Por Suzana Barbosa

As vulnerabilidades socioeconômicas da população negra na atualidade se constituem como resultado das políticas de exclusão do Estado legitimadas pela sociedade ao longo do tempo. A abolição da escravidão e o processo de constituição do Estado Republicano não garantiram políticas e ações de integração da população negra ao projeto de modernidade que até então se estabelecia. Ao contrário, a constituição do Estado brasileiro se fundamentou em um projeto de nação que instituiu ações de exclusão da população negra dos espaços formais de reprodução do cotidiano, restringindo o acesso aos bens e serviços públicos, ao mercado de trabalho, inclusive, o acesso à propriedade. 

Por isso, a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) em 2003 se constituiu como um marco (tardio) no enfrentamento ao racismo no âmbito do Estado, estabelecendo um novo regime político estatal frente às relações raciais no Brasil. Houve, portanto, a institucionalização da temática racial na agenda governamental brasileira que impôs uma reconfiguração dos arranjos institucionais, evidenciando a força política do Movimento Negro e a luta histórica por representação política e garantia de direitos da população negra.

Assim, no que se refere à estrutura institucional para a formulação e implementação de políticas públicas, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n° 12.288/2010) instituiu o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR) como instrumento de descentralização das políticas de enfrentamento ao racismo e para a promoção da igualdade racial para os estados e municípios. 

Entre avanços e retrocessos: Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR)

Kabengele Munanga (2012) afirma que “ao separar raça e classe numa sociedade capitalista, comete-se um erro metodológico que dificulta a sua análise e nos condena ao beco sem saída de uma explicação puramente economicista”. Neste sentido, “a sociedade contemporânea não pode ser compreendida sem os conceitos de raça e de racismo”, pois o “racismo é sempre estrutural e integra a organização econômica e política da sociedade”, conforme nos informa Silvio de Almeida (2019). Portanto, ao constituir-se como um instrumento de descentralização de recursos para a formulação e implementação de ações no âmbito dos estados e municípios e apesar de suas limitações institucionais, o SINAPIR pode ser considerado como um avanço no combate à desigualdade racial.

Contudo, de acordo com a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, atualmente ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em 2020, dos 26 estados da federação e Distrito Federal, 22 integram o SINAPIR. Deste total, 17 se encontram na modalidade básica, constituídos por órgão administrativo sem vinculação orçamentária e  sem Plano de Promoção da Igualdade Racial (PPIR) elaborado, apenas ações e projetos; 04 estados se encontram na modalidade intermediária, com órgão com dotações específicas previstas no orçamento e com PPIR elaborado; e apenas o estado da Bahia na modalidade plena – órgão com recursos próprios ou sob descentralização.

Dos 5.570 municípios, 88 integram este sistema, ou seja, um percentual de aproximadamente 1,6% dos entes municipais. Deste total, 71 estão inseridos na modalidade básica, 10 na intermediária e 7 na plena. Nota-se que 63% dos estados e 80% dos municípios que aderiram ao SINAPIR se encontram na modalidade básica em que não há a consolidação do Plano de Promoção da Igualdade Racial e não possuem recursos orçamentários e financeiros próprios, o que compromete a eficácia e eficiência das ações a serem implementadas.

Afrofuturista: que Estado queremos para o presente e o futuro? 

“Pensar afrofuturo é reconhecer a necessidade de garantir representatividade política da população negra nos principais fóruns de decisão e a consolidação da questão racial nos setores estruturantes, como na definição das políticas econômicas, fiscais e monetárias, bem como nas pastas relacionadas à habitação e meio ambiente.” 

Imaginar e criar novas possibilidades de futuro. Essa é a visão da teoria do afrofuturismo. E o exercício de formular políticas e ações de intervenção na realidade não seria exatamente um exercício de imaginação? Projetar cenários a partir dos instrumentos e mecanismos para a igualdade racial deve ser o exercício comum que atravessa os diversos setores de formulação e implementação de políticas públicas no âmbito dos estados e municípios. 

Apesar do SINAPIR se constituir como um instrumento fundamental, os órgãos voltados para a promoção da igualdade racial não devem ser vistos como únicos responsáveis por esta atuação no âmbito do Estado. Pensar afrofuturo é reconhecer a necessidade de garantir representatividade política da população negra nos principais fóruns de decisão e a consolidação da questão racial nos setores estruturantes, como na definição das políticas econômicas, fiscais e monetárias, bem como nas pastas relacionadas à habitação e meio ambiente. Ou seja, pensar afrofuturo é dialogar com as possibilidades e transformar a realidade da população negra para que possamos exercer nossa cidadania de forma plena, garantindo no presente ações eficazes para construção do futuro e correção do passado. Pois, enquanto houver racismo não haverá democracia!

Referências

ALMEIDA, S. Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.

MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. Autêntica Editora. Belo Horizonte, 2012.

Mini-bio

Suzana Barbosa é mulher negra, neta de rezadeira. Geógrafa e mestra em planejamento e gestão ambiental. Atualmente, tem atuado na área de planejamento estratégico e instrumentos de gestão na esfera municipal de governo. Suzana é Líder da Rede República.

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