“RAP da Saúde” é um dos finalistas na categoria Saúde Mental da 6ª edição do Prêmio Espírito Público; votação está aberta

Por Célia Costa — Especial para República.org

O nome “RAP da Saúde” remete ao estilo musical usado por jovens para expressar suas inquietações. O gênero pode ter influenciado os criadores, mas trata-se da sigla de Rede de Adolescentes e Jovens Promotores da Saúde, um curso destinado a jovens de comunidades da cidade do Rio de Janeiro que, em sua maioria, vivem em situação de extrema pobreza.

O projeto começou a ser implantado em 2015 como um curso que capacita jovens para atuarem nas áreas da saúde, tecnologia, empregabilidade, educação, cultura e lazer, assistência social e direitos humanos. A ideia, no entanto, surgiu em 2007, a partir da experiência da Secretaria de Saúde do município nos “Adolescentros” da Maré e da Rocinha.

O “RAP da Saúde” é um dos finalistas na categoria Promoção e Prevenção da Saúde Mental de Adolescentes, do Prêmio Espírito Público (PEP), que está em votação popular até o dia 3 de julho. “E agora? Um rolé digital” e “Papo cabeça” também são finalistas. O prêmio é uma realização da Parceria Vamos, e essa categoria está sendo apoiada pelo Instituto Cactus.

Durante nove anos, o projeto formou mais de 700 adolescentes e jovens de 14 a 24 anos, a maioria pretos e pardos. No período, realizou 13.553 ações educativas e de mobilização social, alcançando 494.634 pessoas. A turma atual tem 178 jovens atuando em 33 unidades de saúde, distribuídas entre as dez Áreas de Planejamento em Saúde do município.

PARTICIPE: clique aqui para votar na categoria Promoção e Prevenção da Saúde Mental de Adolescentes, do 6º Prêmio Espírito Público.

Da extrema pobreza e fome à possibilidade de um futuro dos seus sonhos

O programa foca em transformações de trajetórias de vida como a da estudante Nathália Amorim, de 21 anos. Durante a pandemia de Covid-19, a jovem Nathália viu, aos 18 anos, sua família desestruturar-se. As seis pessoas que viviam em uma pequena casa localizada em uma área conflagrada no Rio de Janeiro ficaram desempregadas ao mesmo tempo. Diante de toda a situação, a mãe desenvolveu transtornos mentais.

Após brigas entre familiares, as duas foram viver em outra comunidade, em uma casa abandonada. Lidando com os surtos da mãe, a jovem foi vender balas na rua. A sobrevivência passou a ser por meio de cestas básicas, mas a fome assolou as duas. Muito magra, desnutrida e com a saúde debilitada, Nathália conheceu o “RAP da Saúde”.

Nathália Amorim apresentando o projeto “RAP da Saúde”. Foto: arquivo pessoal.

“Quando cheguei ao projeto, não tinha roupas apropriadas para me apresentar. Lembro que fui obrigada a usar sandálias em péssimas condições, mas disseram que nada disso importava. Passei a frequentar as aulas. Com o valor da bolsa, pude melhorar a situação em casa. Em dois anos, minha vida foi transformada. Após concluir o curso, passei a fazer parte da equipe e voltei a sonhar. Com meu salário, pago o tratamento da minha mãe e estou fazendo um cursinho para as provas do Enem. Frequentei locais em que nunca imaginei pisar, entre eles a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde dei uma aula para estudantes de Medicina sobre promoção da saúde. Cursar uma universidade havia saído dos meus sonhos. Quero fazer Psicologia ou Direito”, disse Nathália, hoje com 21 anos, em um relato bastante emocionado.

Apesar de não ser um projeto ligado à música, nada impede que os alunos mostrem seus talentos, independentemente do estilo. Entre as várias oficinas que são realizadas, há também a de Slam. Por meio da poesia falada, as “batalhas” oferecem mais oportunidades para os jovens expressarem seus sentimentos, angústias e outras questões do seu cotidiano.

