Desigualdade racial no serviço público marca debate na Casa República na Flip

Publicado em: 11 de outubro de 2024

Dados inéditos mostram a baixa representatividade de pessoas negras nos cargos de elite da administração pública

Rodrigo Candido, Bruno Carazza e Ana Clara Costa dialogam na Casa República. Foto: Douglas Shineidr.

PARATY — A mesa “Não somos iguais”, realizada na Casa República na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) nesta sexta-feira (11) trouxe à tona discussões sobre desigualdade racial e os desafios enfrentados por pessoas negras no serviço público brasileiro.

O debate abriu com a fala de Carla Nascimento, coordenadora de Comunicação da República.org, que revelou dados de um levantamento inédito do instituto sobre a representatividade racial nas carreiras de elite do funcionalismo público.

Segundo o estudo, apenas 5,1% dos Ministros de Primeira Classe — o cargo mais alto da diplomacia brasileira — são pessoas negras. Para os Ministros de Segunda Classe, essa proporção é de 7,4%.

Disparidades salariais e privilégios no setor público

Rodrigo Candido, diretor administrativo-financeiro da Samambaia.org e diretor-executivo interino da República.org, apontou que pessoas negras representam 39,3% dos servidores efetivos do governo federal, segundo dados do SIAPE (Sistema Integrado de Administração de Pessoal) de 2024. Além disso, destacou a persistência das disparidades salariais no setor: enquanto mais de 50% dos servidores brancos recebem acima de R$ 12.862, entre os servidores negros o valor cai para R$ 9.916.

Candido também ressaltou que 70% dos servidores públicos ganham até R$ 5 mil, e observou que esses cargos são ocupados principalmente por mulheres e pessoas negras.

“As carreiras de elite, por outro lado, são muito articuladas e bem conectadas com o poder, mantendo vantagens que perpetuam essa desigualdade”, afirmou Bruno Carazza, servidor público, economista e autor de O país dos privilégios (ed. Companhia das Letras).

Lançado em 2024, “O país dos privilégios”, de Bruno Carazza, escancara as regalias do topo do funcionalismo. Foto: Douglas Shineidr.

Para Candido, a desigualdade salarial no serviço público reflete a desigualdade social no país. “As pessoas que conseguem se preparar para concursos, frequentar cursinhos e investir em suas carreiras acabam reproduzindo a desigualdade que já existe na sociedade”, explicou.

Mediadora da mesa, Ana Clara Costa, jornalista da revista piauí, indagou: “a base do serviço público [onde estão mulheres e pessoas negras] não tem tanta influência para fazer lobby, né?”.

A discussão também tocou na necessidade de uma gestão de pessoas mais efetiva no serviço público. “A gente consegue diminuir a disparidade quando se fala em gestão de pessoas, atração, gestão de carreiras e desempenho”, comentou Rodrigo. Segundo ele, essa é uma ferramenta fundamental para enfrentar as desigualdades no setor.

Temos que valorizar as carreiras públicas sem criar incentivos errados, e isso passa por limitar a remuneração excessiva e atrair pessoas vocacionadas.

Bruno Carazza, servidor público e economista

O dia foi concluído com uma mensagem clara de que as desigualdades no serviço público refletem as injustiças sociais no Brasil. Para Bruno Carazza, “temos que valorizar as carreiras públicas sem criar incentivos errados, e isso passa por limitar a remuneração excessiva (que fura o teto constitucional, por exemplo) e atrair pessoas vocacionadas, não aquelas que entram no serviço público apenas pelo salário”.

A Casa República, uma iniciativa das organizações República.org, Matizar Filmes, Samambaia.org e Museu Vassouras, com curadoria da jornalista Daniela Pinheiro, chega ao terceiro ano promovendo diálogos entre literatura, audiovisual e gestão pública. O espaço busca ampliar as perspectivas sobre os desafios do Brasil, com destaque para o papel fundamental do serviço público no combate às desigualdades.

Convidados reforçaram importância da gestão de pessoas para combater desigualdades no setor público. Foto: Douglas Shineidr.

Um olhar sobre as crises ambientais e tributárias

No sábado, 12 de outubro, a Casa República traz novas reflexões a partir das 11h, com a mesa “Quando tudo arde”, que reúne o analista ambiental do ICMBio Pablo Casella e os jornalistas Paulina Chamorro e Bernardo Esteves para discutir as queimadas e suas implicações ambientais. Às 15h, “Ele é funcionário” coloca o servidor público do TRE-CE e escritor Stênio Gardel e o médico Bruno Barbosa em um debate sobre como equilibrar a vida pública com a literatura.

O dia encerra com a mesa “Quem é o pato que paga o pato?”, em que Daniel Loria, da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, e Cecília Machado, economista-chefe do Banco BoCom BBM, debatem a carga tributária no Brasil, com mediação da jornalista Ana Flor.

Além dos debates, a programação segue com exibições de Retrato de Um Certo Oriente, dirigido por Marcelo Gomes e baseado no livro de homônimo Milton Hatoum, no Cinema da Praça.

Acesse a programação completa.

Serviço

Casa República na Flip 2024
Data: 10 a 13 de outubro.
Local: Rua Dona Geralda, 25, Paraty.
Exibições do filme Retrato de Um Certo Oriente: Cinema da Praça (R. Mal. Deodoro, 3, Centro Histórico).
Entrada gratuita.

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