Resumo:
A violência contra mulheres e meninas é uma grave violação de direitos humanos que exige respostas institucionais consistentes. Gestores públicos têm papel central nesse enfrentamento, garantindo protocolos de acolhimento, capacitação de equipes e integração com redes de proteção. Experiências como as Salas Lilás, previstas em lei, mostram caminhos para um atendimento humanizado e não revitimizador. Transformar diretrizes legais como a Lei Maria da Penha em práticas cotidianas é responsabilidade das lideranças, que devem promover ambientes seguros, igualitários e comprometidos com a equidade de gênero e os direitos humanos.
Índice:
Violência contra mulheres e meninas: uma grave violação dos direitos humanos
A responsabilidade das instituições no enfrentamento à violência contra a mulher
A importância das Salas Lilás: um marco para o atendimento humanizado às mulheres e meninas
Caminhos recomendados para a atuação de gestores e equipes em casos de violência contra a mulher
Gestores públicos e o dever se promover a equidade de gênero
Violência contra mulheres e meninas: uma grave violação dos direitos humanos
A violência contra mulheres e meninas (crianças e adolescentes) é uma grave violação dos direitos humanos, com impactos diretos na saúde, no trabalho, na segurança, na dignidade e na cidadania dessas pessoas. Em ambientes institucionais, sejam eles públicos ou privados, é fundamental que gestores e lideranças estejam não apenas conscientes da existência desse problema, mas também comprometidos com a construção de respostas concretas, eficazes e humanas para seu enfrentamento e acolhimento.
No Brasil, o marco legal da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, estabelece diretrizes e responsabilidades para todos os setores da sociedade para a prevenção e o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Para fins deste ensaio, consideramos a violência doméstica e familiar contra a mulher a partir do Art. 7º da lei que enumera algumas das formas de violências que as mulheres podem sofrer. São elas: as violências física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Além disso, atualmente, tramita o Projeto de Lei 3880/2024, que inclui entre as definições de violência doméstica contra a mulhera violência vicária, que é praticada contra outras pessoas, mas com a intenção de atingir a mulher, como a violência contra filhos, dependentes ou outros parentes da rede de apoio, por exemplo.. Esta nova tipificação foi aprovada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados. Contudo, o projeto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser votado pelo Plenário da Câmara. Assim, para virar lei, a medida precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores (Agência Câmara de Notícias).
A responsabilidade das instituições no enfrentamento à violência contra a mulher
As organizações públicas (e as privadas) são espaços de convivência e trabalho, e muitas vezes as situações de violência vivenciadas pelas mulheres ocorrem ou reverberam dentro desses ambientes. Por isso, é essencial que gestores compreendam que o enfrentamento da violência de gênero não se limita ao campo jurídico-policial, mas exige ações institucionais, formação de equipes, protocolos de acolhimento e escuta qualificada. A Lei Maria da Penha determina, em seu artigo 8º, que é dever do poder público articular políticas que envolvam diferentes áreas: segurança, saúde, educação, trabalho, justiça e assistência social. No mesmo sentido, empresas privadas, no cumprimento de seus deveres de responsabilidade social e trabalhista, também devem promover ambientes seguros, igualitários e livres de qualquer forma de discriminação ou violência.
As lideranças, neste contexto, têm papel fundamental para garantir que suas equipes estejam preparadas para identificar sinais de violência, oferecer apoio inicial, encaminhar aos serviços da rede de proteção e não revitimizar a mulher.
A importância das Salas Lilás: um marco para o atendimento humanizado às mulheres e meninas
A Lei nº 14.847, de 25 de abril de 2024, que dispõe sobre a criação da Sala Lilás no SUS, alterou o artigo 7º da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), incluindo um parágrafo único que estabelece: “as mulheres vítimas de qualquer tipo de violência têm o direito de serem acolhidas e atendidas nos serviços de saúde do SUS, em local e ambiente que garantam sua privacidade e restrição de acesso de terceiros não autorizados pela paciente, especialmente o agressor. Em complemento, o Ministério da Saúde publicou a Nota Técnica Conjunta nº 264/2024 (CGESMU/DGCI, DESCO e DEPPROS/SAPS/MS), com orientações a gestores e serviços estaduais, municipais e do Distrito Federal em relação à Lei nº 14.847, para implementação da Sala Lilás nos serviços de saúde do SUS. Essa norma técnica estabelece orientações operacionais para implantação dessas salas no âmbito da saúde pública, como ambientação humanizada, fluxo de acolhimento prioritário, mobiliário adequado, kits de coleta de vestígios, testes de IST, contracepção de emergência e estrutura para receber crianças acompanhantes. E, mais recentemente, o Programa Nacional das Salas Lilás, formalizado pela Portaria MJSP 911/2025, expande esse conceito (criação Sala Lilás) ao sistema judiciário e de segurança pública, integrando atendimento humanizado, multidisciplinar e especializado quando a vítima procura a Justiça ou perícia. Esses espaços devem oferecer atendimento humanizado e multidisciplinar, com equipes preferencialmente femininas (psicólogas, assistentes sociais, defensoras/defensores públicos, advogadas/advogados, etc.) e integração com redes de apoio legal, social e de saúde. As Salas Lilás devem ser implantadas preferencialmente em locais como delegacias, unidades de saúde, instituições de acolhimento e centros de atendimento, mas sua lógica pode (e deve) inspirar outros espaços institucionais, inclusive ambientes corporativos e administrativos.
