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Que políticas, programas ou iniciativas de valorização do servidor público já existem no Brasil?

Que políticas, programas ou iniciativas de valorização do servidor público já existem no Brasil?

Políticas implementadas por meio de decreto:

Estado do Acre: 

O Decreto Governamental n° 3.357/2008 institui a Política de Atendimento ao Cidadão para a Administração Pública Estadual e constitui instâncias responsáveis pela sua implementação e acompanhamento. Essa política direciona o servidor público para a razão da sua existência – a sociedade – orientando o cidadão sobre seus direitos e deveres, ao mesmo tempo que coloca o servidor público como agente com voz ativa nessa prestação de serviços, com foco na humanização.

A gestão é realizada de forma participativa (Marques e Cavalcanti, 2016) e isso promove envolvimento e engajamento com o trabalho. Com foco na sociedade, a área de gestão de pessoas realiza toda a capacitação desses servidores, voltada para a boa qualidade da prestação dos serviços prestados. É feita também uma avaliação de desempenho que leva em conta a satisfação com os serviços prestados para que o servidor progrida na carreira. A avaliação da sociedade sobre os serviços recebidos é compartilhada com os servidores, assim eles percebem os resultados do seu trabalho.

Estado de Goiás:

  • Programa Movimentos e Vivências na Educação Integral (Move) – instituído pelo Decreto n° 9.462, de 11 de julho de 2019.

O programa foi desenvolvido com o envolvimento de atores de RH das unidades parceiras. Para elaborar o programa, foram usadas metodologias de Design Thinking e optou-se por atuação em rede.  

O Programa Move Goiás foi estruturado em quatro macro iniciativas estratégicas:

I – Merecer: definir critérios, perfil profissional e os procedimentos gerais a serem observados para a ocupação de cargos, designação de funções comissionadas para áreas e projetos estratégicos, evoluções funcionais, bem como desenvolvimento de metodologias que permitam aferir desempenho relacionado à produtividade e resultado dos servidores;

II – Oportunizar: criar soluções que permitam o crescimento profissional por merecimento e competência aos servidores do Poder Executivo, implementar ações inovadoras em seleção, dimensionamento da força de trabalho e novas formas de contratação, visando abrir oportunidades de modo transparente e imparcial aos servidores e à sociedade de modo geral, além de criar mecanismos de participação destes em soluções nos desafios do governo;

III – Valorizar: desenvolver instrumentos de valorização do servidor, para além dos financeiros, incluindo definição de trilhas de desenvolvimento profissional por eixo estratégico, programas de certificação e capacitação continuada, projetos de aprimoramento de lideranças com foco em alcance de resultados, premiação e reconhecimento por melhores práticas, dentre outros;

IV – Envolver: implementar ações que busquem zelar pela qualidade de vida dos servidores durante o período de atividade e prepará-los para a aposentação, humanizar os trabalhos desenvolvidos por eles e o cumprimento da Política de Segurança e Saúde no Trabalho com foco na prevenção, além de incentivar maior engajamento dos colaboradores, alinhando seus objetivos individuais aos institucionais.

  • Política de Gestão de Pessoas do Instituto Federal de Goiás (IFG)

Política construída de forma amplamente participativa. A discussão foi iniciada em 2014. Em 2019, foi realizada uma consulta pública aberta a todos os servidores para que comentassem sobre a minuta de política. A minuta da Política de Gestão de Pessoas do IFG está estruturada em quatro eixos: 

– Dimensionamento de pessoal e institucional
– Capacitação e Qualificação de servidores 
– Avaliação de Desempenho  
– Saúde e Segurança no Trabalho 

Ela apresenta os objetivos e as diretrizes de cada um dos eixos, com indicação de ações futuras.

Distrito Federal:

Decreto nº 37.648, de 22 de setembro de 2016.
Institui a Política de Valorização de Servidores no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional do Distrito Federal.

O Art. 7º, alterado em 2017, cria o Prêmio “Inovação na Gestão Pública do Distrito Federal – Inova Brasília” como forma de reconhecer e premiar resultados expressivos alcançados por equipes de trabalho, por meio de projetos que evidenciem práticas inovadoras de gestão em determinadas categorias. Há a previsão de que a Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão do Distrito Federal deve regulamentar os procedimentos de concessão do Prêmio. 

