Especialista em administração pública compõe o conselho diretor do instituto ao lado de Vera Monteiro e Renata Vilhena
Por Stella Tó Freitas
Pensar um Estado efetivo é pensar, sobretudo, nos servidores públicos que atuam no atendimento direto à população, os chamados burocratas de nível de rua. Há 24 anos à frente de pesquisas sobre a administração pública, a nova vice-presidente do conselho da República.org, Gabriela Lotta, afirma que são as pessoas que estão no cotidiano do serviço público que fazem do Brasil um país inovador e bem-sucedido.
Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professora formada em Administração Pública desde 1999, Gabriela se deu conta de que a realidade da burocracia brasileira vai muito além das planilhas quando foi estudar no sertão do Ceará, em 2000.
“No Ceará, eu descobri um mundo de política pública que não tinha nada a ver com o que eu tinha aprendido em sala de aula. Um mundo onde tinha um monte de gente na ponta do serviço público fazendo, criando, inovando”, conta a pesquisadora, que, a partir dessa experiência, mergulhou nos estudos das mais diversas possibilidades para a construção de um Brasil que funciona de forma efetiva e criativa.
E foi estudando os burocratas de nível de rua que a vice-presidente do conselho da República.org também encontrou adversidades institucionais que atravancam o bom funcionamento da esfera pública.
Desmonte do Estado e assédio institucional
Nos últimos três anos, a pesquisadora conta que esbarrou em uma estratégia sofisticada do último governo: o assédio institucional, um fenômeno caracterizado por discursos e posicionamentos públicos, além de normas e práticas administrativas que impõem constrangimentos, ameaças e desqualificações a organizações públicas.
“A gente percebeu que o último governo era, claramente, contra as instituições, era um governo contra o Estado brasileiro, era um governo contra as políticas públicas e tinha essa agenda do desmonte como algo muito declarado. Esse ataque genérico às instituições, às políticas, à democracia, na verdade, era um ataque que se concretizava também como ataque aos servidores públicos”, salienta.
Lotta e seus colegas pesquisadores Mariana Costa, Iana Alves, Michelle Fernandez, João Pedote e Olivia Guaranha ouviram mais de 220 agentes de diferentes ministérios e agências governamentais em entrevistas feitas entre 2020 e 2022. Os cientistas identificaram que os maiores ataques aos servidores públicos foram assédio moral e práticas como tirar acesso ao sistema de informação e remover profissionais públicos de suas funções.
A pesquisa identificou ainda que a hostilidade foi executada diretamente aos servidores em cargos de gestão do médio e alto escalão do governo federal. Porém, os profissionais que atuam na linha de frente, os burocratas de nível de rua, também foram impactados negativamente pelos ataques.
“Talvez o exemplo mais óbvio de como esse assédio impacta os servidores que estão na ponta seja com os profissionais de saúde do SUS durante a [pandemia de] covid-19. Teve toda uma lógica de construção de discurso de mudança de regramento, de tirar recursos públicos que enfraqueceram servidores que estavam lá na ponta”, afirma Lotta.
Para a especialista, condutas como assédio ainda acontecem porque a administração pública brasileira, assim como a sociedade, carrega traços históricos que ainda não foram resolvidos, entre eles o racismo, o corporativismo e o machismo.
A importância da representatividade no serviço público
Um levantamento da República.org lançado em março deste ano aponta que as mulheres são a maioria dos agentes públicos brasileiros, somando 61% dos vínculos públicos civis. No entanto, os maiores cargos de liderança no país são ocupados por homens, chegando a, curiosamente, 61%.
“A solução não é simples. Nós precisamos ter uma série de medidas dentro do Estado que deveriam fazer o país mais republicano, mais diverso, trazer mais mulheres para cargos de poder, trazer mais pessoas negras para ocupar o Estado, para que ele seja representativo e democrático”, ressalta Lotta, acrescentando que esses são os grandes desafios para o país avançar.
Servidores públicos não são marajás
De acordo com o estudo feito pelo grupo de pesquisadores composto por Lotta, 70% dos servidores públicos no Brasil atuam no atendimento direto à população, realidade bem diferente do senso comum: esses agentes públicos não estão dentro dos gabinetes, não são marajás nem ganham supersalários, e sim atuam no cotidiano do serviço público.
A pesquisadora concorda com a crítica de que o Estado acumula diversos problemas estruturais, mas, ainda assim, ressalta que a população precisa ser estimulada a reconhecer que a gestão pública está em todo lugar, seja no asfalto das ruas, seja no transporte coletivo. E que são as pessoas que trabalham para os governos que dedicam-se a resolver os problemas da sociedade.
“É verdade que o Estado tem problemas, mas também é verdade que a sociedade tem dificuldade de reconhecer o que o Estado faz e que não existe Estado sem pessoas. E, se o Estado consegue ajudar as pessoas (servidores) a tomarem decisões melhores, isso tem impacto direto na vida do cidadão”, pontua.
Carreira da especialista
Gabriela Lotta chegou à República.org em 2021, quando se tornou membro do conselho diretor. Em janeiro de 2023, passou a dividir a vice-presidência do instituto com a advogada e professora Vera Monteiro. A presidência do conselho é da especialista em gestão pública e professora Renata Vilhena.
Gabriela Lotta é professora e pesquisadora de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas, onde coordena o Núcleo de Estudos da Burocracia. Também é docente da Escola Nacional de Administração Pública e pesquisadora vinculada ao Centro de Estudos da Metrópole do Brazil.Lab, da Universidade de Princeton (EUA). Em 2021, ela foi nomeada pelo Apolitical como uma das 100 acadêmicas mais influentes do mundo na área de governo. Em 2022, Lotta divulgou o livro A democracia equilibrista: políticos e burocratas no Brasil (Cia. das Letras), em parceria com Pedro Abramovay.