Esses espaços não são apenas físicos, mas simbólicos: representam o compromisso institucional com uma escuta qualificada, não revitimizadora e baseada nos direitos humanos, voltada à proteção integral da mulher. Adotá-los no ambiente de trabalho, mesmo que de forma adaptada (como um local privado para escuta, protocolos de sigilo e apoio psicológico), é um gesto de respeito, empatia e responsabilidade institucional.
Caminhos recomendados para a atuação de gestores e equipes em casos de violência contra a mulher
Para além da sensibilidade, é necessário que gestores ajam com planejamento, responsabilidade e capacitação contínua. Ao longo de nossa experiência profissional no campo da gestão pública, observamos boas práticas que são a consolidação de experiências que, alinhadas às normativas legais, podem funcionar.Por exemplo:
- Capacitação de equipes sobre violência de gênero, escuta qualificada, rede de proteção e protocolo de encaminhamento;
- Criação de canais seguros e sigilosos para denúncias e acolhimento de funcionárias e usuárias dos serviços;
- Implementação de espaços de escuta e acolhimento, inspirados nas diretrizes das Salas Lilás;
- Parcerias com a rede local de proteção (CREAS, Delegacia da Mulher, Ministério Público, Defensorias, Conselhos Tutelares e serviços de saúde mental);
- Revisão de políticas internas, códigos de ética e conduta, com enfoque na equidade de gênero e proteção à mulher;
Campanhas educativas e de sensibilização voltadas para os públicos interno e externo.
Tais ações estão alinhadas não apenas à legislação nacional, como a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) e a Lei nº 14.847 e a Portaria MJSP 911/2025, mas também às normativas internacionais, como a Convenção de Belém do Pará e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especialmente o ODS 5 (Igualdade de Gênero).
Gestores públicos e o dever se promover a equidade de gênero
Portanto, este artigo, visa dar visibilidade ao tema para gestores da administração pública e para a urgência de se comprometerem com políticas efetivas de acolhimento, prevenção, proteção e acompanhamento, integrando e qualificando suas equipes a uma rede nacional de cuidado com base em legislação vigente e nos direitos humanos.
A violência contra mulheres e meninas é uma realidade complexa, persistente e que exige respostas institucionais consistentes. Gestores públicos e privados não podem mais se abster de reconhecer seu papel na construção de ambientes acolhedores, comprometidos com os direitos humanos e com a equidade de gênero.
A Lei Maria da Penha, a Lei 14.847 e a recente Portaria MJSP nº 911/2025 apontam caminhos e responsabilidades concretas. Cabe às lideranças — em todos os níveis — transformar esses instrumentos legais em práticas diárias de proteção, respeito e justiça.
Enfrentar a violência é um dever coletivo. Acolher é um ato político. E promover ambientes seguros é, acima de tudo, uma demonstração de humanidade e compromisso institucional com a vida das mulheres e meninas.
Referências bibliográficas
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio.
BRASIL. Lei nº 14.847, de 25 de abril de 2024. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), para dispor sobre o atendimento de mulheres vítimas de violência em ambiente privativo e individualizado nos serviços de saúde prestados no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, Seção 1, Brasília, 26 abr. 2024, p. 2. Publicada em 26 de abril de 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20232026/2024/lei/L14847.htm#a__text_LEI_20N_C2_BA_2014_847_2C_20DE_2025_do_20Sistema_20_C3_9Anico_20de_20Sa_C3_BAde_. Acesso em : 5 ago.2025.
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Portaria nº 911, de 25 de março de 2025. Institui o Programa Nacional das Salas Lilás para atendimento às mulheres e meninas em situação de violência. Disponível em: http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-mjsp-n-911-de-25-de-marco-de-2025-620171575
BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão aprova projeto que inclui violência contra filhos entre as formas de violência contra a mulher. Agência Câmara de Notícias, 13 dez. 2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1121471-comissao-aprova-projeto-que-inclui-violencia-contra-filhos-entre-as-formas-de-violencia-contra-a-mulher/. Acesso em: 5 ago.2025.
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher — Convenção de Belém do Pará.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. ODS 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.