Portaria traça diretrizes para tentar reorganizar carreiras no serviço público

Publicado em: 9 de setembro de 2024

Uma das medidas propostas pelo Ministério da Gestão prevê o alongamento do tempo para o servidor chegar ao topo da carreira

Por Eugênia Lopes — Especial para República.org

Passados 36 anos da promulgação da Constituição de 88, o governo federal editou uma portaria inédita com diretrizes para tentar organizar o sistema de carreiras no serviço público. Assinada pela ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), Esther Dweck, a portaria 5.127/2024 traz as orientações para a reestruturação das carreiras do Executivo Federal. Embora não tenha força de lei, a expectativa é que a portaria impulsione um processo de transformação na administração ao simplificar a estrutura remuneratória e de progressão das carreiras.

“Essa portaria define diretrizes e sinaliza um caminho para o futuro, além de mexer com algumas questões entendidas atualmente como privilégios. Ela estanca algumas distorções que existem na estrutura de carreiras, inclusive no âmbito das remunerações”, afirma Fred Melo, diretor-executivo da República.org. Para Felipe Drumond, consultor da EloGroup em transformação digital, a portaria do Ministério da Gestão é um passo importante rumo à modernização do estado brasileiro. “A portaria traz pela primeira vez critérios técnicos para discussão do redesenho das carreiras no serviço público e, de uma certa forma, limita que o nosso sistema piore”, argumenta.

Considerada uma sinalização do governo para a reestruturação de carreiras, a portaria prevê a obrigatoriedade da aplicação de suas diretrizes apenas para carreiras que venham a ser criadas. “São orientações muito positivas, mas a gente espera além disso. Não precisa ser só para as futuras carreiras; é preciso pegar as atuais carreiras e começar a rever”, defende Renata Vilhena, professora associada da Fundação Dom Cabral e conselheira da República.org. Opinião semelhante à de Fred Melo, para quem o governo precisa enfrentar o desafio de reorganizar o modelo de carreiras atual. “A portaria não tem uma aplicação imediata nas carreiras atuais. Mas ela é uma sinalização de uma pretensão de transformar o modelo atual num modelo mais próximo do que seja o ideal”, diz Melo.

Alongamento das carreiras

Uma das medidas propostas pela portaria é o alongamento do tempo para o servidor atingir o topo da carreira. Essa reestruturação, ao lado da reposição salarial, foi um dos pontos colocados, neste ano, na mesa de negociações com os servidores federais. Dados divulgados no portal do Ministério da Gestão apontam que, até o dia 2 de setembro, foram firmados 45 acordos com representantes de diversos setores do serviço público federal, o que contempla 98,2% do funcionalismo federal.

“A questão da amplitude conversa com uma questão não somente salarial, mas também com o engajamento e motivação do próprio servidor e da vontade dele se desenvolver para chegar a posições mais altas. Essa parte da amplitude tem uma questão remuneratória importante, mas considera essa questão simbólica”, analisa Vanessa Campagnac, gerente de Dados e Comunicação da República.org.

Parte dos 45 acordos firmados pelo governo federal estabelece o aumento no número de degraus que os servidores precisam percorrer para chegar ao topo da carreira – o chamado alongamento das carreiras, previsto na portaria. Atualmente, os servidores levam, em alguns casos, apenas 13 anos para atingir o topo da carreira. A ideia é que esse percurso passe a durar 20 anos.

Essa portaria estanca algumas distorções que existem na estrutura de carreiras, inclusive no âmbito das remunerações.

Fred Melo, diretor-executivo da República.org

No Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por exemplo, o acordo firmado em 28 de agosto prevê a reestruturação da carreira do Seguro Social com a ampliação da tabela remuneratória, passando de 17 para 20 padrões. Já com os servidores da área de Infraestrutura, a reestruturação remuneratória prevista no acordo, firmado em 29 de agosto, estabelece que a tabela será alongada, indo de 13 para 20 padrões, para o cargo de Analista em Infraestrutura.

Analistas técnicos do Banco Central, analistas de comércio exterior, da CVM e da Susep, do IBGE, do IPEA são algumas das carreiras que concordaram com o estabelecimento de 20 anos para o alcance do padrão final da carreira, nos acordos firmados com o governo federal. Já delegados da Polícia Federal, analistas em tecnologia da informação, auditores e analistas da Receita Federal e magistério federal não concordaram com o alongamento do tempo para chegar ao topo da carreira.

Carreiras que fecharam acordo nas mesas específicas e temporárias com o governo federal

