Saúde mental e direitos humanos: por que precisamos falar sobre isso?

Publicado em: 12 de março de 2024

Índice
Reforma Psiquiátrica e a preservação dos direitos humanos
Como promover os direitos humanos nas abordagens de saúde mental?

O acesso aos cuidados em saúde mental é um direito humano fundamental de todos os brasileiros: diz respeito ao bem-estar mental, à integridade psíquica e ao pleno desenvolvimento intelectual e emocional de todas as pessoas.

Para entender o conceito de saúde e o direito à saúde mental, assim como outros direitos humanos, é preciso observar o contexto e os fatores externos, históricos, políticos, econômicos e sociais.

A legislação brasileira prevê atendimento gratuito no sistema de saúde, tratamento humanizado e que previna qualquer forma de abuso e exploração, garantia de sigilo nas informações prestadas, direito à informação para entender os tratamentos propostos, ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis e serviços comunitários de saúde mental.

Mas nem sempre foi assim. Nossa sociedade passou a considerar a saúde como um direito social a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento elaborado em 1948, após a Segunda Guerra Mundial. A Declaração sistematizou direitos básicos universais para a preservação da dignidade humana, visando evitar que barbáries humanitárias se repetissem e que a sociedade assumisse um compromisso internacional com os valores reforçados no documento.

Para entender o conceito de saúde e o direito à saúde mental, assim como outros direitos humanos, é preciso observar o contexto e os fatores externos, históricos, políticos, econômicos e sociais. Nossa saúde integral, composta por saúde física e mental, é influenciada pelo acesso a serviços de saúde, educação, emprego, serviços sociais e de justiça, mas também atravessada pela exposição às violências e à discriminação. Também é preciso considerar que, uma vez que a saúde mental atravessa todas as esferas da vida, ao mesmo tempo em que é afetada por diversos fatores sociais, é preciso pensar na efetivação desse direito como uma tarefa compartilhada por diversos setores.

É fundamental destacar que, quando falamos de humanização dos cuidados e direitos humanos em saúde mental, pretendemos nos distanciar de um contexto em que pessoas com sofrimentos mentais foram segregadas da sociedade por séculos e expostas a uma série de violações de direitos humanos no âmbito do sistema (público e privado) de saúde.

Reforma Psiquiátrica e a preservação dos direitos humanos

No final dos anos 70 e início dos anos 1980, teve início o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira, fruto de intensa luta social por uma sociedade sem manicômios e por uma nova abordagem no tratamento das pessoas com sofrimento mental no país.

A Lei da Reforma Psiquiátrica, em vigor desde 2005, serve de base legal para a implementação da Política Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, além de políticas públicas transversais relacionadas à garantia dos outros direitos básicos às pessoas com condições de saúde mental.

O pano de fundo para esse processo de reforma tem como princípios o cuidado comunitário em saúde mental, as estratégias de cuidado mais humanizadas e com equipes multidisciplinares e a atuação territorial. Em 2011, essas diretrizes e recomendações foram consensuadas como política pública nacional que institui a Rede De Atenção Psicossocial (RAPS) do Sistema Único de Saúde (SUS), rede que conta com atuação multiprofissional e interdisciplinar, com profissionais da medicina, enfermagem, psicologia, assistência social, terapia ocupacional, educação física e fonoaudiologia. Ela é focada nas necessidades dos usuários e, por isso, tem estratégias de cuidado diversificadas no território, abarcando não só o campo da saúde, mas também a assistência social, a cultura e o emprego, de modo a favorecer a inclusão social e o exercício da cidadania dos usuários dos serviços e núcleos familiares.

É fundamental destacar que, quando falamos de humanização dos cuidados e direitos humanos em saúde mental, pretendemos nos distanciar de um contexto em que pessoas com sofrimentos mentais foram segregadas da sociedade por séculos e expostas a uma série de violações de direitos humanos no âmbito do sistema (público e privado) de saúde. A separação dessas pessoas e a consequente exclusão desse assunto nos espaços públicos se relaciona com a noção de que pessoas com adoecimentos mentais não são produtivas e, portanto, não devem fazer parte da sociedade.

Nessa perspectiva, temos uma polarização em que, arbitrariamente, as pessoas são classificadas entre as que conseguem lidar com seus adoecimentos sem interferir na manutenção da vida cotidiana (e que, por isso, são consideradas “saudáveis”) e as que não conseguem, uma vez que são consideradas “loucas”. Essa lógica favorece diversas formas de violência (psicológica, sexual, física, patrimonial, moral e institucional) contra minorias sociais e pessoas em situação de vulnerabilidade.

As abordagens de prevenção de doenças e a promoção da saúde mental, a integração ao debate de perspectivas de raça e etnia, gênero, sexualidade, deficiência e religião e a preservação da autonomia e do estímulo à participação social são fundamentais para a consolidação de modelos integrados de saúde mental e direitos humanos.

Como promover os direitos humanos nas abordagens de saúde mental?

Cuidar da saúde mental não é um projeto individual com começo, meio e fim, mas um projeto coletivo para vida toda. Precisamos olhar o tema com a centralidade que ele já ocupa em nossas vidas, mas de forma contínua, sem nos restringir a olhar apenas para o adoecimento ou para campanhas de conscientização sobre o tema, como é o caso do setembro amarelo, por exemplo. Saúde mental é assunto para toda a vida, todos os dias, de forma permanente.

A educação em direitos humanos é uma aliada para a construção de novos olhares, novas abordagens e narrativas sobre saúde mental, assunto que ainda é permeado por estigmas. Como um processo contínuo, sistêmico e multidimensional que orienta a aprendizagem priorizando a autonomia pessoal e o senso crítico de cada pessoa, a noção de saúde mental como direito humano deve guiar todas as capacitações na área, que não devem ficar restritas a cursos pontuais ou formações.

Recursos humanos da saúde mental, entendidos de forma ampla, devem se formar tecnicamente, mas também devem manter-se em formação contínua para lidar com a necessidade de adaptação às diferentes realidades que surgem no dia a dia. Com esse olhar aplicado de forma constante e consistente, podemos reduzir as desigualdades de acesso aos cuidados em saúde mental e oferecer oportunidades justas a todas as pessoas, sem nenhuma distinção, de forma que possam atingir seu pleno potencial de saúde.

Instituto Cactus: O Instituto Cactus é uma organização filantrópica e de direitos humanos, sem fins lucrativos, independente, que atua para ampliar e qualificar o debate com os cuidados em prevenção de doenças e promoção de saúde mental no Brasil. Fomentamos projetos, ações e iniciativas diversas que atuem de forma estratégica para a construção e oferta de soluções e ferramentas voltadas principalmente aos adolescentes e às mulheres. Gerando evidências e inovações para o campo da atenção psicossocial em todo país.

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