Programação reúne escritores, jornalistas e servidores públicos renomados, como Conrado Hübner Mendes, Patrícia Campos Mello, João Emanuel Carneiro e Gabriela Lotta

Por Carla Nascimento

Última atualização: 22h36

A convite da República.org, especialistas refletem sobre a preservação da democracia. Foto: Douglas Shineidr.

Em mais um dia de plateia lotada, nesta sexta-feira, 24, a Casa Republica.org na Feira Literária Internacional de Paraty (Flip) abre suas portas para três mesas sobre a democracia sob diferentes perspectivas: da política à cultura, da importância de refletir instituições à escrita crítica e criativa.

Desafios democráticos

No início das atividades, o debate “Como renascem as democracias”, conduzido pela jornalista Patrícia Campos Mello, trouxe reflexões importantes sobre como o Brasil pode garantir a soberania popular em tempos de ataques e ameaças ao regime democrático. Participaram do painel o professor de direito da USP, Conrado Hübner Mendes, o jornalista e escritor Lucas Figueiredo, e a professora de direito administrativo e vice-presidente do conselho da República.org Vera Monteiro.

Alvo de ataques e desinformação em 2020, Patrícia Campos Mello é autora de “A Máquina do Ódio”. Foto: Douglas Shineidr.

Autor da recém-lançada coletânea O Discreto Charme da Magistocracia (ed. Todavia), Hübner introduziu uma discussão sobre o papel do STF e a necessidade de compreender seu papel em épocas de risco à democracia. Ele também destacou a importância de repensar os limites da atuação do órgão em nome do regime democrático. O professor defendeu que “responsabilizar quem ameaça a democracia é essencial para vermos a democracia renascer”.

Monteiro apresentou a perspectiva do papel do Estado na oferta de serviços à população como uma maneira de fortalecer a democracia. “Na República.org, temos nos dedicado à melhoria da qualidade do Estado, do acesso das pessoas aos serviços a que têm direito como maneira de enfrentar as desigualdades”, disse a conselheira. “Olhamos para o Estado, portanto, como aquele que garante o serviço ao cidadãos, e fazemos isso através da gestão de pessoas no serviço público, olhando para a valorização dos trabalhadores públicos, por exemplo. Afinal, melhorar o Estado é melhorar a democracia, e, para isso, precisamos olhar para os servidores.”

Pesquisador da USP, Conrado Hübner Mendes sofreu perseguição política em 2021. Foto: Douglas Shineidr.

Figueiredo, que assina o livro Lugar Nenhum: Militares e Civis na Ocultação dos Documentos da Ditadura (ed. Companhia das Letras), ressaltou a urgência do debate sobre a relação entre as Forças Armadas e a democracia. “Se o Brasil quiser, de fato, a democracia, precisa subordinar o poder militar — as Forças Armadas — ao governo. Tivemos várias chances de fazer isso e não fizemos”, apontou.

Assédio no serviço público

A segunda mesa da Casa República.org na Flip, mediada pela cientista social e gerente de Dados e Comunicação da República.org Vanessa Campagnac, começou com um exercício de empatia: o público recebeu bilhetes contendo trechos de relatos de servidores e servidoras públicas que passaram por situações de assédio.

Bilhete distribuído durante mesa sobre assédio moral e sexual no setor público. Foto: Douglas Shineidr.

Gabriela Lotta, professora da FGV e vice-presidente do Conselho da República.org, juntamente com Myrelle Jacob, advogada especialista em gênero, contribuíram para o debate compartilhando suas pesquisas sobre o assédio no âmbito do serviço público.

Lotta iniciou a discussão enfatizando a importância da estabilidade para proteger os servidores públicos de um tipo de assédio que compromete a democracia: a pressão para que não cumpram suas responsabilidades. Segundo a professora, “o assédio, de forma geral — não apenas o sexual —, mina a coesão social nas organizações”.

A advogada e pesquisadora Myrelle Jacob. Foto: Douglas Shineidr.

Ao abordar a dificuldade de identificar alguns casos de assédio, Campagnac dividiu sua experiência como pesquisadora na área de violência. “Durante palestras sobre violência contra a mulher, algumas pessoas na plateia percebiam que haviam passado por situações de violência enquanto nós discutíamos o tema”, relatou a mediadora.

Myrelle Jacob, especialista em gênero e autora de um estudo sobre as leis de combate ao assédio nos estados, trouxe à luz a necessidade de legislações mais detalhadas sobre o assédio. “É muito difícil que uma denúncia feita por servidor público se torne de fato um processo administrativo”, explicou. “Também há poucas informações sobre o que acontece nesse percurso, o que torna impossível saber em que momento ou circunstância uma denúncia foi arquivada.”

Programação da Casa República.org esteve entre as mais concorridas da Flip. Foto: Douglas Shineidr.

Desvendando a arte da escrita

A escrita crítica e criativa foi o foco da mesa de encerramento da Casa República.org na Flip, com os renomados escritores e roteiristas João Emanuel Carneiro e Antonio Prata. Durante um debate entusiasmado, eles exploraram a essência de escrever de maneira criativa.

Para Prata, há “certas regras” na construção de uma história ao iniciar um roteiro. “É preciso ter um arcabouço de referências e acessá-lo”, afirmou.

Carneiro abordou seu processo de criação, revelando uma sensação de “abandono” ao concluir seus roteiros, por sentir falta da convivência com os personagens que criou. “Escrever tem sempre algo de introspectivo”, revelou.

João Emanual Carneiro e Antonio Prata trocam experiências sobre a escrita. Foto: Douglas Shineidr.

Ambos discutiram ainda o êxito da novela “Avenida Brasil”, que trouxe à tela um núcleo periférico e abordou a temática da desigualdade. Carneiro sublinhou a conexão da audiência com a representação da classe média ascendente na trama, personificada pela figura do “cara do subúrbio” e do jogador de futebol.

Prata complementou essa análise ressaltando que, antes de “Avenida Brasil”, as novelas retratavam predominantemente a Zona Sul, área elitizada do Rio de Janeiro. Ele observou que a novela foi um contraponto ao dar protagonismo à ascensão da classe média. “‘Avenida Brasil’ destilava esse otimismo de crescimento do país”, disse.

Além da burocracia

O lançamento do livro República em Notas, fruto da parceria entre a República.org e a editora Cobogó, ocorreu após a série de mesas-redondas na Casa República.org. Vanessa Campagnac e Gabriela Lotta, organizadoras da obra, apresentaram o propósito do livro durante um bate-papo com o público.

Livro “República em Notas” é autografado em evento de lançamento. Foto: Douglas Shineidr.

República em Notas compila análises profundas sobre a gestão pública brasileira, escritas por 26 autores, incluindo especialistas e profissionais do setor público. “O projeto teve início na internet, com textos publicados em nosso site, mas consideramos que um livro seria uma forma excelente de destacar o serviço público devidamente”, afirmou Campagnac.

Lotta ressaltou a diversidade de temas e a importância do debate sobre o serviço público na sociedade: “este livro aborda questões relevantes dos profissionais do serviço público brasileiro, desde questões burocráticas do cotidiano até a própria democracia, entre outros assuntos. É uma celebração do serviço público eficiente no Brasil”.

Contribuíram Pamela Leme e Larissa Guimarães.

Veja como foi a abertura da Casa República.org na Flip na tarde de ontem (23) e fique por dentro das mesas deste sábado (25).

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