Carreiras da Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI
Carreiras da Agência Nacional de Mineração – ANM
Analistas Técnicos de Políticas Sociais – ATPS
Analistas em Tecnologia da Informação – ATI
Delegados e Peritos Criminais da Polícia Federal – PF
Agentes, Escrivães e Papiloscopistas da Polícia Federal – PF
Policiais Rodoviários Federais – PRF
Agentes Federais de Execução Penal (Policiais Penais Federais) – PPF
Auditores-Fiscais e Analistas Tributários da Receita Federal – RFB
Especialista Federal em Assistência à Execução Penal e Técnico Federal de Apoio à Execução Penal – PPF
Analistas e Técnicos do Banco Central do Brasil – BACEN
Plano de Carreira dos Cargos de Atividades Técnicas e Auxiliares de Fiscalização Federal Agropecuária – PCTAF
Auditores Fiscais Federais Agropecuários – AFFA
Magistério Federal – PROIFES Federação
Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – PGPE e PECs Setoriais – FAZENDA, CULTURA, entre outros – ERCE
Carreiras da Previdência, Saúde e Trabalho – PST / Carreiras do Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS / Agentes de Combate às Endemias – Lei nº 13.026, de 03/09/2014
Magistério Federal – ANDES-SN/SINASEFE
Cargos Técnico-Administrativos em Educação – PCCTAE
Carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental – EPPGG
CVM e SUSEP
Carreira de Analista de Comércio Exterior
Plano de Carreiras e Cargos do Hospital das Forças Armadas – PCCHFA
Carreira de Planejamento e Orçamento
Carreiras do IBGE
Carreiras do IPEA
Carreiras da PREVIC
Oficiais e Agentes de Inteligência da ABIN
Grupo DACTA
Grupos de Apoio e de Informações da ABIN
Carreiras do Meio Ambiente – IBAMA, ICMBio e MMA
Médicos Peritos
Tecnologia Militar – PCCTM
DNIT – Carreiras e PEC
INCRA/MDA – PCC Reforma e Desenvolvimento Agrário
Peritos Federais Agrários
Agências Reguladoras
FNDE e INEP
Assistentes e Oficiais de Chancelaria
Diplomatas
Carreiras da FIOCRUZ
Carreiras do INMETRO
Carreiras do INPI
Carreiras da Ciência e Tecnologia, do Instituto Evandro Chagas – IEC e do Centro Nacional de Primatas – CENP
Carreiras do INSS
Analistas de Infraestrutura – AIE

Fonte: Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI).

O que diz a portaria

Publicada em 14 de agosto, no Diário Oficial da União, a portaria 5.127/2024 estabelece diretrizes e critérios para a elaboração de pedidos de criação e reestruturação de carreiras e de quantitativo de cargos efetivos da administração pública federal. Com 15 artigos, a portaria explicita que o objetivo é organizar “a elaboração de propostas de criação, racionalização e reestruturação de planos, carreiras e cargos, bem como ampliação do quantitativo de cargos efetivos”.

Atualmente, o sistema de carreiras do Executivo tem 43 planos de cargos e carreiras, 120 carreiras e mais de 2 mil cargos distintos. Segundo a portaria, as novas reestruturações devem agrupar carreiras com atribuições semelhantes e serão priorizados planos, carreiras e cargos efetivos que possam atuar de modo transversal.

No parágrafo único do artigo 6º, a portaria assinala que o governo não deve aceitar pedidos de criação de cargos cujas atribuições sejam “idênticas ou similares às de cargos existentes; temporárias ou com tendência a se tornarem obsoletas ou de menor complexidade”.

De acordo com a portaria, a reestruturação de cargos deve considerar as atividades a serem desempenhadas e não com exercício exclusivo em determinado órgão ou entidade, mediante critérios objetivos e considerando o interesse da administração pública federal. Já para o desenvolvimento nas carreiras, deve ser considerado o desempenho individual e coletivo para os resultados institucionais, a habilitação para o desenvolvimento de atividades mais complexas, o engajamento e comprometimento com o trabalho desempenhado, e o estabelecimento de critérios que valorizem tanto perfis técnicos quanto gerenciais.

São orientações muito positivas, mas a gente espera além disso. Não precisa ser só para as futuras carreiras; é preciso pegar as atuais carreiras e começar a rever.

Renata Vilhena, presidente do Conselho da República.org

Em relação à estrutura remuneratória, a portaria 5.127/2024 prevê a simplificação e redução da quantidade de parcelas, a uniformização de estruturas remuneratórias para cargos de mesma natureza e com similar complexidade de atribuições e responsabilidades. Outra orientação é o estabelecimento de um “período mínimo de, preferencialmente, 20 anos para o alcance do padrão final da carreira”. Além disso, o tempo de serviço não será o único critério para a progressão, que deverá observar também o desempenho individual e coletivo do servidor, perfil, qualificação e comprometimento.

A portaria também restringe a criação de bônus ou parcelas similares vinculadas ao desempenho da função, como os concedidos aos servidores da Receita Federal e advogados da AGU (Advocacia-Geral da União).

Judicialização

Bem recebida por especialistas em administração pública, a portaria 5.127 foi rechaçada por sindicatos ligados ao funcionalismo público federal. Na última semana de agosto, o Unacon (Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle) protocolou uma ação na Justiça Federal, em Brasília, pedindo a suspensão da portaria. A judicialização da portaria foi organizada pelo Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado).

“Os sindicatos alegam que não foram ouvidos e que queriam ter contribuído com a portaria. Mas eles não querem mudanças porque a forma como está hoje é muito cômoda”, observa Renata Vilhena. “A visão dos sindicatos pode ser muito protecionista de uma carreira específica. Mas devemos olhar para a gestão pública como um todo”, argumenta Vanessa Campagnac. Deputados do PSOL também protocolaram na Câmara um Projeto de Decreto Legislativo para tentar sustar a portaria.

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