre os 5 finalistas do Prêmio Case CLP 2018. Coordenadora e idealizadora da Rede Mulheres Públicas.

 

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