Município de Cascavel:

A política de valorização do servidor público do município de Cascavel, no Paraná, foi instituída pelo Decreto nº 14.065, de 28 de fevereiro de 2018.

Essa política está estruturada em função dos quatro pilares abaixo:

I – Servidor em Foco – ações que objetivam valorizar o servidor além de sua relação funcional com o município; homenagear e premiar os servidores que se destacam por seu empenho e dedicação; evidenciar as habilidades dos servidores a partir de eventos de lazer, cultura e esporte; sensibilizar o servidor para o seu envolvimento em ações de responsabilidade social e promover a aproximação entre os servidores para construção de vínculos de união e amizade;

II – Qualidade de Vida – ações que objetivam a melhoria contínua no local de trabalho, proporcionando um ambiente adequado para as práticas laborais e ações de promoção de hábitos de vida mais saudáveis;

III – Desenvolvimento Profissional e Pessoal – ações que visam, a partir de treinamentos, o crescimento pessoal e profissional do servidor, preparando-o para os desafios no desempenho de suas funções;

IV – Educação Formal – ações que visam incentivar e viabilizar o acesso do servidor à educação formal, englobando desde a educação básica até a superior.

Adicionalmente às políticas mencionadas acima, também foram identificadas iniciativas em outros estados, tais como Bahia, Mato Grosso, Pará e municípios como o de Arapiraca[1]. De uma forma geral, essas iniciativas estavam focadas em capacitação, formação e qualidade de vida no trabalho, no entanto, de forma pontual. Não foram encontradas políticas ou programas mais estruturados nesses estados. 

No estado do Pará, na Escola de Governança Pública do Estado, há o Núcleo de Programas de Valorização do Servidor (NPVS), que tem por finalidade planejar, organizar e coordenar os procedimentos referentes ao planejamento e execução de projetos e programas de valorização dos servidores e gestores públicos no estado do Pará, por meio de ações culturais voltadas para a melhoria da qualidade de vida do funcionalismo público e, ainda, implementar projetos de valorização como fonte de potencialidades e recursos estratégicos.

Prêmios:

Estado de Alagoas:

A Medalha Silvio Viana foi instituída em 2008, pelo Decreto nº 3.986 e se destina a agraciar e reconhecer o trabalho de destaque dos servidores públicos do quadro permanente de cargos do serviço civil do Poder Executivo do estado de Alagoas. A cada ano, dez servidores que se fizeram notar pelo zelo, dedicação e presteza no exercício de suas funções e nas causas de interesse público são foco de homenagens e valorização no evento.

Análise das políticas nacionais:

O foco de todas as iniciativas nacionais foi melhorar a gestão de pessoas, seja por meio de melhorias na própria legislação, na desburocratização das garantias dos direitos dos servidores, na consolidação de política de desenvolvimento, realização de melhorias no processo seletivo e ações para impactar positivamente o clima. Há uma correlação entre a boa gestão de pessoas e os resultados do trabalho. A atuação do líder de uma equipe impacta fortemente o grau de engajamento das pessoas. A teoria mostra forte correlação entre engajamento e resultados. Portanto, uma boa gestão de pessoas propicia um ambiente organizacional saudável e condições para que os servidores consigam atingir todo o seu potencial de realização profissional. Adicionalmente, reduz-se possíveis adoecimentos relacionados ao trabalho e as pessoas trabalham de forma mais engajada, o que, por consequência, gera melhores resultados para a sociedade. 

As abordagens das iniciativas identificadas e relatadas acima foram diversas: tratar a valorização do servidor por meio da implementação de uma política de gestão de pessoas ou por política de valorização, ou ainda há o caso do Acre, no qual o que conduziu o trabalho de valorização foi uma política de atendimento ao cidadão. Política essa, que orientou a gestão do desenvolvimento das pessoas, a avaliação de desempenho e o atendimento das necessidades extrínsecas e intrínsecas dos servidores. As necessidades extrínsecas se relacionam aos incentivos financeiros, e as intrínsecas são as de caráter biopsicossocial, relacionadas ao bem-estar, à qualidade de vida do trabalhador, ao desenvolvimento de competências relacionais e de conhecimento. 

