Trago boas novas neste quarto artigo da série do República em Notas sobre a atividade de inteligência no Brasil. Um movimento auspicioso deflagrado pelo governo em abril passado, sem grandes alardes, traz esperança de uma importante renovação institucional no serviço secreto. Trata-se da nomeação do historiador e cientista político Marco Cepik para a direção da Escola de Inteligência (Esint).
Subordinada à Abin (Agência Brasileira de Inteligência), a Esint é responsável pela formação, capacitação e aperfeiçoamento dos agentes secretos. Desde a instituição da obrigatoriedade do concurso público para acesso aos quadros funcionais da Abin, em 1994, todos os aprovados precisam fazer os cursos da Esint. E, após o ingresso na carreira, de tempos em tempos, os agentes retornam aos bancos da escola para fazer cursos de aperfeiçoamento. Além de formar e capacitar os agentes, a Esint é responsável pela formulação e revisão da doutrina de Inteligência, que norteia a atuação da Abin.
A indicação de Cepik para a direção da Esint é importante por alguns motivos. Reconhecido nacional e internacionalmente como um dos maiores pesquisadores da área de inteligência no Brasil, Cepik tem uma produção acadêmica sólida, na qual oferece uma visão moderna do setor ao associar a atuação do órgão à construção e manutenção do Estado Democrático de Direito no país.
Antes de Cepik, todos os diretores da escola eram oriundos do famigerado SNI (Serviço Nacional de Informações) ou tinham fortes ligações com o Exército ou com a Polícia Federal. É a primeira vez que um pesquisador acadêmico da área é escolhido para o cargo.
Cepik é formado em história pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), tem mestrado e doutorado em ciências políticas (UFMG e Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, respectivamente) e pós-doutorado na PUC do Rio e na Oxford University. É professor titular da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e atuou como professor visitante em universidades dos Estados Unidos, China, Inglaterra, Moçambique e Equador. Tem diversos livros publicados, entre eles um clássico, Espionagem e Democracia, em que discute, no cenário pós-atentado de 11 de Setembro, nos Estados Unidos, o frágil equilíbrio entre a necessidade de obtenção de dados por parte de governos versus os riscos de comprometimento do Estado Democrático de Direito.
A nomeação de Cepik pode representar um corte radical na cultura de formação dos quadros da área de inteligência, que sempre teve cunho militar e/ou policial.
A fundação da escola do serviço secreto, em 1971, sob a sigla Esni (Escola Nacional de Informações), se deu numa parceria entre o Exército Brasileiro e a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), a quem interessava “terceirizar” aos governos da América Latina o monitoramento de simpatizantes de ideologias de esquerda na região. Os primeiros instrutores da Esni foram treinados pela CIA, e os primeiros alunos eram oficiais e praças do Exército.
Até duas décadas atrás — ou seja, já no início do primeiro governo Lula — a escola do serviço secreto era comandada por agentes oriundos do SNI, corpo central do projeto autoritário de poder que vigeu entre 1964 e 1985. Desde então, a direção da escola ficou sob influência ora do Exército, ora da Polícia Federal.
A nomeação de Cepik tem, portanto, o potencial de quebra de um ciclo de meio século.
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