Análise da República em Dados indica que massa do funcionalismo não tem remunerações elevadas

Por Eugênia Lopes, especial para República.org

A maioria expressiva dos funcionários públicos ganha salários de mercado, similar aos pagos na iniciativa privada, trabalha nos 5.568 municípios brasileiros e vive uma realidade de desigualdades salariais dentro do serviço público. Informações da plataforma República em Dados esmiúçam esse cenário e mostram que metade dos servidores públicos recebe salário menor ou igual a R$ 3.391 mensais. Valor bem distante dos chamados supersalários pagos a uma parcela ínfima do funcionalismo público, mas com alto impacto nas contas públicas.

Os dados coletados pela plataforma revelam que somente 0,06% dos profissionais com vínculos estatutários usufrui de salários altíssimos. Esse grupo restrito tem ganhos acima do teto constitucional de R$ 41.650,92, valor equivalente à remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

A massa do funcionalismo público não ganha muito. Mas temos uma lógica de privilégios concentrados e distribuídos para poucos. Na verdade, o Estado repete a forma como a sociedade se organiza no Brasil: uma sociedade extremamente desigual.

Existe ainda uma elite no funcionalismo público, que corresponde a 0,96% do total de servidores, que recebe polpudos salários entre R$ 27 mil e o teto. Os números apontam que 20% dos servidores ganham entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, enquanto 5% têm salário entre R$ 10 mil e R$ 15 mil. Já 4% recebem entre R$ 15 mil e R$ 27 mil.

“É uma impressão equivocada dizer que todos os servidores têm supersalários; estamos trabalhando para desmistificar isso. Os supersalários têm que ser encarados como distorções e não como regra”, defende Vanessa Campagnac, gerente de Dados e Comunicação da República.org, instituto dedicado a aprimorar a gestão de pessoas no serviço público brasileiro.

Quanto ganha um servidor público no Brasil?

“A massa do funcionalismo público não ganha muito. Mas temos uma lógica de privilégios concentrados e distribuídos para poucos. Na verdade, o Estado repete a forma como a sociedade se organiza no Brasil: uma sociedade extremamente desigual”, analisa Felipe Drummond, consultor do EloGroup.

70% dos profissionais em regime estatutário recebem até R$ 5 mil.

Maiores distorções salariais estão no Judiciário

O levantamento da República em Dados, com base nas informações da RAIS, indica que os salários mais altos estão na esfera federal: a mediana* de remuneração é de R$ 10.029,07. No nível estadual, o valor cai para menos da metade, R$ 4.687,50. Nos municípios, onde está concentrada a massa do funcionalismo público, a remuneração mediana fica em R$ 2.616,28, pouco menos de dois salários mínimos. “O servidor municipal está mais próximo da prestação de serviços à população e tem uma mediana salarial mais baixa”, observa Vanessa Campagnac.

As discrepâncias salariais ficam ainda mais gritantes quando analisadas separadamente por poder e nível de governo. O Judiciário Federal concentra as maiores remunerações, enquanto os salários mais baixos encontram-se nos executivos municipais. “O absurdo está no Judiciário. É onde temos a maior discrepância”, diz Felipe Drumond.

No Judiciário Federal, a mediana* de remuneração é R$ 17.999,04, praticamente sete vezes a mais do que a paga aos servidores que trabalham nas prefeituras (R$ 2.604,17). No Judiciário estadual, cai para R$ 10.162,31, mas ainda é acima do Executivo Federal, com remuneração mediana de R$ 8.781,49. A seguir, vêm os salários da Câmara Federal e do Senado Federal, com mediana de R$ 6.952,52. Em último lugar, estão os servidores municipais. “Os grandes vilões são o Judiciário Federal e dos estados, o Legislativo Federal e parte das carreiras de elite do Executivo federal”, resume Drumond.

Projeto de lei

A regra de que um servidor não pode ganhar mais do que o teto salarial, que corresponde à remuneração dos ministros do Supremo, está prevista na Constituição, mas foram criadas interpretações alternativas que abriram espaço legal para ganhos acima do limite. Em 2016, foi apresentado um projeto de lei para pôr fim aos chamados supersalários. Mas a proposta que regulamenta o teto do funcionalismo, limitando os ganhos excedentes e acabando com os penduricalhos, está parada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, desde 2021.

É uma impressão equivocada dizer que todos os servidores têm supersalários; estamos trabalhando para desmistificar isso. Os supersalários têm que ser encarados como distorções e não como regra.

“Esse projeto fecha, limita a utilização de verbas indenizatórias para se ganhar acima do teto. Ele corta auxílio alimentação, auxílio moradia; ele proíbe que usem esses mecanismos para burlar o teto”, explica Drumond, ao defender a aprovação do projeto. “Não precisa ter emenda constitucional para mitigar problemas de supersalários, que são formados por penduricalhos. Outras leis, outras medidas podem acabar com isso”, emenda Vanessa Campagnac.

Prefeituras empregam mais, mas concentram piores salários

A maior parte dos servidores públicos – 59,8% – está espalhada pelos 5.568 municípios do país, onde os salários são menores. A maioria é formada por profissionais como professores, enfermeiros e assistentes sociais, que trabalham diretamente no atendimento da comunidade. Em 2019, quatro em cada 10 servidores públicos municipais atuavam nas áreas de educação ou saúde.

Já os estados contratam 31,4% dos servidores, enquanto o governo federal responde por 8,2% do total de funcionários públicos do país. O contingente de servidores municipais foi o que mais cresceu desde os anos de 1990, para cumprir a universalização do direito à saúde e educação prevista na Constituição de 1988.

De acordo com dados do RAIS 2019, 93,9% dos servidores públicos estavam no poder Executivo federal, estadual e municipal, responsável pela operacionalização das políticas e serviços públicos. O poder Legislativo tinha 2,79% do total de servidores, e o Judiciário tinha 3,31% dos funcionários públicos.
Os números do República em Dados também derrubam o mito do suposto excesso de servidores públicos no país. Em 2021, 11,35 milhões de trabalhadores do país eram servidores públicos, o que correspondia a 12,45% do total de 91,18 milhões de pessoas empregadas no Brasil. Isso representa um pouco menos do que a metade da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que fica em 23,48%.

A Dinamarca, país com a maior percentagem, tem 30,22% dos trabalhadores no setor público. Em seguida, vem a Suécia, com 29,28%. Os Estados Unidos, geralmente apontado como país que não sofre com inchaço no funcionalismo, tem 13,56% dos seus trabalhadores do serviço público – ou seja, mais que o Brasil. Dos países analisados, Colômbia é o que detém a menor proporção de servidores públicos: apenas 3,93% da população empregada no país.

*Diferença entre média e mediana: a mediana é o valor do meio que separa a metade maior da metade menor no conjunto de dados. Ela é calculada ordenando-se os números do conjunto e depois escolhendo o valor que está no meio. Já a média é calculada pela simples soma dos valores de um conjunto de números, e depois dividindo o resultado pelo número de valores do conjunto. A média é afetada por valores extremos, sejam muito altos ou muito baixos. Isso não acontece com a mediana.

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