Cabe ressaltar que, no exemplo da política do Acre, trata-se da burocracia do nível de rua, ou seja, o trabalho caracteriza-se por atendimento na ponta, direto para a sociedade. Nesse caso, com a realização contínua de uma pesquisa de satisfação com os usuários do serviço, eles conseguiram demonstrar os resultados do trabalho e verificaram como alguns dos índices de atendimento melhoraram ao longo dos anos.

No entanto, muitos servidores não trabalham no nível de rua,  atendendo o público diretamente, como por exemplo aqueles que atuam nas áreas meio das organizações. Nesses casos, pode ser um grande desafio mostrar o resultado do seu trabalho para a sociedade, pois isso implica na criação de indicadores que sejam capazes de estabelecer a relação de um trabalho indireto desempenhado pelo servidor com o retorno gerado para a sociedade. Demonstrar essa relação pode ser algo muito complexo e de difícil mensuração. 

Na política do Acre, apesar de terem implantado uma pesquisa de satisfação com os usuários, não foi identificada menção à realização de pesquisa que medisse o grau de engajamento dos servidores. As políticas de gestão de pessoas implementadas geraram um crescente índice de satisfação com os serviços prestados, mas não foi medido o grau de engajamento dos servidores para saber como essas políticas impactaram no engajamento. É possível que tenham impactado positivamente, pois o engajamento está correlacionado com resultado. Contudo, é importante realizar pesquisa com os servidores a fim de mensurar e acompanhar o engajamento ao longo do tempo, para ter um histórico e entender que ações afetam índices de motivação e engajamento, por exemplo. Assim, as áreas de gestão de pessoas poderão contar com dados para embasar suas políticas. As outras iniciativas citadas acima são muito recentes e ainda não houve tempo hábil para sua avaliação. Ressalte-se que nenhuma delas  faz referência a pesquisas para mensurar o grau de engajamento dos servidores e, portanto, o impacto de sua implementação nesses profissionais. Também ainda não houve avaliação para saber se a iniciativa gerou, de alguma forma, melhoria nos resultados do trabalho dos servidores para a sociedade. 

Vale ainda uma menção ao fato de que, no âmbito internacional, como será mostrado na próxima nota desta série sobre valorização, foram encontradas apenas ações pontuais, como a semana do servidor público ou prêmios e medalhas. Apesar disso, vários países[2] já realizam pesquisas anuais do serviço público, nas quais avaliam os níveis de motivação para o serviço público e de engajamento dos servidores. Essa é uma ação que permite atuar na gestão de pessoas com base em dados e, se de fato utilizada para melhorias, também pode ser vista como uma iniciativa de valorização. Sempre que se melhora a gestão, há impacto positivo nas pessoas, uma vez que, como já visto nas notas  1 (Teoria) e 3 (Servidores) desta série sobre valorização, a motivação do servidor para o serviço público cresce e ele se sente realizado quando encontra condições para realizar bem o seu trabalho. 

No Brasil, o governo federal – por meio da Secretaria de Relações de Trabalho, do Ministério da Economia, em parceria com a Great Place To Work (GPTW), empresa certificadora dos melhores ambientes de trabalho em 90 países e apoiada pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e pela República.org – realizou a primeira pesquisa nacional de clima organizacional com servidores públicos federais, no período entre 21 de setembro e 23 de outubro de 2020. É importante que esse tipo de pesquisa contemple perguntas capazes de mensurar indicadores essenciais  para a gestão de pessoas, tais como motivação para o serviço público (PSM) e engajamento, e que seja realizada periodicamente, para assim subsidiar o aprimoramento das políticas nacionais nessa área. O questionário utilizado nessa primeira pesquisa foi o padrão da GPTW. Contudo, o governo incluiu um módulo proposto pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), criado para permitir a realização de intercomparações entre países. Este módulo continha um grupo de seis perguntas, as quais incluíam um item sobre PSM e alguns sobre engajamento. 

