Por que salários no setor público variam até 808% para as mesmas funções?

Publicado em: 18 de novembro de 2024

Simplificar as carreiras, vinculando-as às competências, é uma das recomendações para corrigir cinco grandes distorções no setor público

Por Célia Costa — Especial para República.org

Servidora inspeciona local de trabalho. Foto: Secretaria de Inspeção do Trabalho/Divulgação.

O setor público brasileiro enfrenta grandes distorções salariais, com diferenças de até 808% entre os salários iniciais e finais de cargos semelhantes. O Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público, recém-lançado pela República.org, aponta esses problemas e sugere simplificações para corrigir cinco distorções principais. A seguir, conheça essas questões e as propostas para tornar o sistema mais justo e eficiente.

1. Distorção salarial entre funções semelhantes

A falta de padronização salarial entre profissionais com funções parecidas é uma das principais distorções. Por exemplo, enquanto um analista administrativo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) começa ganhando menos de R$ 6 mil, um analista de agência reguladora recebe cerca de R$ 10 mil. A diferença mostra a falta de critérios técnicos para definir salários, o que prejudica a equidade entre os servidores.

2. Falta de critérios para definir salários

Outro problema é a falta de um método claro que relacione o salário à complexidade da função. Em algumas posições de alta direção, a remuneração pode ser igual ou até inferior à de funções menos complexas. Coordenadores-gerais, por exemplo, recebem até R$ 12,7 mil mensais, o que equivale a apenas 64% do salário de um analista de ciência e tecnologia e 38% do de um auditor fiscal do trabalho. Essa incoerência enfraquece a estrutura salarial, deixando-a desbalanceada.

As distorções não apenas tornam menos eficaz como podem causar o desengajamento e afetar a motivação dos servidores.

Paula Frias, coordenadora de Dados da República.org

3. Amplitude salarial sem padrão definido

A variação salarial entre estados e cargos é enorme. Em Tocantins, por exemplo, uma analista de gestão governamental começa com R$ 4,5 mil e pode chegar a R$ 41,2 mil — uma diferença de 808%. Já em Santa Catarina, essa função varia de R$ 1,2 mil a R$ 1,9 mil, apenas 47%. A falta de padrão na progressão salarial afeta a sensação de justiça e desmotiva os servidores.

4. Ausência de política regular de reajuste

A política de reajuste no setor público é desigual, com aumentos decididos por negociações políticas que beneficiam algumas carreiras mais que outras. De acordo com o anuário, carreiras como analista em ciência e tecnologia e auditor fiscal do trabalho tiveram aumentos reais de mais de 50%, enquanto cargos de alta direção sofreram cortes de até 37,3%. Essa inconsistência compromete a previsibilidade da remuneração.

5. Privilégios e vantagens desiguais

A quinta distorção está na diferença de poder de negociação entre carreiras, que gera privilégios salariais concentrados em algumas áreas. Profissionais como advogados da União e auditores fiscais, por exemplo, conseguem remunerações próximas ao teto constitucional, com benefícios adicionais como os honorários de sucumbência. Esses adicionais ampliam as desigualdades internas, causando disparidades salariais.

Propostas para corrigir as distorções

Para enfrentar as distorções, o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público recomenda ações para simplificar e tornar o sistema de carreiras mais justo. Entre as principais sugestões estão:

Simplificação e vinculação de carreiras: reduzir e simplificar o sistema atual, alinhando as carreiras às suas funções e competências, diminuindo o número de escalas salariais para assegurar equidade;

Racionalização salarial: criar um sistema de remuneração com base na complexidade do cargo, atratividade da carreira e sustentabilidade fiscal;

Reajustes baseados em critérios técnicos: adotar uma política de reajuste regular fundamentada em critérios técnicos e em diálogo com diferentes atores;

Gestão de desenvolvimento e desempenho: estabelecer políticas de desenvolvimento para todas as carreiras, com avaliações periódicas de desempenho, planejamento estratégico e feedbacks;

Limitação de supersalários: cortar benefícios que resultam em supersalários, concentrando os recursos em cargos de maior relevância e complexidade.

Caminhos para um sistema mais justo e eficaz

As propostas do anuário não pretendem esgotar o tema, mas abrir espaço para um debate qualificado, embasado em dados e evidências, que inspire novas pesquisas e discussões sobre o aprimoramento das carreiras no setor público. O objetivo é construir um sistema de remuneração mais coerente, que valorize o servidor e contribua para o desenvolvimento do setor público de forma sustentável.

Paula Frias, coordenadora de Dados da República.org e uma das autoras do estudo, reitera que “as distorções não apenas tornam menos eficaz como podem causar o desengajamento e afetar a motivação dos servidores”.

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