Ao serem inseridos nas unidades de saúde, os jovens são instruídos para desempenharem o papel de promotores da saúde. Eles atuam em diversos espaços de seus territórios, como Unidades de Atenção Primária, escolas (por meio do Programa Saúde na Escola), praças, espaços de sociabilidade do bairro e rádios comunitárias, além das redes sociais.

Com o valor da bolsa, pude melhorar a situação em casa. Em dois anos, minha vida foi transformada. Após concluir o curso, passei a fazer parte da equipe e voltei a sonhar.

Nathália Amorim, estudante beneficiada pelo projeto

Os jovens se apropriam e divulgam informações em saúde, especialmente de saúde mental, e promovem a conscientização sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), gênero, diversidade, racismo, mudanças climáticas, direitos sexuais e reprodutivos, violências e promoção da cultura de paz.

A realização de rodas de conversa faz parte da formação desses jovens, segundo Márcio Baptista, servidor público especialista em comunicação e saúde, que coordena o “RAP da Saúde”.

“A maioria não consegue falar com a família sobre o sofrimento psíquico pelo qual está passando. Aos poucos, conseguem se soltar nas rodas de conversa após perceberem que haverá sigilo. Procuramos inserir esses jovens na rede de saúde e, se houver necessidade, encaminhamos para os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)”, explica Márcio.

Racismo e bullying são queixas recorrentes nas rodas de conversa

Um fato chamou muito a atenção dos coordenadores. Durante um evento com mais de 300 pessoas, um jovem do projeto fez um relato emocionante. “Salvei uma vida”, disse ele, referindo-se a uma menina que procurou ajuda e foi encaminhada para atendimento. Depois do tratamento, ela se define como uma pessoa empoderada.

Cine-debate promovido pelo “projeto”RAP da Saúde”. Foto: Divulgação.

Racismo e bullying, que podem levar crianças e adolescentes a sofrimentos, também estão nas rodas de conversa. Uma menina fez um relato sobre o racismo que sofria na escola por causa do seu cabelo. “Com o RAP, deixei de ser negrinha de cabelo duro para ser a negona do black”, disse a menina durante uma roda de conversa, segundo Márcio Baptista.

Com duração de 11 meses, o curso é dividido nas funções de Multiplicador, para quem tem capacidade de disseminar informações e não exige prática anterior, e Dinamizador, com experiência requerida em participação de protagonismo e liderança juvenil, com carga horária de 12 horas e 16 horas por semana, respectivamente. A remuneração é mensal. O Multiplicador recebe uma bolsa de R$ 450, e o Dinamizador, R$ 650.

Geralmente, segundo o coordenador do projeto, o valor da bolsa é o sustento das famílias. Ao término do curso, o jovem pode concorrer a vagas nas Organizações Sociais (OSs). Alguns conseguem fazer algum curso técnico. Há auxiliares de enfermagem, auxiliares em saúde, e eles também podem se candidatar a uma vaga no projeto.

A maioria não consegue falar com a família sobre o sofrimento psíquico pelo qual está passando. Aos poucos, conseguem se soltar nas rodas de conversa.

Márcio Baptista, servidor público e coordenador do projeto “RAP da Saúde”

Segundo o coordenador, o projeto tem a proposta de fortalecer o protagonismo dos jovens, promovendo e capacitando-os para que possam proporcionar intervenções e ações transformadoras de seus contextos sociais e comunitários. O curso inclui ainda jovens trans e pessoas com algum tipo de deficiência. Há uma unidade só de surdos, por exemplo. Um dos pedidos dos jovens era que profissionais de saúde ofertassem curso de Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), que está em fase de planejamento.

Para o futuro do projeto, algumas ideias estão sendo iniciadas. Há previsão da realização do curso de “Promotores de Equidade”, replicando o formato do “RAP da Saúde” para a população em situação de rua, acolhida no novo CAPS AD III Dona Ivone Lara e na Residência e Unidade de Acolhimento Sonho Meu, ambos em Cascadura, Zona Norte do Rio. Os alunos serão qualificados e também realizarão ações de promoção da saúde entre seus pares. Outro projeto também está em andamento, nos mesmos moldes, mas voltado para a população privada de liberdade: o curso “Monitores de Promoção da Saúde”, dentro do sistema prisional.

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