O ideal é que, nas próximas pesquisas do serviço público no Brasil, seja possível a elaboração de questionário com escalas para mensurar PSM e engajamento de forma mais aprofundada, ambas as escalas já foram validadas no Brasil. Por agora, a inclusão do módulo da OCDE nessa primeira pesquisa já apontou resultados encorajadores para o serviço público: os servidores brasileiros apresentaram uma alta PSM nas comparações com os outros países que participaram[3]. O índice de engajamento não foi tão alto quanto o da PSM, e isso pode ser um reflexo do momento desafiador que o serviço público enfrentava e aponta para a necessidade de investimento em iniciativas que permitam aumentar os níveis de engajamento, como por exemplo, as de valorização dos servidores públicos.

Por fim, cabe aos gestores públicos refletirem sobre o que é mais adequado para sua realidade na hora de aperfeiçoar a gestão de pessoas. Podem tratar no escopo da gestão ou criar uma política de valorização, que, para alguns temas, pode se sobrepor a processos de gestão de pessoas já existentes, como desenvolvimento de pessoas e capacitação.

Referências
[1] Para consulta, links das iniciativas nacionais:
http://escoladegoverno.al.gov.br/mes-do-servidor/medalha-silvio-viana
http://egpa.pa.gov.br/n%C3%BAcleo-de-programas-de-valoriza%C3%A7%C3%A3o-do-servidor-npvs
https://web.arapiraca.al.gov.br/valorizacao-do-servidor/
[2] Exemplos de países que realizam pesquisas de engajamento de servidor público:
https://www.canada.ca/en/treasury-board-secretariat/services/innovation/public-service-employee-survey.html
https://www.gov.uk/government/collections/civil-service-people-surveys https://unlocktalent.gov/
[3] Government at a Glance 2021 © oecD 2021, pgs. 144 e 145.
https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/1c258f55-en.pdf?expires=1668103612&id=id&accname=guest&checksum=65A6AC5E2C22B98DE8A1F51ADE1FC89C

Bibliografia
MARQUES, J. L. B.; CAVALCANTI, M. R. R. M. Gestão de Pessoas: Estratégias de Valorização do Servidor como Agente de Transformação. IX Congresso Consad de Gestão Pública. Brasília, 2016. Disponível em https://www.ifg.edu.br/attachments/article/114/MINUTA%20DA%20PO%C3%8DTICA%20DE%20GEST%C3%83O%20DE%20PESSOAS%20PARA%20CONSULTA.pdf f

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculados.

Dolores Teixeira de Brito

Doutoranda em Desenvolvimento Internacional (Estudos Globais) na Universidade de Sussex. Mestre em Administração pela FGV Ebape. Formada pela Academia de Gestão da Governança Global (MGG Academy), do Instituto de Desenvolvimento Alemão (DIE) e psicóloga formada pelo UniCeub. Servidora pública federal desde 2008, onde atuou dez anos na área de planejamento e gestão.

Bárbara Cardozo

Graduada em Administração na FGV Ebape. Já atuou na área de comunicação e atualmente trabalha como analista de Projetos na República.org, sendo responsável por apoiar iniciativas realizadas em conjunto com as Fundações Brava, Lemann e Instituto Humanize, além de colaborar nas frentes de cultura de reconhecimento e arte no setor público na organização.

Renan Magalhães

Mestrando em Políticas Públicas pela Hertie School of Governance, em Berlim. Especialista em Gestão de Projetos Culturais pelo Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação da Universidade de São Paulo (Celacc-USP) e bacharel em Políticas Públicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Foi servidor público em diferentes órgãos da administração direta e indireta.

Victoria Lacasa

Mestre em Administração Pública – Desenvolvimento Político e Econômico pela Universidade de Columbia. Bacharel e mestre em Economia pela Universidade Torcuato di Tella. Trabalhou como consultora para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), como assessora na Secretaria de Comercio de la Nación na Argentina. Atuou como associada de pesquisa da organização Innovations for Poverty Action (IPA).

Isabela Tramansoli

Gestora pública formada pela Universidade de São Paulo (USP) e mestranda em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isabela Tramansoli atua há quase dez anos em projetos de melhoria da gestão pública, com propósito de gerar transformação social e promoção de uma sociedade democrática e inclusiva.

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